Por Désceo Machado, para Desacato.info.
Johnatan adora colecionar selfies de caras pintadas que haviam sido presos ou processados, explicou a mãe, ao falar sobre a atividade do filho. Autênticos criminosos, réus ou mesmo trambiqueiros de ocasião haviam tirado fotos em manifestações contra a corrupção. Com as bochechas verde e amarelas reivindicaram “fora Dilma”, insultavam “Lula ladrão”, e a seguir eram presos ou processados e condenados com acusações similares às que fizeram. Embaixo do selfie, colado em uma folha A4, o nome do boneco, a acusação que recebera e quando possível, o número do processo.
Cada folha era um animal raro, uma figurinha do Pelé, um motivo de orgulho para Johnatan, fruto de pesquisas e cruzamento de dados de redes sociais com sites de notícias e de tribunais. Um grupo trabalhava em conjunto, todo material era compartilhado. Eram guardadas com carinho, alisava mesmo a folha após ser colocada no bolo maior, com as restantes, até o dia em que, folheando pausadamente a resma, reconheceu o dono da padaria da esquina, S. Antenor da Silva, o seu Tena, que batia panelas, ele sabia, mas que postava ativamente contra o PT e havia sido recentemente condenado pela venda de alimentos estragados.
Excitado, com um sorriso enviesado, Johnatan calçou o tênis e foi comprar pão. Não sabia bem o que faria, mas queria ver de perto, sentir o cheiro daquele animal raro. E lá estava ele, com o sorriso de sempre, atencioso, a padaria engordurada, como há de ser, e uma bandeira do Brasil embaixo das cinquenta e uns da prateleira de cima. Salve seu Tena! Tudo bom meu guri! Tua mãe tá boazinha? Seu Tena, o Sr. tá acompanhando a prisão do Lula? O quadro do São Jorge tinha a seu lado uma caneca do flamengo. Vixe, o hôme tá fechado né? O Sr. acha certo seu Tena, ser condenado e preso sem provas? E precisa de prova meu filho, o homem é o Lula, deixa ele preso, homem de Deus.
No caminho de casa o rapazote, – que antes se perguntava que curto circuito teria ocorrido na cabeça de cada um dos coxinhas corruptos, que grau de sofrimento moral e que consequências experienciavam esses homens, se a vergonha era forte o suficiente para os patos se esconderem, tergiversarem ou se houve algum caso de arrependimento, – Johnatan voltava da padaria com perguntas diferentes, mais próximas da realidade, mais humanas: o que significava a crítica que o seu Tena fazia a Lula? Qual o lugar, que sentido tinha uma transgressão jurídica para o seu Tena? As contradições dos coxinhas eram fáceis de verificar pelo lado de fora, pelo olhar crítico do cidadão politizado. Pelo lado de dentro, as coisas eram mais complicadas.
Pensativo, em seu quarto, o aplicado aluno cotista e bolsista de pesquisas na graduação remoía em busca de uma chave capaz de dar resposta ou mesmo fechar as perguntas que não paravam de surgir. Ruminava aquela conversa toda e não lhe saía da cabeça a imagem do São Jorge submetendo o dragão.
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Désceo Machado é repórter em Florianópolis.
A única saída para esta realidade brasileira, mesmo sendo uma medida em longo prazo, é um alto investimento na Educação. Essa talvez seja a única solução, porque tentar combatê-la sem olhar para suas raízes é como “tentar consertar uma casa pelo teto, quando o problema está no alicerce”. O que acontece na política é apenas o reflexo do que acontece diariamente na sociedade. O primeiro passo é a reconstrução desses valores e princípios.