Por. Afonso Machado
Num único cômodo de um bairro operário encontramos dez pessoas dormindo, convivendo juntas. Famílias inteiras de trabalhadores saltam esgotos a céu aberto, passam fome juntos, lutam para que a soma do suor do trabalho converta-se no dinheiro necessário para obter uma única barra de sabão. Estes e outros fatos da vida dos trabalhadores brasileiros, colocam o problema sanitário no plano do combate político , colocam as questões de saúde num âmbito em que a aquisição de cultura torna-se uma arma pela vida.
A crise do sistema capitalista agravou-se mediante o coronavírus. Se a economia no capitalismo é em si a negação da vida, negação expressa na escravidão assalariada, a pandemia surge para agravar a saúde de uma civilização que já que está de cama há muito tempo. Mas enquanto as grandes Companhias e multinacionais se descabelam perante o infeccioso quadro histórico que anuncia uma recessão internacional, a classe trabalhadora que percebe dolorosamente esta crise, se vê obrigada a mudar o seu entendimento da vida, do mundo. Perante o fato dos setores de serviços ser o mais economicamente abalado na crise(e tais setores correspondem atualmente a um papel central na dinâmica do Capital) o novo proletariado sugado neste campo da economia, se vê diante da necessidade de um revolvimento ideológico: a cultura apresenta-se como possível fonte de oposição política.
As necessidades sanitárias, inseparáveis das questões econômicas e sociais, são incompatíveis com as formas de misticismo e ignorância. O atual abalo do capitalismo, a nova pandemia, não podem ser assistidos dentro de uma linguagem forrada pelas imagens do Antigo Testamento.
Compreender nossa existência nas atuais circunstâncias dramáticas, exige um amplo esforço cultural que é compatível com a crítica, com a análise objetiva, com medidas educativas, com imagens que contribuam com o conhecimento revolucionário da história. Em outras palavras, uma parte significativa do proletariado que está apartado dos seus instrumentos clássicos de luta(sindicatos, partidos etc) encontra a prova de fogo da sua consciência política/de classe na elevação cultural no seu dia a dia. A tomada de consciência para evitarmos o contágio do coronavírus é a mesma que leva á conclusão que o capitalismo já deu o que tinha que dar: é um sistema que leva boa parte da população mundial a ser sacrificada por doenças, pela fome.
Naturalmente que fica difícil aprofundar esse combate político na atual conjuntura. Mas já que precisamos ficar em casa para evitar o contágio da doença, a responsabilidade da militância cultural adquire um vulto ainda maior: é nestas circunstâncias que devemos estimular através de recursos digitais a leitura, o estudo, o debate nas redes sociais. Ou seja, tendo em conta o contexto online, precisamos compreender que este é um momento em que a classe trabalhadora só irá desacreditar das palhaçadas bonapartistas, só irá pegar nojo daqueles que copiam a linguagem do imperialismo norte americano , só irá abandonar as fantasmagorias do conformismo religioso, se aprofundar suas experiências culturais: é hora de difundir romances, poemas, obras históricas/ filosóficas, o conhecimento científico em torno da Biologia, da Medicina, da Psicologia etc.
É toda a cultura que deve ser apropriada pela classe trabalhadora a fim de elevar a sua consciência histórica. Esta necessidade cultural não se restringe obviamente aos trabalhadores do Brasil: ela diz respeito aos trabalhadores de outros países latinos americanos, aos trabalhadores da Europa , dos Estados Unidos, da China, enfim aos mais diversos povos asiáticos, africanos etc. O objetivo histórico deste trabalho cultural é fortalecer os lanços internacionais dos trabalhadores, educar a sensibilidade e engrossar o caldo político de um projeto anticapitalista.