Por Nara Lacerda.
Quase quatro meses após o início da vacinação contra a covid-19, o Brasil chega à segunda semana de maio com menos de 10% da população vacinada com as duas doses do imunizante.
Na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a resposta do governo federal à pandemia, as inconsistências do executivo nos processos de aquisição do insumo foram tema dominante. Os depoimentos concedidos aos senadores trouxeram elementos que confirmam falhas consideráveis na gestão.
Mais de um ano após os primeiros registros de casos e mortes no Brasil, na segunda-feira (10), o governo criou a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19. O órgão vai coordenar as ações a serem executadas no combate ao coronavírus.
O atraso na resposta à crise sanitária não está apenas na construção de um núcleo específico dentro do governo para tratar exclusivamente sobre a pandemia. Ao longo da semana, a CPI da covid reuniu elementos que indicam que a demora na compra das vacinas foi consciente.
“A gente está vendo a confirmação e a documentação de fatos que a gente sabia que aconteceram e que agora estão sendo sistematizados pela CPI”, afirma o médico de família Aristóteles Cardona, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, no podcast A Covid-19 na Semana.
“Dentro das questões que a gente imaginava que a CPI deveria investigar, e que ela está cumprindo, está exatamente a incapacidade de gerir o sistema de saúde. Sempre falamos da preocupação de ver tanta gente incompetente comandando o Ministério da Saúde, no momento de maior crise sanitária da nossa história”, completa Aristóteles.
Também na segunda, governadores do Maranhão, Piauí e Mato Grosso do Sul participaram de audiência pública na Comissão Temporária da Covid do Senado e pediram ajuda na aquisição de vacinas.
Na mesma data, o governo de São Paulo informou que 10 mil litros de insumos da vacina CoronaVac estavam “travados” na China à espera de autorização para envio para o Brasil. O atraso seria consequência das relações diplomáticas estremecidas entre o Brasil e o país asiático.
O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, falou aos senadores na terça-feira (11). Perguntado se o negacionismo de Bolsonaro, pode causar impactos na vacinação, ele respondeu que a postura “vai contra tudo o que nós temos preconizado em todas as manifestações públicas” .
Na quarta-feira (12), o ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência, Fabio Wajngarten admitiu aos Senadores que o governo recebeu uma oferta da farmacêutica Pfizer para aquisição de vacinas em setembro do ano passado e ignorou o documento por pelo menos dois meses.
A falta de interesse do governo federal para compra do imunizante foi reafirmada no dia seguinte pelo ex-diretor da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo. Na quinta-feira (13), ele dise que a primeira reunião com o executivo brasileiro foi realizada em maio de 2020. Três meses depois, em agosto, foram feitas três ofertas, todas negadas por Bolsonaro.
Outras quatro propostas foram feitas entre novembro do ano passado e fevereiro deste ano. Mas foi somente em março que o governo decidiu pela aquisição das doses. Carlos Murilo confirmou a existência da carta mencionada por Wajngarten.
A carta foi enviada a Bolsonaro, ao vice-presidente Hamilton Mourão; a Braga Netto, chefe da Casa Civil; a Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde; a Paulo Guedes, ministro da Economia; e a Nestor Forster, ex-embaixador do Brasil nos EUA.
“Depois de feitas estas ofertas, com data de 12 de setembro, nosso CEO [Albert Bourla] mandou uma comunicação para o governo do Brasil indicando nosso interesse em chegar a um acordo. E que nós tínhamos fornecido para o governo do Brasil as propostas anteriormente mencionadas”, afirmou Murillo.
Aristóteles Cardona alerta, “Há um projeto em torno disso tudo. Há uma justificativa. A gente ainda não tem certeza sobre o que exatamente justificou. Qual é a empresa que não queria pegar a situação do Brasil e mostrar o quanto a vacina funciona? Mas, a despeito disso, o presidente preferiu – no dia da reunião com a Pfizer – fazer outras coisas”.
No dia 23 de janeiro deste ano, o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, afirmou que o Brasil não havia fechado acordo com a Pfizer, pois a empresa teria apresentado condições “leoninas”, o que teria dificultado o acordo e queria fazer publicidade às custas do programa de imunização do Brasil.
Cardona finaliza, “É até triste a gente ver o que se comprova na CPI. Mas é importante a gente seguir acompanhando, porque precisa ficar cada vez mais evidente toda a responsabilidade do governo federal no momento que a gente vive no nosso país.”
Edição: Vinicius Segalla.