Cerca de dois mil indígenas de todo o Brasil participaram da abertura do evento em Brasília, ontem. Ministro da Justiça sinaliza que deve acatar Medida Provisória que pretende autorizar hidrelétricas em Terras Indígenas, mas ressalva que discussão sobre o assunto não estaria fechada no governo
Por Victor Pires.
A etapa nacional da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista começou ontem (14/12), em Brasília, com a participação de cerca de dois mil indígenas de todo o país, além de representantes do governo, movimentos sociais e embaixadores.
O evento vai até quinta-feira (17/12) e pretende propor diretrizes para a política nacional indigenista e ampliar o diálogo entre governo e povos indígenas, mas acontece num momento de retrocessos para os direitos indígenas, com a paralisação das demarcações de Terras Indígenas e o avanço de projetos e ações contra esses direitos no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF). Antes da etapa nacional, foram realizadas 26 etapas regionais e 142 locais.
A previsão é de que a presidente Dilma Rousseff deverá ir à conferência no final do dia. É possível que ela anuncie a homologação de algumas Terras Indígenas. Seu governo tem o pior desempenho no setor desde a redemocratização do país (saiba mais).
Na abertura da conferência, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, repetiu que é contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215. Instrumento de pressão ruralista contra o governo, o projeto pode ser analisado pelo plenário da Câmara em breve e pretende transferir a última palavra sobre a demarcação de Terras Indígenas do poder executivo para o Congresso Nacional. Se aprovada, deverá paralisar de vez as demarcações.
“Nós vamos estar juntos, nesta Conferência, na rua, na luta lá no Congresso contra a PEC ou contra qualquer passo atrás nos direitos dos povos indígenas”, reforçou o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), João Pedro Gonçalves da Costa.
“Nós não sentimos na prática a efetividade dessa fala [do ministro]”, criticou Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). “Nós não sabemos como acreditar num governo que se articula contra a PEC 215 e, ao mesmo tempo, adota Medida Provisória articulada com o Senado, que flexibiliza o licenciamento ambiental para instalação de hidrelétricas, de empreendimentos nas nossas terras”, argumentou Sônia.
A Medida Provisória (MP) à qual Sônia fez referência, ainda não publicada, busca permitir obras de infraestrutura em Terras Indígenas. Na semana passada, o esboço da MP veio a público e causou reação negativa do movimento indígena e do próprio presidente da Funai.
Questionado sobre a MP, em entrevista ao ISA Cardozo disse que o Ministério da Justiça tende seguir a posição do governo, sugerindo que deverá acatar a proposta – posição contrária à manifestada na semana passada por João Pedro Costa, seu subordinado. “A posição do governo é una. Não há posição do Ministério da Justiça contrária à posição do governo. Por isso estamos fazendo esta conferência para tratar desta questão”, informou. Ele ressalvou, porém, que a discussão do assunto ainda não teria sida fechada. “Essa Medida Provisória está sendo discutida internamente. Ou seja, se está especulando muito uma situação que não representa o resultado final”, afirmou. “É legítimo que os movimentos e lideranças indígenas se manifestem. Nós temos que ouvi-los e verificar o que efetivamente é melhor para o país. Ouvir é a razão de ser dessa Conferência”, disse Cardozo, em entrevista.
Mesas
No período da tarde, a primeira mesa da Conferência teve foco na questão dos direitos indígenas. “A CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] da Funai e do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] quer intimidar todos os aliados dos povos indígenas”, disse Luís Eloy Terena, advogado indígena. Instalada à algumas semanas, a comissão é outra frente de luta ruralista que tem o objetivo pressionar o governo a alterar os procedimentos de regularização de Terras Indígenas e quilombols.
“Diante do cenário pesado que a gente está vendo este ano, com a PEC 215, com a CPI da Funai e do Incra, com a Medida Provisória que permite o aligeiramento do licenciamento ambiental, […] se com tudo isso a gente tem um espaço como este [a Conferência], é fundamental que esse espaço reaja a todos esses desafios”, ressaltou o presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Antônio Carlos de Sousa Lima.
A conferência é organizada pela Funai e o Ministério da Justiça, numa realização da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e do governo federal.
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Fonte: Socioambiental.