Rio de Janeiro – Documento de consenso elaborado a partir de um sistema de trabalho que envolveu centenas de atividades, cinco plenárias temáticas e uma grande assembleia de encerramento, a Declaração Final da Cúpula dos Povos foi apresentada ontem (22) ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon. Cheio de críticas contundentes à economia verde e à cooptação da ONU pelas grandes corporações, o documento foi discutido em uma reunião de cerca de uma hora entre o secretário-geral e 38 representantes das organizações, redes e movimentos sociais que realizaram o evento que, durante seus oito dias, foi visitado por 350 mil pessoas no Aterro do Flamengo.
Integrante do Grupo de Articulação da Cúpula dos Povos presente à reunião com Ban Ki-Moon, o advogado e ambientalista brasileiro Darci Frigo resumiu o encontro: “Apresentamos ao secretário-geral da ONU as questões que precisam ser encaradas e para as quais o sistema oficial tem de dar respostas. Falamos da captura corporativa do sistema ONU e do rebaixamento dos direitos humanos, especialmente do direito das mulheres. Fizemos a crítica à economia verde como uma falsa solução e à pouca participação da sociedade civil no sistema ONU em geral e, em particular, na Rio+20”.
Segundo Frigo, Ban Ki-Moon respondeu de forma genérica e pouco contundente: “As palavras que ouvimos do secretário-geral da ONU representam efetivamente que o processo oficial da Rio+20 foi um fracasso. Ele nos disse que o documento final da Rio+20 deveria ser considerado um primeiro passo. Isso significa que 20 anos se perderam, significa que o medo que sentíamos em 1992 de que não haveria uma real disposição da parte dos governos e das corporações para enfrentar as causas da crise ambiental se confirmou”.
Na avaliação do ambientalista, o ponto mais controverso do diálogo com Ban Ki-Moon ocorreu em torno do tema da economia verde: “Ele nos indagou como, já que rejeitamos a economia verde, pretendemos resolver o problema da sustentabilidade. Essa interrogação que ele nos fez revela que os governantes das maiores potências econômicas estão apostando que a economia verde é a única solução salvadora. Mas é salvadora apenas para o sistema financeiro, não para os reais problemas da crise da humanidade”, afirmou Frigo.
Descompromisso
A Cúpula dos Povos denuncia que a imposição da agenda internacional pela força ainda é realidade na ONU: “A conversa com Ban Ki-Moon confirma que os países ricos, os países centrais e industrializados do Norte, os mesmos que engendraram as crises do mundo até hoje, agora apenas estão preocupados em resolver os problemas dos seus sistemas financeiros. Com isso, justificam seu descompromisso com os temas que nós realmente deveríamos ter no documento final da Rio+20. Esses países têm uma grande responsabilidade na inviabilização das negociações”, disse Frigo.
O fato de o secretário-geral da ONU ter recebido dirigentes da Cúpula dos Povos mesmo depois desta ter rejeitado participar dos Diálogos com a Sociedade Civil propostos no evento oficial da Rio+20, demonstra, segundo o ambientalista, a força do evento realizado no Aterro do Flamengo: “A Cúpula dos Povos cumpriu um papel importante e conseguiu realizar aquilo a que ela se propôs, que era fazer um contraponto ao processo oficial. Nós não nos reconhecemos naquele espaço (Diálogos com a Sociedade Civil) porque os mecanismos criados de participação não são escutas efetivas, são apenas processos legitimadores que não respondem aos anseios dos povos”.