“Crise é grave e exige Constituinte para Reforma Política”

tarsoPor Marco Aurélio Weissheimer.

Porto Alegre – Os últimos dias registraram uma sensível diminuição das manifestações de rua e evidenciaram a crescente resistência, no Congresso Nacional, à proposta de realização de um plebiscito para uma ampla e profunda Reforma Política no país. Sobre a ideia de uma Constituinte exclusiva, então, que chegou a ser defendida pela presidenta Dilma Rousseff, quase nem se fala mais. O governo federal também parece ter recuado nesses temas.

Na terça-feira (2), o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que “o Executivo não trabalhará no Congresso Nacional pela inclusão ou exclusão de temas do plebiscito”. Segundo Cardozo, o Palácio do Planalto também não pretende influenciar a discussão sobre o modelo de consulta popular que será adotado, seja via plebiscito ou referendo. O ministro disse ainda que o governo “apenas apresentou sugestões para a reforma política, mas agora é tarefa do Legislativo escolher o melhor para o futuro do país”.

Neste contexto, representantes dos movimentos que participaram dos protestos de rua, de sindicatos e partidos estão realizando uma série de reuniões por todo o país para discutir o que fazer. A tentativa de uma rápida restauração da “normalidade” por parte dos setores conservadores no Congresso e em diferentes governos é evidente. Parece evidente também que sem alguma forma de organização, articulação em nível nacional e definição de uma estratégia mínima de ação, por parte desses movimentos, as chances da agenda conservadora prevalecer é grande.

Uma das poucas vozes entre as lideranças políticas do país que vem advertindo para o risco dessa tentativa de “restauração” conservadora, após a explosão das ruas, é a do governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT). Nesta quarta-feira, Tarso voltou a defender a necessidade de uma câmara constituinte exclusiva e lançou, por meio do Gabinete Digital do governo gaúcho, uma consulta popular para receber contribuições da população sobre a proposta de Reforma Política. O lançamento da consulta ocorreu em uma cerimônia no Palácio Piratini, com a presença do governador e de convidados presenciais e online. O governo do RS pretende recolher contribuições da população e montar uma lista de prioridades que será encaminhada ao Congresso Nacional. Tarso Genro quer entregar esse documento à bancada federal do Rio Grande do Sul, ainda neste mês de julho.

A consulta estará disponível até 17 de julho, no site do Gabinete Digital, e será constituída de duas perguntas. Na primeira, a escolha é se a reforma política deve ser feita pelo atual Congresso ou através de uma Câmara Constituinte exclusiva. A segunda questão buscará identificar quais as prioridades de mudanças no sistema político brasileiro e permitirá que a população opte por aquelas propostas que considera mais prioritárias.

“É preciso devolver o poder constituinte ao povo”
No ato de lançamento da consulta, Tarso Genro voltou a defender a necessidade de devolver o poder constituinte ao povo e advertiu: o país vive uma crise política grave. “Há um grande conjunto de propostas na rua sem uma unidade mínima entre os manifestantes. Quem é contra tudo, pode ser contra nada também. É preciso devolver a efetividade da política e para isso é preciso devolver a política ao povo, que é a fonte constituinte originária. Há também uma crise de representação que afeta diariamente os representantes políticos. Isso pode levar a uma crise da República”.

Tarso acredita que as mobilizações de rua precisam apontar agora para um movimento de pressão sobre o Congresso Nacional: “O Parlamento que está aí perdeu a confiança da população. Para que não entremos em uma crise ainda mais grave daqui um ou dois anos, temos que devolver o poder constituinte ao povo para que ele reestabeleça a efetividade e a dignidade política. O Congresso precisa ser pressionado, não para fazer uma reforma política fajuta, mas para aprovar uma emenda constitucional que institua uma câmara constituinte”.

Para Tarso, o futuro dos partidos políticos vai depender de seu funcionamento na crise atual e como vão incorporar esse sistema de redes na formação de sua própria opinião política e para ouvir o que elas dizem.

Claudir Nespolo, presidente da CUT-RS, concordou com a avaliação do governador e reconheceu que há um abalo profundo entre o Estado brasileiro e a sociedade. “Quem não conseguir compreender isso, não vai achar os caminhos para superar essa crise. O povo está de saco cheio com os privilégios, o toma-lá-dá-cá nos parlamentos, a formação de maiorias para governar que desconstituem os programas, auxílio-moradia para juízes e desembargadores, 15º salário, férias de 60 dias. O Congresso Nacional está cada vez mais distante do dia-a-dia da população. Um exemplo disso é que ninguém percebeu no Congresso a dimensão do problema do transporte coletivo”.

“Há uma contrarreforma em curso”
Já o cientista político Benedito Tadeu Cesar defendeu a incorporação das novas tecnologias comunicacionais ao debate sobre a Reforma Política, que, para ele, é a mãe de todas as reformas que precisam ser feitas no Brasil. “O Congresso Nacional é muito conservador e tentará impedir mesmo esse plebiscito, que é uma proposta muito tímida”, advertiu. A Islândia fez uma Constituição em 2011, por meio de um fórum eleito por sorteio e que recebeu sugestões da população pela internet, citou como exemplo o professor da UFRGS.

Na mesma direção, a cientista política Vanessa Marx chamou a atenção para o fato que nem todos os movimentos sociais estão defendendo a Reforma Política em sua agenda de lutas. Mas diversas organizações vêm defendendo essa bandeira desde 2004, pelo menos. E a Reforma Política não se limita a uma reforma eleitoral, afirmou, incorporando temas mais amplos como o controle social dos partidos políticos.

Para Marco Aurélio Ruediger, professor de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as autoridades brasileiras, em geral, se espantaram e se omitiram diante das manifestações de rua das últimas semanas. Ruediger citou o governador Tarso Genro, como uma exceção entre os governantes brasileiros por ter tomado iniciativas que tentaram dialogar com quem estava na rua. “O grande tema desse processo é a questão da confiança e da legitimidade. As pessoas não querem cidadania pela metade”.

Ruediger acredita que existe um movimento de contrarreforma que vai contra os interesses expressos nas ruas e isso deve trazer as ruas de volta.

Fotos: Camila Domingues/Palácio Piratini

Fonte: Carta Maior

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