Por Alexandre Jerônimo de Freitas, Antônio José Alves Júnior, Lamounier Erthal Villela, Marcelo Pereira Fernandes, Rubia Cristina Wegner.
Até o dia 14 de abril, Cuba registrou 21 mortes e 726 casos confirmados de Covid-19 e com 2,7 mil pessoas internadas em unidades de saúde. Todas suas fronteiras foram fechadas e grandes eventos, como o desfile do 1º de Maio foram suspensos. O governo anunciou medidas para conter a contaminação e os casos mais graves da doença. Em 1º de abril, 28 mil estudantes cubanos de Medicina passaram a percorrer as casas da população para explicar medidas preventivas e acompanhar possíveis adoentados. No dia 7 de abril, o governo anunciou que o país entrou na etapa de transmissão autóctone limitada. Segundo o ministro da Saúde Pública, José Ángel Portal Miranda, esta etapa é declarada “ao confirmar casos em que não foi possível estabelecer um vínculo com viajantes vindos das áreas afetadas, e estão limitados a pequenos conglomerados em localidades ou instituições no país.”
O Observatório Covid-19 en América Latina y el Caribe (Cepal) destaca em seu material sobre os efeitos econômicos e sociais que Cuba está entre os países com maior proporção de população idosa, o que pressionaria ainda mais o sistema de saúde, quanto à internação. O governo tem apelado à população que mantenha disciplina para evitar a expansão da curva de contaminação. A capilaridade da rede médica é mais um elemento sobre o qual o governo deposita confiança para o enfrentamento da pandemia. De acordo com dados da OMS, em Cuba existem 82 médicos para cada 10 mil habitantes, nos Estados Unidos, por exemplo, são 26.
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Também no dia 7 de abril, um novo conjunto de medidas foi colocada em prática para facilitar o isolamento social. Entre elas está a suspensão da venda de bebidas alcoólicas para consumo em centros gastronômicos. Como a venda para consumo na residência se manteve, esses centros passaram a preparar alimentos para consumir fora das suas instalações. O transporte urbano de passageiros foi reordenado, a fim de reduzir o número de pessoas por ônibus. O número de usuários dentro das agências bancárias foi limitado. Prognósticos do governo apontam que o pico da pandemia em Cuba será registrado em meados de maio. Para esse prognóstico, a resposta do governo foi rápida: as maiores atividades comerciais foram fechadas e as medidas de isolamento, endurecidas, embora a quarentena não tenha sido decretada. Por outro lado, analisando as atividades de trabalho do país, que não seriam indispensáveis para determinar sua interrupção, o governo busca manter apenas aquelas cuja interrupção representaria um impacto mais negativo na economia de Cuba. A produção de alimentos, por exemplo, é considerada fundamental e deverão ser feitos esforços para que este setor siga em operando.
O planejamento central da economia permite que o governo tenha margem para mobilizar esforços mais prontamente para lidar a covid-19, ainda que a disponibilidade de recursos seja pequena e a persistência do bloqueio econômico pelos Estados Unidos – que foi intensificado por Trump – representem obstáculos severos para o país.
Uma forma de o governo aproveitar suas vantagens tem sido o seu tradicional serviço de saúde. Missões de médicos cubanos têm sido realizadas na França, Itália e Brasil. Em abril de 2020, contabilizavam-se 1,2 mil profissionais cubanos de saúde em missões para enfrentamento da pandemia em dezenove países, a maioria na América Latina e Caribe, além de Angola, Togo, Itália e Andorra. Enquanto 30 mil médicos atuam em mais de sessenta países, a maior parte na Venezuela. Essas missões de médicos cubanos são condenadas pelo governo norte-americano, que as interpretam como uma arma de propaganda, bem como de exploração dos médicos. Essas missões também são uma fonte de divisas para o governo cubano, o que neste momento de interrupção do turismo é especialmente importante. Tomando-se por exemplo o programa brasileiro Mais Médicos 1, o acordo de cooperação assinado entre o governo cubano e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) consistia, conforme a renovação realizada em 2016, para cada um dos mais de 11 mil médicos cubanos, numa bolsa de R$11.520, além do auxílio moradia e alimentação – que passaram a pouco mais de R$2.750 – pagos àqueles alocados em Distritos Sanitários Especiais Indígenas. Esse valor não era integralmente repassado aos médicos cubanos, o que era parte do acordo desde o início de sua assinatura.
