Por Gabriela Leite
A oferta de medicamentos contra a covid-19 corre o risco de seguir o mesmo mau caminho das vacinas: grande concentração nos países ricos e escassez no Sul global. É o receio da Organização Mundial da Saúde (OMS), que declarou, no último dia 22 de abril, que o remédio produzido pela Pfizer — o Paxlovid –, é fortemente recomendável para pessoas com covid leve e moderada, com risco de internação. A instituição considera a melhor terapia contra a doença já descoberta até agora. Mas pondera: “A falta de transparência por parte da empresa originadora está dificultando que as organizações de saúde pública obtenham uma imagem precisa da disponibilidade do medicamento, quais países estão envolvidos em acordos bilaterais e quanto estão pagando”.
O Paxlovid, segundo estudos atualizados, é capaz de reduzir o risco de internação em 85%. Trata-se de um antiviral composto por dois fármacos , o nirmatrelvir, que consegue impedir a proliferação do Sars-CoV-2, e o ritonavir, usado para potencializar outros antivirais. Indica-se que seja administrado até cinco dias após o desenvolvimento de sintomas. Após uma semana, seu efeito se reduz consideravelmente. Por enquanto só pode ser utilizado em adultos a partir dos 18 anos, mas os Estados Unidos já começaram a estudar seu uso pediátrico. Há, ainda, evidências de que pode ser útil para aliviar os sintomas da covid longa.
Mas, no ritmo atual, é possível que demore muito para chegar em populações mais vulneráveis. Por isso, a OMS pede para que a Pfizer seja mais transparente em relação ao custo real do medicamento. Consta que os Estados Unidos fecharam um contrato para pagar cerca de US$ 350 (R$ 1.729) à empresa para cada tratamento de 5 dias. Mas não está clara a margem de lucro que está sendo praticada. Um estudo produzido pela universidade de Harvard, nos EUA, fez um cálculo baseado em métodos de produção já utilizados nos medicamentos-base do Paxlovid, além de valores de frete e dosagem indicada. Estimou que o custo de produção seja de US$ 64,91 e prevê que o preço do genérico poderia ser de R$ 73,15 – já considerando uma margem de lucro de 10%.
A própria Pfizer anunciou, em março, um acordo com 35 empresas para a produção do genérico, a partir de um programa para países de renda média e baixa que tem o apoio da OMS, por meio do mecanismo Medicine Patent Pool (MPP). Mas o acordo mostra-se muito insuficiente. Cobre apenas 95 países – e o Brasil não está entre eles, bem como a maior parte da América Latina. A Pfizer afirma que o acordo ainda não chegou à sua versão final, e que está trabalhando para “distribuir o Paxlovid para países pobres”. Mas já há sinais de que os países ricos vão furar a fila e ficar com a maior parte da produção, segundo o grupo People’s Vaccine Alliance. “A Pfizer deve expandir a licença com o MPP para incluir todos os países em desenvolvimento. E os líderes mundiais devem concordar com uma isenção de propriedade intelectual para que o Sul global possa produzir vacinas, testes e tratamentos para a COVID-19 de forma acessível”, defende Linda Kosgei, da organização.A OMS ainda alerta para outro risco, causado pela má distribuição de vacinas e tratamentos contra a covid em países do Sul global. Para que o Paxlovid seja administrado em tempo hábil de curar pacientes, é preciso que estes possam ser testados. “Os dados coletados pelo FIND [aliança global para diagnósticos] mostram que a taxa média diária de testes em países de baixa renda é um oitavo da taxa em países de alta renda. Melhorar o acesso a testes e diagnósticos precoces em ambientes de atenção primária à saúde será fundamental para a implantação global desse tratamento”, alerta a Organização. Mas isso não será fácil, já que a proposta atual para a suspensão de patentes e propriedade intelectual, na Organização Mundial do Comércio (OMC), favorece a indústria farmacêutica e aplica-se apenas a vacinas.
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