O novo coronavírus (COVID-19) superou os 150 mil infectados em todo o mundo. É uma doença grave, bastante desconhecida, e por enquanto sem vacina ou cura indicada. Além dos países inicialmente mais afetados (China e Itália), Estados Unidos, Reino Unido, Colômbia, Rússia e vários europeus intensificaram as medidas para atenuar o impacto da pandemia. Foram fechadas várias fronteiras levando ao confinamento de milhões de pessoas. A doença já matou mais de 5.700 pessoas em 137 países desde dezembro/19.
Poucos países estão preparados para um problema dessa magnitude, na gravidade que vem apresentando. E os países nem podem alegar que a falta de prevenção se deve à ausência de doenças, na medida em que o mundo teve surtos recentes como o SARS-CoV (2002), gripe aviária, H5N1 (2003), gripe suína, H1N1 (2009), MERS-Co (2012), Ebola (2013), Zyka (2015). Tais surtos estão relacionados não apenas ao desenvolvimento da produção de alimentos agrícolas e animais, baseados em técnicas intensivas, com elevada produtividade. Tais métodos de produção, disseminados rapidamente para garantir a produção e os lucros, muitas vezes sem o rigor e controle sanitário adequados, acabam disseminando as doenças.
Chama a atenção a determinação com que a China está enfrentando o problema. A cidade de Wuhan, principal foco, com 11 milhões de habitantes, está desde o final de janeiro em uma quarentena absoluta, com serviços, comércio e indústria completamente parados. Como era esperado a doença derrubou a produção industrial na China: o valor agregado caiu 13,5% em janeiro e fevereiro, segundo dados anunciados pelo Escritório Nacional de Estatística chinês nesta segunda-feira (16). O grande surto da doença foi em Wuhan, mas a mobilização do governo e da população evitou que a doença se espalhasse maciçamente para outras cidades. Foi em Wuhan que o governo local construiu um novo hospital, com 1.000 leitos, em 10 dias. Pelas estimativas, a partir de 15 de fevereiro o número de casos na China começou a diminuir, em função do trabalho forte, articulado e concentrado do Estado. Temos o exemplo de outros países, como o Japão que fechou escolas por várias semanas, da Itália e Espanha, que gradativamente ampliam a área de contenção da epidemia, o que deve levar à controle da doença no futuro, ainda que não se saiba quando exatamente.
São poucos os países no mundo que se prepararam, como a China, para enfrentar uma doença como essa, apesar dos inúmeros casos de outras epidemias que poderiam se transformar numa pandemia global. O fato da maioria dos países não disporem de preparação para uma pandemia, com planos de emergência e estruturas montadas para rápido acionamento – mesmos os países ricos – indica o que pode ocorrer nos países pobres, de economia atrasada, nos quais os sistemas de saúde são extremamente frágeis. Na maioria dos países a população não tem recursos para saúde privada, os sistemas públicos de esgoto e saneamento são insuficientes, uma parte expressiva da população passa fome, inclusive.
O fato de um país desenvolvido como a Itália ser, na Europa, o epicentro da crise do coronavírus, é um aviso expresso para países subdesenvolvidos como o Brasil, do que pode vir a acontecer. A Itália é país desenvolvido, com destaque em muitos segmentos da indústria do conhecimento, da moda, dos serviços. O PIB italiano é próximo ao inglês e ao francês, sendo que o país tem renda per capita próxima à da Alemanha. Se um país desenvolvido como a Itália está passando por tantas dificuldades para controlar a pandemia, pode-se concluir que a situação será muito mais difícil nos países subdesenvolvidos, nos quais parcela da população passa fome, os sistemas de saneamento e higiene são precários, não há recursos para investimento em saúde pública, e as vezes não há nem mesmo o interesse.
É preciso dizer: o problema não é a Itália, e sim a Europa como um todo. A Espanha, o país onde a pandemia mais cresce, juntamente com a Itália, já registrou 1.500 novos contágios (até 14.03), aproximando-se dos 6.000 infectados, e já apresentando 180 mortos. O governo espanhol decretou estado de alerta e abriu um conselho de emergência com ministros. Em Madri, que concentra o maior número de afetados, foram cancelados todos os eventos públicos e o fechamento do comércio, exceto os de bens essenciais (alimentos, remédios, etc.).
Percebe-se que no mundo todo, com algumas exceções, os governos estão aprendendo a lidar com a pandemia ao fazer o seu enfrentamento. Ou seja, em geral não há planos prévios de emergência, e sim uma reação, à medida que os problemas decorrentes da pandemia vão aparecendo. Neste sentido a China serve de referência no combate à doença, para todos os países.
O surto de coronavírus ampliou o risco de uma grave crise na economia global, que já estava no horizonte bem antes da pandemia. A previsão é de que no primeiro trimestre do ano o crescimento será afetado em muitos países do mundo, especialmente na China. Vimos o que ocorreu com o PIB chinês no primeiro bimestre em função das restrições à circulação de produtos industriais e os serviços de uma forma geral. Em boa parte dos aglomerados urbanos as pessoas estão circulando o mínimo possível, o que afeta frontalmente a economia de uma forma geral, como a movimentação em restaurantes, centros de compras, cinemas, teatros, etc.