De acordo com pesquisa realizada por Maurício de Miranda Parrondo, professor titular da Pontificia Universidad Javeriana em Cali, na Colômbia, com o fim do programa, o governo cubano perdeu US$ 332 milhões anuais. Considerando que, segundo dados da Unctad, o valor total das exportações de serviços em 2018 foi US$ 10,7 bilhões, a perda da exportação de um único serviço é de fato considerável. De acordo com a publicação Estudios Economicos, da Cepal 2019, o fim do programa, bem como a situação econômica da Venezuela representou, em 2018, uma retração considerável da exportação de serviços cubanos ao exterior, como as missões médicas. As missões que estão sendo realizadas pelos médicos cubanos em vários países por conta da pandemia deverão aliviar essa perda, mas ainda não temos condições de avaliar em que proporção.
O grupo empresarial BioCubaFarma tem conduzido pesquisas sobre medicamentos para tratamento da covid-19. De acordo com o presidente do grupo, as pesquisas têm sido conduzidas com base em quatro componentes fundamentais: (i) fornecimento dos medicamentos que fazem parte do protocolo do ministério da Saúde Pública (Minsap), para a Covid-19; (ii) atividade de Pesquisa-Desenvolvimento para contribuir com novos produtos e conhecimentos para o combate a esse vírus; (iii) cooperação com outros países no fornecimento de medicamentos para lutar contra a pandemia e (iv) plano de medidas internas nas suas empresas para proteger os trabalhadores e garantir as operações nas circunstâncias atuais. O setor de biotecnologia cubano está todo voltado para buscar medicamentos que possam ser usados no combate à doença. Recentemente, foram incorporados o protocolo de combate à Covid-19 dois medicamentos para fortalecer o sistema imunológico e duas vacinas de amplo espectro foram reavaliadas.
Bloqueio econômico acirra as dificuldades
O bloqueio econômico tem contribuído para aumentar as dificuldades em Cuba. Recentemente os Estados Unidos impediram que uma doação de máscaras de proteção, respiradores e kit de testes chegassem até Cuba. A doação vinha da empresa chinesa Alibaba. No dia 3 de abril, a Cepal pediu o fim do bloqueio à Cuba em um relatório sobre a covid-19. Outros elementos ressaltados nesse relatório e que contemplam boa parte das discussões em andamento são a chamada para opção de se avançar no modelo de desenvolvimento mais sustentável com integração entre os países da região.
Na primeira quinzena de abril de 2020, Cuba voltou a denunciar a política de embargo como instrumento para impedir a compra de medicamentos e respiradores necessários para o enfrentamento da pandemia. Duas empresas que vinham fornecendo respiradores à ilha, de acordo com a chancelaria cubana, suspenderam suas relações comerciais com o país. Essas empresas são a suíça IMT Medical e a Acutronic. Em 2018, ambas foram incorporadas à empresa norte-americana Vyaire Medical. Representantes da empresa declararam que a única forma de retomarem suas relações comerciais com Cuba é por meio de licença concedida pela Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros, que seria expedida pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.
Desde o começo do seu governo, Trump vem intensificando o bloqueio econômico à ilha. Vale lembrar que em dezembro de 2014, o ex-presidente Barack Obama retomou relações diplomáticas com Cuba. Isso representou facilitações nas viagens, embaixadas foram reabertas e se retomou uma discussão sobre interesses comuns, e até mesmo um acordo sobre o comércio por vias aéreas foi firmado. Chegou-se a conjecturar que Cuba pudesse voltar ao FMI. Em 2018, esse afrouxamento promovido por Obama representou uma entrada maior de turistas cubanos residentes nos Estados Unidos, compensando a retração do turismo canadense então observada.
Em 2017, o governo Trump proibiu cidadãos norte-americanos de se hospedar em hotéis ou frequentar restaurantes administrados pelo Estado, principalmente aqueles sob controle das Forças Armadas e que possuem um peso considerável no setor de turismo. Essa medida visou reduzir o turismo de norte-americanos em Cuba que se ampliava desde o processo de normalização das relações2. As punições a bancos estrangeiros que realizassem operações com Cuba foram expandidas. Desde então, vários bancos fecharam ou reduziram seus vínculos com Cuba, impactando a entrada de investimentos estrangeiros na ilha.
Em março de 2019, o governo Trump anunciou a autorização que exilados vivendo nos Estados Unidos entrassem com processos na Justiça Federal dos Estados Unidos para retomar as propriedades que haviam sido expropriadas depois da vitória da Revolução em 1959. Na realidade a medida faz parte do capítulo 3 da Lei Helms-Burton 3, aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos em 1996 e que nunca foi ativada. O capítulo 4 que impede a entrada em Cuba de diretores e familiares das empresas que investem em propriedades expropriadas também foi ativada. A lei permite processos contra empresas estrangeiras sediadas em Cuba, o que trouxe desaprovação da União Europeia. Por exemplo, o conglomerado britânico de tabaco Imperial Brands que opera em joint venture com Havana, as cadeias de hotéis espanholas Iberostar e Meliá e a fabricante de bebidas Pernod-Ricard poderia ser afetado.
