Por Iberê Lopes.
De acordo com o Ministério da Saúde Pública cubano, foram feitas “referências diretas, depreciativas e ameaçadoras” à presença dos profissionais no Brasil. Na semana passada, Bolsonaro afirmou que não havia “comprovação de que eles (cubanos) são médicos mesmo e que estão preparados para atuar”.
Da tribuna da Câmara dos Deputados, parlamentares de diferentes legendas criticaram a postura do presidente, que antes mesmo de iniciar seu mandato, promove o desmonte do atendimento básico de saúde.
O deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), condenou a “prática absurda” de Bolsonaro. Segundo ele o presidente eleito se comporta “de forma politizada, de forma a colocar o problema ideológico num patamar que não deveria existir, faz contra a saúde pública, contra a população mais pobre, contra os prefeitos brasileiros, contra os governos dos Estados, contra os que mais necessitam dessas políticas públicas”.
Almeida lembrou que antes de ser institucionalizado, o programa Mais Médicos foi amplamente debatido na Câmara. “E que tem uma ação sem discriminação alguma com as prefeituras de todos os partidos políticos, para atender de forma democrática todos os brasileiros”, finalizou o parlamentar.
Durante o período eleitoral, Bolsonaro disse que sob seu comando o país não iria “botar gente de Cuba aqui sem o mínimo de comprovação de que eles realmente saibam o exercício da profissão”. E acrescentou, desrespeitando os médicos: “você não pode, só porque o pobre que é atendido por eles, botar pessoas que talvez não tenham qualificação para tal”.
A perseguição aos profissionais de saúde cubanos iniciou já no governo de Michel Temer, que após o golpe de 2016 sinalizou a interrupção do programa Mais Médicos. Neste ano, o orçamento destinado à ação era de R$ 3,33 bilhões. Mas a soma do que foi pago ficou R$ 1 bi abaixo do total (R$ 2,19 bilhões). Os dados estão disponíveis no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi).
Trazendo ainda mais desconforto para a permanência dos médicos de Cuba, o futuro ministro da Saúde do Brasil, deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), afirmou na terça-feira (20) que o convênio entre os dois países era “muito mais um convênio entre Cuba e o PT, e não entre Cuba e o Brasil”.
A declaração de Mandetta veio com forte carga ideológica, enfatizando que no período de estabelecimento do Mais Médicos “não houve uma tratativa bilateral e, sim, uma ruptura unilateral”.
Na realidade, nunca houve proibição para que médicos brasileiros participassem do Mais Médicos. Os cubanos chegaram no país exatamente porque as vagas oferecidas aos profissionais locais não foram preenchidas. Então vieram médicos de diversos países que se dispuseram a se inscrever e a disputar essas vagas, não apenas de Cuba.
Segundo a vice-líder da Minoria na Câmara, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), é preciso compreender as desigualdades estruturais e sociais do Brasil, aprofundando o tema que esta semana polarizou as atenções da sociedade brasileira. “Eu, como médica, como profissional de saúde, acompanhei muito de perto todo esse debate. Sei qual foi a reação de muitas entidades médicas e da minha categoria, que foi uma reação predominantemente, pelo menos, expressa pelas entidades, muito negativa à época”.
Feghali acrescentou que profissionais brasileiros expressaram “preconceito em relação aos médicos cubanos”. Mas que ao final, houve acordo construído no Parlamento em torno do programa que envolveu o Conselho Federal de Medicina.
“Foi um projeto que, além de ampliar a atenção para os rincões, para as áreas periféricas, para as áreas pobres, para as áreas de difícil acesso, para as aldeias indígenas, também incorporou áreas importantes da formação mais generalista dos médicos brasileiros, através da criação das residências médicas na medicina familiar e comunitária”, destacou a parlamentar.
Entre os avanços promovidos pelo Programa Mais Médicos para o Brasil estão o atendimento de saúde que chegou para 60 milhões de brasileiros. Nas aldeias indígenas, por exemplo, 75% dos médicos (cerca de 300 profissionais) são cubanos.
TCU comprova ampliação do atendimento de saúde com o Mais Médicos
Em novembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) enfatizou a eficácia do programa Mais Médicos. O órgão de fiscalização dos gastos públicos apurou que houve aumento de 33% na média mensal de consultas com a chegada dos médicos cubanos, e que em contrapartida nos municípios que não receberam esses médicos, o incremento nas consultas mensais foi de apenas 14%.
Outro ponto positivo mencionado no estudo do TCU atesta que há um incremento no número de consultas médicas realizadas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) visitadas pela fiscalização do tribunal. “A quantidade saltou de 79 mil consultas, antes do Mais Médicos, para mais de 100 mil atendimentos após o início do programa” e as visitas domiciliares também aumentaram, de 1,4 mil para mais de 1,8 mil.
Como fica o programa com a saída dos cubanos
A mediação entre os países que enviaram médicos para trabalhar no território brasileiro é da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). A estimativa da organização é que o processo de saída dos 8.300 mil médicos contratados no âmbito do convênio dure até o dia 12 de dezembro.
Um edital para substituir os médicos cubanos foi publicado pelo governo na terça, com inscrições abertas até o dia 25 de novembro. As vagas devem ser preenchidas por profissionais de saúde brasileiros ou com diploma validado no Brasil, que atenderão quase 3 mil municípios, além de 34 distritos indígenas. Os médicos interessados têm até dia 7 de dezembro para comparecer ao município escolhido.