A taxa de crescimento do PIB chinês prevista anteriormente, de 6% no ano, ficará muito difícil de ser alcançada. Isto deverá afetar o crescimento mundial como um todo. Um crescimento da economia chinesa entre 3% e 4% em 2020, como têm alertado os especialistas em economia global, significaria na prática uma recessão para a China, em face do desempenho do seu PIB nas últimas décadas.
Numa hora como essa, políticas públicas adequadas, encaminhadas rapidamente, especialmente nos campos fiscal e monetário, seriam fundamentais. Porém a margem de manobra para tais políticas, na maioria dos países, é pequena. Além do mais o tempo de tomadas das decisões políticas em cada país, é muito mais lento que o tempo de disseminação do vírus. Como alerta o economista Nouriel Roubini, boa parte das economias europeias já precisavam de políticas fiscais vigorosas, antes mesmo da crise da coronavírus. A Itália, por exemplo, o país mais atingido pelo surto na Europa, já estava quase em recessão antes do coronavírus. É o caso também da Alemanha, considerado o motor da economia europeia, que cresceu meros 0,6% em 2019, uma notável desaceleração em relação a 2017 (2,5%) e 2018 (1,5%).
O pior é que a maioria dos países não poderá utilizar os juros para reativar suas economias, já que em boa parte dos países aqueles já são muito baixos, frequentemente negativos. É o caso dos juros europeus e do Japão, que já estão em território negativo. O economista Roubini tem alertado que a crise atual é um choque de oferta que, diferentemente da crise de 2008, não pode ser combatida com políticas monetárias ou fiscais. É como diz o economista: se você não tem alimentos e água garantidos, não tem políticas monetárias e fiscais que resolvam.
Há previsões que os preços das ações de empresas globais tenham perdas entre 30 e 40% neste ano. O mercado acionário brasileiro, que já vinha desde o começo do ano na corda bamba, vem apresentando quedas do preço das ações neste mês de março, que não aconteciam há anos. Também como sintoma da incerteza que predomina nos mercados especulativos o dólar vem batendo sucessos recordes de valorização em relação ao real (está quase batendo nos R$ 5,00). Por outro lado, há um verdadeiro dilúvio de capitais internacionais que escapam do Brasil. A saída líquida de dólares da economia brasileira no ano passado (entradas menos saídas) foi de US$ 44,77 bilhões, maior evasão de divisas do Brasil em toda a série histórica, iniciada em 1982. Mas somente neste ano já fugiram praticamente os valores observados em todo o ano passado. Os grandes “investidores” têm grande sede de lucros e pernas longas. Têm também informações privilegiadas, as quais nós, meros vendedores da força de trabalho, não temos acesso. O recorde anterior de fuga de capitais tinha sido registrado em 1999, quando o saldo cambial (diferença entre as entradas e saídas de dólares) ficou negativo em US$ 16,18 bilhões.
O que acontece na China e na Europa, indica o risco que corremos no Brasil em relação ao problema. Não dá para imaginar que as consequências da doença no Brasil serão menos graves do que na Europa. O ilegítimo e inepto governo brasileiro, que há uma semana dizia que a pandemia era uma invenção da imprensa, está desmontando as estruturas de atendimento nas áreas de saúde, saneamento e reduzindo todo o investimento público ao mínimo.
A crise econômica mundial que se avizinha, agora precipitada pelo coronavírus, como se previa, pegará o Brasil no contrapé. A fragilidade externa do país aumentou muito a partir do golpe de 2016. Por exemplo, o governo Bolsonaro está queimando as reservas internacionais deixada pelo governo Dilma Roussef, na tentativa de deter o aumento do câmbio. Somente em março o Banco Central já injetou US$ 15,245 bilhões em recursos novos no mercado de câmbio, tentando conter a escalada do dólar. Mesmo assim, o real é a moeda que mais se desvalorizou no mundo, neste ano. Um outro risco não desprezível é a possibilidade da elevação da inflação, em função da pressão do câmbio. A desvalorização do real ameaça contaminar os preços internos, via importações de insumos e outros, e haver uma elevação significativa da inflação. Não se sabe exatamente o que poderia acontecer se houvesse um aumento da inflação em meio a uma estagnação econômica monstruosa como a atual.
A grave crise do coronavírus, cujos desdobramentos no Brasil devem ser mais graves que na Europa, tornou evidente a absoluta ausência de estratégia por parte do governo Bolsonaro. Portanto, é bobagem esperar qualquer medida mais importante que venha de um governo que nega o problema da pandemia e prega o aprofundamento das “reformas” neoliberais como solução para os problemas atuais. Sem ilusões e acreditando na sua força, os trabalhadores devem se organizar e lutar por medidas de retomada do crescimento, de proteção à saúde da população, e de proteção ao emprego e à renda.
Imagem tomada em: Dinero.com
José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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