CPI do MEC fica para depois da eleição: entenda

Presidente do Senado deu aval para comissão sair do papel. Mas início dos trabalhos depende da indicação de membros por líderes partidários, o que foi acordado para outubro. Oposição deve recorrer ao STF.

Ex-ministro da Educação Milton Ribeiro está no centro da investigação. Foto: Alan Santos/PR

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), leu na noite desta quarta-feira (06/07), em plenário, os requerimentos de quatro comissões parlamentares de inquérito (CPIs), dando aval para que elas saiam do papel. Entre elas, está a que investiga irregularidades no Ministério da Educação (MEC), caso que ficou conhecido como “Farra dos Pastores”.

No entanto, a CPI do MEC – assim como as outras três – só devem iniciar seus trabalhos após as eleições, um alívio para o presidente Jair Bolsonaro, que poderia ver o escândalo crescer e ser explorado politicamente às vésperas do início de sua campanha à reeleição.

A decisão de iniciar os trabalhos da CPI somente depois de outubro foi acordada entre Pacheco e a maioria dos líderes partidários no Senado em uma reunião no início desta semana. O argumento foi não transformar a CPI em um instrumento eleitoreiro.

Embora Pacheco tenha lido o requerimento, isso não significa o início dos trabalhos da CPI, que depende da indicação de ao menos seis dos 11 membros pelas bancadas para que seja instaurada. Não há um prazo específico para que isso ocorra, e ficou acordado na reunião que os partidos indicarão os nomes apenas em outubro.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição e autor do requerimento da CPI do MEC, afirmou que se os líderes dos partidos não indicarem os membros da comissão e atrasarem o início dos trabalhos, ele recorrerá ao Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a instauração imediata da comissão. Em 2021,  o Supremo obrigou Pacheco a instaurar imediatamente a CPI da Covidapós ação apresentado por Randolfe e outros dois senadores.

Nesta semana, Randolfe afirmou que a CPI do MEC poderá indiciar Bolsonaro. “A CPI não pode convocar o presidente da República, mas eu tenho certeza de que no curso da investigação chegaremos até ele”, afirmou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

Equilíbrio de ânimos

A manobra de Pacheco desta quarta-feira, de ler o requerimento, é vista por alguns interlocutores como uma forma de equilibrar os ânimos: sinalizar que o caso será investigado no Senado, mas, ao mesmo tempo, poupar o governo de outro estresse antes das eleições.

Porém, alguns senadores temem, ainda, que as CPIs, abertas todas ao mesmo tempo após as eleições, percam seu impacto e visibilidade. Os trabalhos também poderiam ser prejudicados com tantas CPIs ocorrendo paralelamente.

Dentro do governo, há quem tema a abertura após o pleito, uma vez que, pensando em uma possível reeleição de Bolsonaro, ele já começaria seu segundo mandato sendo bombardeado.

A CPI do MEC vai investigar um suposto esquema de tráfico de influência no Ministério da Educação envolvendo a liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e pastores ligados a Bolsonaro são suspeitos de atuar num esquema ilegal de liberação de verbas da pasta para prefeituras em troca de propina.

As outras CPIs vão apurar o desmatamento ilegal na Amazônia, ações do narcotráfico e obras inacabadas de creches e escolas.

Presidente da República Jair Bolsonaro abraça o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro
Um dos principais objetivos da CPI do MEC é esclarecer se Bolsonaro sabia e tinha dado aval ao suposto esquemaFoto: Clauber Cleber Caetano/PR

Como a “Farra dos Pastores” veio a público

O caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo em 18 de março. Uma reportagem mostrou que os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura conduziam a agenda de Ribeiro e agiam como lobistas, atuando na liberação de recursos federais para municípios. Os pastores franqueavam acesso ao ministro para prefeitos interessados em obter verbas do MEC para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos.

Normalmente, o processo de destinação de verbas do ministério é lento e burocrático. Com o intermédio dos pastores, no entanto, vários pedidos de prefeitos acabaram sendo atendidos em tempo recorde, especialmente em casos que envolvem prefeituras controladas por partidos que compõem a base do governo, como PL e Republicanos.

Em 21 de março, o jornal Folha de S. Paulo divulgou um áudio no qual Ribeiro admite que uma de suas prioridades era “atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”. E tudo isso a pedido do próprio presidente Bolsonaro.

Em seguida, ele também indicou a existência de uma contrapartida que os prefeitos teriam que oferecer em troca das verbas: apoio para a construção de igrejas.

Uma outra reportagem do jornal O Estado de S. Paulo trouxe uma acusação do prefeito Gilberto Braga (PSDB), do município maranhense de Luis Domingues, de que Moura lhe pediu 1 kg de ouro em troca de conseguir a liberação de verbas para o sistema de educação de sua cidade. Segundo o prefeito, o pastor também lhe pediu mais R$ 15 mil antecipados para “protocolar” as demandas junto ao MEC.

Dez dias depois da primeira reportagem, Ribeiro renunciou ao cargo de ministro. O tema ficou dormente nos meses seguintes, mas voltou à tona em 22 de junho, com a deflagração da Operação Acesso Pago, da Polícia Federal (PF).

