O governo de Cuba comunicou nesta quarta-feira (14/11) que vai se retirar do programa Mais Médicos devido a declarações “ameaçadoras e depreciativas” do presidente eleito Jair Bolsonaro. Para Havana, as modificações sinalizadas pelo futuro governo no projeto são “inaceitáveis”.
“Diante dessa realidade lamentável, o Ministério da Saúde Pública de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do programa Mais Médicos”, anunciou o governo cubano, em nota publicada na imprensa estatal.
Havana disse já ter informado o governo brasileiro. A decisão significa que os milhares de médicos cubanos que trabalham no Brasil dentro do programa deverão retornar à ilha.
Ao justificar sua saída do Mais Médicos, Cuba disse que a equipe de Bolsonaro pôs em questão a preparação dos médicos cubanos, condicionou a permanência deles à validação do diploma e colocou como única via a contratação individual.
“Não é aceitável que se questione a dignidade, profissionalismo e altruísmo dos colaboradores cubanos”, diz a nota. “Os povos da Nossa América e do resto do mundo sabem que sempre poderão contar com a vocação humanista e solidária dos nossos profissionais.”
“O povo brasileiro, que fez do Programa Mais Médicos uma conquista social, que confiou desde o primeiro momento nos médicos cubanos, aprecia suas virtudes e agradece o respeito, sensibilidade e profissionalismo com que foi atendido, vai compreender sobre quem cai a responsabilidade de que nossos médicos não podem continuar prestando seu apoio solidário no país”, afirmou o Ministério da Saúde Pública de Cuba.
O Mais Médicos foi lançado em 2013, no governo Dilma Rousseff, para sanar o déficit de médicos no país, estimado pelo Ministério da Saúde em 54 mil profissionais. Além de estimular a ida de médicos brasileiros para cidades do interior, o programa pretendia importar profissionais para atenderem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em regiões onde havia carência.
O projeto estabeleceu a criação de mais de 11 mil vagas em faculdades de medicina e alterações curriculares, além da abertura de 10 mil postos para médicos nas periferias de grandes cidades e no interior.
Após as primeiras notícias de que o governo pretendia trazer médicos estrangeiros para atuar no país, protestos foram organizados pela categoria. A dispensa da revalidação do diploma era uma das principais críticas. Os médicos alegavam ainda que não havia carência de profissionais, porém, faltava infraestrutura, condições de trabalho e plano de carreira para estimular a atuação no interior. Os primeiros cubanos desembarcaram no país em agosto de 2013.
Inicialmente, era permitida a permanência máxima de três anos no programa dos profissionais inscritos. Em abril de 2016, Dilma anunciou uma nova etapa do Mais Médicos, que possibilitou aos médicos a prorrogação de seus contratos por mais três anos. A mudança beneficiaria 71% dos profissionais do programa que precisariam ser substituídos até o final daquele ano.
O projeto se baseava num modelo de cooperação assinado entre Brasil, Cuba e Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Pela parceria, o pagamento dos profissionais é realizado ao governo cubano, que transfere parte do valor aos médicos. Atualmente, eles recebem quase 3 mil reais. A bolsa paga por Brasília aos outros profissionais do programa é de cerca de 11,8 mil reais.
Os médicos do programa recebem ainda uma ajuda de custo para moradia e despesas básicas, pagas pela prefeitura, e os cubanos, uma passagem anual de ida e volta para Cuba, prevista no contrato assinado com Havana.
Quando foi lançado, em 2013, o programa foi alvo de duras críticas da associações da categoria, que refutavam o argumento do governo sobre a falta de médicos no país. Para eles, a carência de mínimas condições de trabalho era o que evitava a ida de profissionais para o interior.
Além das críticas em relação à cooperação assinada com Cuba, a atuação de médicos estrangeiros sem a revalidação do diploma, como estabeleceu o decreto do programa, e a não exigência de conhecimentos elevados do idioma eram vistos como um problema.
AS/efe/ots