Por Elaine Tavares.
Enquanto chamam o governo da Venezuela de ditadura, vários presidentes de países latino-americanos agem como se numa ditadura estivessem, ainda que façam suas bravatas no que chamam de “governo democrático”. Nesse final de semana foi a vez do jovem presidente de El Salvador, Nayib Bukele, ameaçar a Assembleia Nacional para que aprove um empréstimo de 109 milhões de dólares que ele quer fazer para efetivar um tal Plano de Controle Territorial. Desde a manhã de domingo o prédio foi cercado pelas Forças Armadas, depois que, no sábado, Bukele convocou exército e população para uma insurreição, visando pressionar os deputados.
A proposta do empréstimo foi enviada ao legislativo em novembro do ano passado, mas denúncias de corrupção, envolvendo o Diretor dos Centros de Penas e uma empresa de segurança que é a que deverá fornecer material ao governo, fez com que os deputados ficassem com as barbas de molho, discutindo melhor o tema. O presidente já adiantou que parte do dinheiro será usado para comprar equipamentos para as patrulhas, helicópteros e até um tanque. A outra parte seria para equipamentos de vigilância.
Como a Assembleia não avaliou o empréstimo em ritmo de urgência o Conselho de Ministros de Bukele convocou os deputados para uma plenária extraordinária no domingo, algo absolutamente inédito na história do país desde os Acordos de Paz, e o presidente resolveu ameaçar os legisladores, militarizando a área e suspendendo, sexta à noite, toda a segurança dos deputados. A partir daí ele mesmo começou, nas redes sociais, a chamar a população para um levantamento e montou todo um aparato em frente à Assembleia.
No domingo de manhã soldados foram até a casa dos deputados para “convidá-los” a ir para a Assembleia, alegando terem ordens verbais. Ninguém atendeu. Na Assembleia até mesmos atiradores de elite estavam nos telhados, prontos para atuar contra os deputados. O clima de guerra ficou armado, inclusive com um número bem expressivo de apoiadores que também foram para a frente do prédio atendendo ao pedido do presidente. Eles acreditam piamente que os 109 milhões servirão para estancar a criminalidade que é um dos pontos mais cruciais da vida da população.
Os deputados da FMLN e da ARENA já haviam anunciado que não participariam da sessão e não foram. Apenas os partidos PCN e GANA mandaram seus representantes. Dos 84 deputados da casa, só 24 estavam no plenário. Também de maneira inédita, o presidente Bukele entrou no prédio da Assembleia, rodeado de militares, sentou na cadeira do presidente e declarou aberta a sessão, amparado, segundo ele, por um direito divino. Disse ainda que a Constituição o respaldava, pois há um artigo que permite o Conselho de Ministros chamar uma sessão extraordinária, mas os legisladores insistem de que não há nenhuma emergência, logo, nenhuma necessidade desse jogo de cena do presidente. A sessão não teve quórum e Bukele, sem saída, acabou fazendo uma oração e saindo do prédio, indo juntar-se com seus apoiadores no lado de fora. Lá fora, disse ao povo que se reunia em frente à casa legislativa que havia falado com deus e ele havia respondido que tivesse paciência. A multidão gritou: Nããããoooo! Foi uma atuação digna de Oscar.
Nayib Bukele se elegeu presidente com esse mesmo discurso fundamentalista, prometendo acabar com as “maras” (gangues que controlam a vida da maioria da gentes nas grandes cidades) e foi novamente em nome dessa proposta que realizou toda essa cena no domingo. Ele segue a senda do perfil dos novos mandatários na América Latina e no mundo: jovens, empreendedores, religiosos fundamentalistas e com proposta de mão-dura contra o crime. A segurança é, sem dúvida, a grande reivindicação das populações, que não conseguem ligar a violência com o sistema capitalista. Para os salvadorenhos que atenderam ao chamado do presidente, com o plano traçado por ele, e com a ajuda de deus, vão conseguir acabar com a criminalidade. E tratam as maras como se elas não fossem fruto de todo o processo de violência que o país vive por ser dependente e subdesenvolvido. Bukele se descolou dos partidos tradicionais e fundou um partido novo, o Novas Ideias. Segundo ele, nas próximas eleições, esses deputados todos sairão pela porta dos fundos e seu partido dominará a casa legislativa.
A oposição pediu a interferência da Organização das Nações Unidas, denunciando um espécie de autogolpe, já que o presidente está querendo ele mesmo comandar o legislativo. No final do dia, a presidência lançou uma nota pedindo calma à população e informando que que estava dando mais uma semana para os “sem-vergonhas” dos deputados decidirem sobre o empréstimo..
Nessa segunda-feira acontece a sessão ordinária da Assembleia – que tem o controle da oposição com Arena e FMLN – e é onde os deputados pretendem discutir o empréstimo e também a patriotada protagonizada por Bukele. O presidente pretendeu demonstrar força e intimidar os deputados, mas o chamado “autogolpe” só serviu para mostrar que a democracia é coisa bastante distante no pequeno país da América Central.
Os jornais de El Salvador foram bastante pródigos nas notícias hoje pela manhã e a maioria deles bastante simpática a ação do presidente Bukele.