Crise climática é consequência da ação destrutiva do capitalismo

Urge reconhecer que a crise não é só do clima, mas sim desse modelo capitalista que pede que não se busquem responsáveis enquanto continua aprovando a destruição

Marcha realizada no dia 30 de maio contra o Projeto de Lei (PL) 490. Foto: Maiara Dourado | Cimi

Por Luis Ventura Fernández.

O Brasil acompanha estremecido a tragédia de milhares de pessoas que perderam tudo no Rio Grande do Sul por causa de enchentes nunca vistas que levaram, com a força incontida da Natureza agredida, sonhos, casas, escolas e até bairros e cidades inteiras. Até a última sexta-feira (17), já haviam perdido a vida 169 pessoas e continuavam as buscas por mais outras 44. Sem aparente trégua, o céu parece cair, como diz Davi Kopenawa, e a violência da água desbocada convive ao mesmo tempo com a falta de água para beber e para viver.

As mudanças no clima, apresentadas como inevitáveis e inalcançáveis e diante das quais caberia a nós apenas aguentar suas investidas e adaptar nossos sonhos de vida a um mundo menos habitável, têm causas concretas e responsabilidades que precisam ser identificadas. O que está em crise, estrutural e permanente, não é só o clima, mas o próprio modelo de produção capitalista, que todos os dias agride e violenta as fontes da vida: a terra, a água, a floresta, o ar. E o clima.

O agronegócio, a mineração e o desmatamento são apenas os novos-velhos rostos do mesmo processo colonial de exploração de corpos, saberes, sabores e territórios. O capitalismo é um modelo de acumulação por despejo: só consegue acumular na medida em que esbulha, desapropria e expulsa. E para poder avançar precisa de um Estado omisso e conivente, que libere o capital de qualquer responsabilidade ou limitação ambiental, para que possa correr solto, devastando, exatamente da mesma forma que as águas que hoje correm violentamente no Rio Grande do Sul.

Dizem os responsáveis que não é momento de apontar aos responsáveis; mas é isso justamente o que precisamos fazer. Neste exato momento, enquanto seguimos estremecidos com as imagens no Rio Grande do Sul, circulam no Congresso Nacional mais de 25 iniciativas de lei que pretendem flexibilizar a proteção ambiental, reduzir a área de reserva ambiental na Amazônia, tirar a proteção dos campos nativos, favorecer a grilagem de terras ou inviabilizar a demarcação de territórios indígenas. Não importa o que esteja acontecendo no Rio Grande do Sul; os parlamentares autores dessas iniciativas de lei e seus pares comparsas, alguns deles gaúchos, permanecem na arrogância e insistem na aprovação do desastre e da destruição. É a continuidade do projeto imoral de “passar a boiada” sobre a vida de cada uma e cada um de nós, sobre nossas casas e territórios e sobre nosso direito a sonhar o amanhã com esperança.

O colapso ambiental e climático, causado pela lógica do capital, não poderá nunca ser superado com soluções nascidas do próprio mercado. A mercantilização da natureza, os créditos de carbono ou os projetos REDD são propostas revestidas de verde, mas pensadas para a continuidade do mesmo modelo, e não para a superação deste.

Os povos indígenas, que vêm alertando há muito tempo para os sinais e as evidências das mudanças no comportamento do clima, são, muitas das vezes, os principais atingidos por elas. Os povos se configuram hoje como um dos principais agentes de enfrentamento a esse colapso ambiental e de denúncia de suas causas. Por incrível que pareça, é por isso que enfrentam hoje a maior ofensiva desde 1988 contra seus direitos territoriais, com a promulgação pelo Congresso Nacional da Lei 14.701/2023, que instalou, de forma autoritária e imoral, o marco temporal como parâmetro para a demarcação das terras indígenas.

É fundamental que os poderes do Estado recuperem a missão institucional para a qual foram constituídos: que o Supremo Tribunal Federal declare a inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023 e coloque freio à devassa legislativa contra as fontes da vida; que o Poder Executivo cumpra suas obrigações e deixe de negociar direitos fundamentais com o poder econômico e de apostar em soluções de mercado para resolver problemas que o mercado criou; e que o Congresso Nacional abandone sua ofensiva imoral contra a vida dos povos e comunidades tradicionais, contra o meio ambiente.

Urge no país a retomada de uma perspectiva ética e de diálogo social que nos permita reconstruir o encanto pela política do bem comum e da participação social. Urge unir esforços, todos, organizações sociais, movimentos populares, universidades, entidades científicas, Igrejas, o mundo da cultura e da arte, da saúde e da educação, para dizer basta a um projeto de morte, a um modelo predatório que nem é pop nem é tech, e para tecer novas possibilidades que passem pelo respeito à diversidade cultural e à diversidade da vida em nosso país, pela possibilidade de cidades sustentáveis, da reforma agrária e da garantia da demarcação dos territórios indígenas.

Urge reconhecer que a crise não é só do clima, mas sim desse modelo capitalista que pede que não se busquem responsáveis enquanto continua aprovando a destruição. Urge, enfim, tomar a sério que este Lugar que habitamos, de formas tão diversas, é um Lugar vivo e para a vida que está gritando com dores de parto.

Luis Ventura Fernández é secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

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