Cruzando uma cerca

Por Lucas Ferreira.

Há várias formas de se encarar a violência e de lidar com seus efeitos. Há uma parcela da sociedade brasileira que acredita na educação como um antídoto para a barbárie; no entanto, o apoio à redução da maioridade penal também encontra eco numa sociedade que demanda instituições cercadas.

Lugar comum no pensamento midiático ao tratar de qualquer tema, o sistema penal não se torna diferente “do que é” aos olhos desses profissionais. Uma vez que as noções de crime para o Direito e para a imparcial pena paga nem sempre são confluentes, sabe-se que a construção do criminoso pelos meios de comunicação reforçam o estereótipo para legitimar a pena. Nessa esteira, o que vem são ações que visam lidar de forma alternativa com o nefasto ciclo de crime-encarceiramento.

No caso de jovens em desacordo com a lei, o Estado se regeria em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Na vida real, ele já foi esfregado na cara de um  adolescente antes de ser executado pela polícia [link para o relato: http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=5&id=70].

Assim, a violência social fica contida à questões individuais – de moral, de caráter, de “famílias desestruturadas” e não da falta de infraestrutura básica que o Estado deveria oferecer aos seus cidadãos; das condições de solidariedade e de sociabilidade que as instituições sociais deveriam gerar. No caso, faz-se com que principalmente os jovens  pobres e não-brancos pagem por um descaso que não é deles.

No entanto, ao passarem pelo kafkaniano processo jurídico, alguns conseguem um enquadramento diferente nas chamadas medidas socioeducativas (que para outros juristas não apresenta diferença em falar de “contenção provisória”) e assim são inseridos em contextos menos desarmônicos do que os anteriores.

Novas árvores, outros frutos

Em meados dos anos 1990, um grupo de mães da comunidade do Monte Serrat em Florianópolis funda o Centro Cultural Escrava Anastácia (CCEA). A intenção dessas mulheres é proteger seus filhos do desamparo, da violência e da falta de perspectivas sociais. Em outras palavras, possibilitar condições para que a criminalidade não seja a única “saída” desses jovens.

O Departamento de Administração Socioeducativa, ligado à Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (SJC/DEASE) estabeleceu uma parceria técnico-financeira com o CCEA no intuito de empoderar jovens e adolescentes através do aumento da autoestima, da capacidade de leitura e de ação no mundo – visando fins coletivos e comunitários; ensejando o desenvolvimento do projeto Frutos do Aroeira.

A convite do Serviço de Assessoria Jurídica Popular Universitária (SAJU/UFSC), Desacato visitou no sábado último (08/12) o projeto no bairro Rio Tavares, em Florianópolis. A intensão do encontro era falar a esses jovens sobre a relação entre Mídia e Estado Penal. Ao chegarmos, três jovens empinavam pipa na parte de fora da casa, as socioeducadoras fizeram as apresentações e fomos para dentro conversar com todos.

A rotatividade dos integrantes caracteriza a casa, apesar de que alguns vivem lá há anos. Uma medida socioeducativa não possui um período fixo, assim o que há são reavaliações semestral feitas pela Vara da Infância e da Juventude. A tentativa é de não transformar o projeto em uma pena: os jovens podem optar por participarem ou não dos eventos. A liberdade de escolha aparece como primeiro caminho para reestabelecer sua autonomia.

No início da conversa, perguntamos qual a opinião deles sobre algumas personalidades do jornalismo policial – “querem crescer em cima da gente”, respondeu um dos adolescentes. Claro, o discurso sempre se atém ao “fato” e não à história do autor (exceção honrosa feita por José Padilha no documentário “Ônibus 174”). No sistema penal, a insistência sobre “o que aconteceu” prevalece sobre “quem é você”.

Logo depois, foi mostrado a eles o coletivo Boca de Rua – um informativo feito por moradores de rua de Porto Alegre e com 11 anos de publicação ininterrupta (o blog do coletivo  está em: http://bocaderuanainternet.blogspot.com.br/). Terminamos o papo e fomos jogar basquete, como todo mundo.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.