Em outubro de 2019 o Bureau of Industry and Security (BIS) do Departamento do Tesouro norte-americano anunciou novas medidas restritivas relacionadas à compra de mercadorias que tenham mais de 10% de componentes norte-americanos – antes a porcentagem era de 25%. Com isso, Trump procurou dificultar exportações ou reexportações de diferentes itens para a Cuba. Há uma lista de exceções como medicamentos e dispositivos médicos, vendidos ou doados. O BIS também estabeleceu uma política geral de proibir o aluguel de aeronaves e barcos para companhias aéreas estatais cubanas.
Outras medidas econômicas e sociais de Cuba
Desde meados dos anos 1990 a economia cubana conta com o turismo como principal atividade. Esta foi a maneira principal como o país conseguiu resistir ao chamado Periodo Especial en Tiempos de Paz. Assim, fechar as fronteiras – o que ocorreu em 24 de março – representou um momento difícil, mas também um grande passo no combate a Covid-19.
Medidas têm sido tomadas, baseadas no espírito solidário construído no socialismo cubano. Setores privado e público têm lançado medidas comuns para enfrentamento não somente pensando na recuperação econômica, mas nas condições de vida da população durante a pandemia. Há uma comunicação entre o setor privado e os Comitês Locais de Defesa da Revolução (CDR). As principais medidas são:
– Restaurantes de luxo oferecem refeições gratuitas para idosos;
– Empresa de moda está doando máscaras de proteção;
– Consultoria de negócios faz campanha entre seus clientes para doar produtos de higiene;
– Lojas de sabão artesanal doam seus produtos a famílias de baixa renda;
– Máquinas de costura de lojas de grife têm contribuído na costura de máscaras;
– Produção de alimentos priorizada pelo governo.
O Banco Central de Cuba também anunciou algumas ações. A resolução n. 55/2020 estabelece a suspensão do pagamento de dívidas e amortização das taxas de juros até 30 de junho para aqueles que tiveram interrupções salariais. Alguns bancos comerciais – como Bandec e BPA – têm anunciado um desconto de 10% em compras com cartão. Em 2019, um plano econômico de reestruturação foi lançado pelo governo de Miguel Mario Díaz-Canel Bermúdez com medidas para o trabalho autônomo com a permissão de contratação de trabalho e serviços de outras fontes não somente a estatal, aumento do salário e aposentadorias, aumentar o nível de informatização da população e telefonia residencial, dentre outras. Com a pandemia esse plano econômico pode ficar em suspenso e considerando a base econômica e o bloqueio imposto pelos Estados Unidos, a situação do país pode se tornar especialmente grave.
Segundo alguns estudiosos, a pandemia poderá acirrar os ânimos – ou protecionismos, polarização e desigualdade – entre os países. José Luis Fiori, por exemplo, percebe que esta crise por sua natureza sanitária – e a exemplo da “gripe espanhola” – não engendrará rupturas históricas tais como as crises de 2008 e 1929. Não haveria forças materiais suficientes que imponham aos países a necessidade de um acordo coletivo de reconstrução. Ao mesmo tempo, organizações intergovernamentais como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Cepal têm destacado o papel da cooperação e da integração econômica para o combate da pandemia, até mesmo o Mercosul, via Focem, anunciou financiamento de pesquisas biotecnológicas para combate da covid-19.
Por fim, podemos afirmar que o sistema socialista tem feito a diferença em Cuba. Apesar de contar com uma restrição grave de balanço de pagamentos, o país tem tomado medidas concretas em várias frentes (medicina preventiva, pesquisas em biotecnologia, incremento/facilitação de poder de compra da população, missões de médicos cubanos etc) a fim de amenizar os efeitos do coronavírus de forma a colocar a vida da população em primeiro lugar. Esta é uma situação que contrasta diretamente com o Brasil que está com suas contas externas em situação relativamente confortável, mas falta vontade política do governo federal para enfrentar a pandemia.
1 De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS): “[…] uma iniciativa que tem levado assistência a milhões de brasileiros. O Mais Médicos foi apontado pelo Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul como uma experiência bem-sucedida que seria potencialmente benéfica em qualquer país que decidisse adotá-la.” (OPAS, 2020).
2 Na realidade, o turismo é proibido desde 1962. Porém, motivos como educação, pesquisa e apoio ao povo cubano foram relaxadas durante o segundo governo Obama (Faus, 2017).
3 A lei vai de encontro ao direito internacional, por isso a cautela do governo dos Estados Unidos em colocar em prática desde que foi aprovada em 1996.
Os autores são professores do Departamento de Economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (DeCE/UFRRJ).