Ribeiro foi preso preventivamente – e solto no dia seguinte – e interceptações telefônicas levantaram suspeitas de que Bolsonaro sabia com antecedência da operação da PF e teria alertado seu ex-ministro, o que ele nega.

O que se sabe sobre o suposto esquema

O inquérito da PF aponta cinco suspeitos principais: além do ex-ministro Ribeiro, que é pastor presbiteriano, o pastor Gilmar Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, o pastor Arilton Moura, diretor do Conselho Político da mesma convenção, Helder Diego da Silva Bartolomeu, ex-assessor da prefeitura de Goiânia e genro de Moura, e Luciano de Freitas Musse, ex-gerente de Projetos da Secretaria Executiva do MEC.

Os pastores Santos e Moura não exerciam cargos públicos, mas tinham acesso privilegiado ao Palácio do Planalto. Segundo os registros de acesso ao edifício, de janeiro de 2019 a fevereiro de 2022, Moura esteve 35 vezes no Planalto, e Santos, dez vezes.

O inquérito da PF afirma que Santos e Moura usavam sua proximidade de Ribeiro para cooptar prefeitos interessados em obter a liberação de verbas do MEC e do FNDE para seus municípios. A liberação dessas verbas, contudo, dependeria do pagamento de propina, sob a justificativa de apoio à construção de templos religiosos.

A PF afirma que Ribeiro conferia “prestígio” do governo federal à atuação dos dois pastores. Musse é suspeito de ser um infiltrado do esquema na pasta para viabilizar a liberação de recursos, enquanto Bartolomeu teria recebido uma propina de R$ 30 mil do esquema a pedido de Moura.

As perguntas sobre o papel de Bolsonaro

Um dos principais objetivos da CPI do MEC é esclarecer se Bolsonaro sabia e tinha dado aval ao suposto esquema e se ele, em função do cargo que exerce, tinha conhecimento da operação da PF que seria deflagrada contra Ribeiro e avisou seu ex-ministro com antecedência.

A suspeita de que o presidente sabia da operação da PF e alertou seu ex-ministro baseia-se em ao menos três fatos. O mais relevante é um telefonema entre Ribeiro e sua filha, interceptado pela PF e vazado à imprensa. Nessa conversa, ocorrida em 9 de junho, Ribeiro diz que havia recebido uma ligação de Bolsonaro na qual o presidente disse achar que fariam uma busca e apreensão na casa do ex-ministro, o que acabou ocorrendo.

Além disso, no dia da prisão de Ribeiro, sua esposa, Myrian Ribeiro, afirmou a um interlocutor que seu marido “estava sabendo” da operação contra si. “No fundo ele não queria acreditar, mas ele estava sabendo. Para ter rumores do alto, a coisa… é porque o negócio já estava certo”, afirmou ela, segundo telefonema também interceptado pela PF. Para os investigadores, isso reforçaria a suspeita de vazamento da operação.

Por fim, o delegado federal Bruno Calandrini, responsável pelo pedido de prisão preventiva de Ribeiro, disse em mensagem enviada a colegas que houve “interferência na condução da investigação”. Na mensagem, ele menciona que a equipe responsável pela prisão de Ribeiro, em Santos, estava orientada a levá-lo para a sede da PF em Brasília, mas, “por decisão superior”, foi mantido na superintendência da PF em São Paulo. “O principal alvo (…) foi tratado com honrarias não existentes na lei”, afirmou.

O Ministério Público Federal (MPF) afirmou, em um ofício enviado ao juiz Renato Coelho Borelli, da 15ª Vara Federal em Brasília, que autorizou a prisão preventiva de Ribeiro, que havia “indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita por parte do presidente da República Jair Messias Bolsonaro nas investigações”.

Por esse motivo, o MPF solicitou o envio dos autos do processo para análise do STF. Bolsonaro tem foro privilegiado por ser presidente, e investigações que envolvam seu nome devem ser conduzidas no âmbito do Supremo.

Presidente oscila, e citados negam irregularidades

A postura de Bolsonaro a respeito de Ribeiro tem oscilado desde que o escândalo veio à tona. Em março, quando as primeiras reportagens sobre o “gabinete paralelo” no MEC foram publicadas, o presidente defendeu Ribeiro e disse que colocaria sua “cara no fogo” pelo então ministro.

No dia da prisão de Ribeiro, Bolsonaro mudou o tom e disse que o ex-ministro é que deveria responder por eventuais irregularidades. Um dia depois, Bolsonaro afirmou que “exagerou” ao dizer que colocaria “a cara no fogo” pelo ex-ministro, mas disse que continuava a confiar em Ribeiro e colocaria “a mão no fogo por ele”.

O advogado Frederick Wassef, que defende a família Bolsonaro, tentou afastar o presidente do escândalo e disse que Ribeiro havia usado o nome de Bolsonaro “sem consentimento”.

Todos os citados no inquérito da PF negam irregularidades. O advogado de Ribeiro, Daniel Bialski, afirmou ainda que “causa espécie” a menção a autoridade com foro privilegiado na interceptação telefônica. “Se realmente esse fato se comprovar, atos e decisões tomadas são nulos por absoluta incompetência e somente reforça a avaliação de que estamos diante de ativismo judicial e, quiçá, abuso de autoridade”, disse.

le/lf (Agência Brasil, ots)

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