Por Juliana Gonçalves.
Semanalmente o Ministério da Saúde atualiza os números do surto da febre amarela. De 1º de julho de 2017 a 6 de fevereiro de 2018, já foram 353 casos confirmados no país com 98 mortes. Crescendo exponencialmente semana a semana, muitas pessoas tentam entender como uma doença erradicada nos grandes centros urbanos desde 1942 segue fazendo novas vítimas nas capitais.
Para Thiago Henrique Silva, médico de família e comunidade e membro da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, um dos principais fatores que pesam nessa matemática triste que vitimiza tantas pessoas e alarma todos os brasileiros, é a tragédia de Mariana, em Minas Gerais, em novembro de 2015, quando 55 milhões de m³ de lama vazaram da barragem de Fundão. O empreendimento pertence à mineradora Samarco e é controlado pelas empresas BHP Billiton e Vale S.A.
Embora não seja o único motivo que possa ter contribuído para os casos que se alastraram para o país, Henrique destaca o fato de que a região já sofria grandes abalos ambientais provocados pela mineração. Vale lembrar que o desastre segue impune até os dias de hoje.
O rompimento da barragem do Fundão, caracterizado por especialistas como o maior desastre ambiental do país, alterou profundamente os ecossistemas ao longo da bacia do Rio Doce, além de matar 19 pessoas e atingir mais de 23 mil famílias.
O médico afirma que a lama da Samarco desequilibrou uma grande área nas margens do que antes era um rio cheio de vida. Os predadores naturais do mosquito transmissor da febre amarela teriam sido extintos, ajudando a aumentar a reprodução desses insetos.
A mortalidade da febre amarela pode chegar a 50%, ou seja, pode matar metade das pessoas que contraem o vírus.
A teoria do médico é também defendida por membros da comunidade científica como o professor da Universidade de São Paulo (USP) Eduardo Massad, que também leciona na London School of Hygiene and Tropical Medicine, no Reino Unido.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, em um ano – de janeiro de 2017 a janeiro de 2018 – houve um volume de casos comparável ao registrado em um período de 30 anos, ou seja, algo muito grave aconteceu. Para o médico Thiago Henrique, o crime de Mariana explica esse surto.
Leia a entrevista na íntegra:
Pode falar um pouco sobre os mosquitos que transmitem a febre amarela nos centros urbanos?
Thiago Henrique: Quando você tem uma doença viral que é transmitida por insetos, é necessário ter alguns cuidados em relação a isso. Por exemplo, quando a gente fala que a febre amarela não tem casos urbanos desde 1942 no Brasil, na prática, significa dizer que 1942 a febre amarela acabou migrando apenas para áreas silvestres e o mosquito que se reproduz em ambientes urbanos não estava mais transmitindo a doença, apenas o haemagogus, que é outro tipo de inseto, estava fazendo essa transmissão. Então quando você destrói o ambiente que controlava a reprodução desses insetos, a quantidade desses haemagogus, os mosquitos que transmitem a febre amarela, começam a se reproduzir muito mais sem os predadores naturais.
Nesse momento, podemos fazer uma conexão ao desastre de Mariana?
O que o crime de Mariana fez com a população de insetos? Ajudou a multiplicar porque matou peixes, sapos, todos os animais que eram predadores. Destruiu aquele ecossistema que estava equilibrando e permitindo que os mosquitos tivessem uma população controlada. A partir do momento que não há mais predadores do mosquito, há uma reprodução acelerada desses insetos.
Há membros da comunidade científica que também defendem essas teoria?
O crime de Mariana tem tudo a ver possivelmente, e uma das teses mais respeitadas é a do infectologista Eduardo Massad da USP. Ele defende que o crime de Mariana catalisou a reprodução em massa desses mosquitos e proporcionou o aumento de casos de febre amarela. Veja bem, esse aumento foi grande o suficiente para a febre amarela ter chegado ao Sudeste. Saiu do estado de Minas Gerais, que a gente já sabia que é um estado de regiões endêmicas, ou seja, anualmente tem casos de febre amarela, mas controlados e poucos dentro do total da população, e se espalhou. Em um ano tivemos praticamente a quantidade de casos que a gente tinha em 30 anos. Então algo aconteceu para se alastrar dessas regiões endêmicas para as não endêmicas, não tinham casos e nem recomendavam para a população fazer vacina porque não tinham casos.
Pode dar um exemplo?
Em São Bernardo do Campo, agora há casos autóctones, ou seja, caso de paciente que não viajou para outros regiões fora da cidade, mas que trabalha em ambiente de mata e foi picado por um inseto e contraiu a febre amarela. O que isso significa? Significa que já há insetos que transmitem febre amarela nas matas de São Bernardo do Campo. O que não acontecia, não se tinha relato de casos assim há décadas. Tivemos uma ampliação da população de mosquito e um espalhamento do vírus por conta do crime de Mariana. Então, tem tudo a ver relacionar esse crime da Samarco, que ainda não indenizou as famílias e está saindo ilesa. Essa epidemia também está na conta da Samarco.