Apesar de estarem entre os dez estados com o maior número de vítimas fatais do novo coronavírus, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Sul e Paraná decidiram reabrir as portas de suas escolas neste mês.
De forma geral, o retorno acontece de forma gradual e prevê uma série de critérios sanitários como o distanciamento social, permanência prioritária em ambientes coletivos e abertos, a obrigatoriedade do uso de máscara por estudantes, funcionários e professores.
Apesar dos demais 15 estados e o Distrito Federal continuarem sem previsão para a volta das atividades in loco, a retomada das aulas, mesmo que parcial, é motivo de grande preocupação entre os professores.
Se não temos mudança de cenário e não temos vacina, não faz sentido colocar em risco a vida da população.
Catarina de Almeida Santos, integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, afirma que a articulação defende a volta às aulas apenas quando houver segurança, seja por meio do controle da pandemia de fato e da ampla imunização, assim como pela garantia de estrutura para o respeito rígido aos protocolos sanitários.
“O cenário que temos hoje é um cenário pior do que aquele em que as aulas foram suspensas. Se em março suspendemos as aulas em um cenário mais favorável do que temos hoje, não faz sentido retomar as aulas. Se não temos mudança de cenário e não temos vacina, não faz sentido colocar em risco a vida da população”, defende Santos.
Segundo a docente da Universidade de Brasília (UnB), “objetivamente não tem nenhum governo que tenha apresentado um projeto de retomada das escolas mostrando que elas têm infraestrutura”. “As secretarias de educação têm colocado as responsabilidades nas unidades escolares para providenciar os equipamentos de proteção e todas as medidas”, argumenta.
Para ela, o conjunto de protocolos a serem adotados deveriam ser desenvolvidos com a participação da comunidade escolar como um todo. Pensar em formações por ciclo, por exemplo, desvinculando o ano letivo do calendário civil, seria um dos caminhos para amenizar as consequências da pandemia.
Não vamos resolver só reabrindo as escolas sem segurança.
Diante da crise socioeconômica, Santos aponta as fragilidades do argumento de que a volta às aulas presenciais para o ensino médio e EJA são importantes para brecar o aumento da evasão escolar.
“Sem um processo muito sério de busca ativa, sem um desenho de currículo que mostre para esses estudantes que vale a pena voltar para a escola, o processo de evasão já está dado. Não vamos resolver só reabrindo as escolas sem segurança”, afirma.
“A rede de ensino tem apresentado muito mais decisões à toque de caixa do que pensado a educação enquanto direito para a população. Vai muito na onda do que a imprensa fala, do que as fundações empresariais e políticos estão falando. No fundo, ninguém está pensando na segurança de vida dos estudantes e de suas famílias, assim como na garantia do direito à educação”, complementa.
Realidades opostas
A pandemia do novo coronavírus também escancarou as desigualdades educacionais no Brasil. Além da disparidade nas condições de acesso ao ensino remoto entre estudantes da rede pública e privada, a estrutura de prevenção também evidencia um abismo social.
Enquanto 17 estados estão autorizados para retomarem aulas presenciais nas redes particulares, de acordo com a Federação Nacional de Escolas Particulares, com a oferta ampla de álcool em gel e máscaras, as escolas públicas não possuem acesso universal à água.
Ou seja: lavar as mãos, a mais básica recomendação para combater o coronavírus, não é uma possibilidade para milhares de alunos. Segundo dados do Censo Escolar de 2019, há 10.685 mil escolas públicas sem água potável no país.
Denise Romano, coordenadora geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais, afirma que a ameaça do retorno às aulas presenciais passa por cima da evidente falta de estrutura.
Ela destaca que, de acordo com dados preliminares do Censo Escolar 2020, em 1.114 escolas escolas mineiras os banheiros são compartilhados entre alunos e funcionários. Em 940, não há refeitórios.
Romano critica o fato de o retorno às aulas ter seguido os protocolos do programa Minas Consciente, os mesmos parâmetros usados para a reabertura comercial.
“[A decisão de] abrir a escola tem muitas variáveis e não pode ser tratado com abertura de bares e lanchonetes”, diz a professora.
“Os protocolos criados são impossíveis de serem cumpridos em escolas públicas. Quem criou esses protocolos não conhece a realidade dos 853 municípios mineiros e não sabe o que significa escolas onde não há sequer refeitório para os alunos merendarem”, argumenta.
“Greve pela vida”
Contra a retomada das aulas para o 3º ano do ensino médio, prevista para início da semana que vem, sindicatos de professores do Rio de Janeiro decidiram manter a greve da categoria em assembleia realizada no último sábado (10).
A chamada “greve pela vida” defende a manutenção do ensino remoto em defesa da saúde púbica.
“A pandemia não acabou. Os órgãos fiscalizadores, de saúde e especialistas na questão do contágio sequer estão sendo consultados. Não temos laudos ou falas autorizando o retorno às aulas. Infelizmente nenhuma das escolas passou por nenhum tipo de planejamento, de mudança, de estrutura, com espaços seguros para receber os profissionais da educação”, lamenta Dorothea Frota Santana, diretora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio (Sepe) de Jacarépagua.
A ausência do mapeamento de contaminação das famílias, da testagem e a entrega de chips para garantir o acesso à internet para os estudantes da rede estadual, segundo ela, tornam a situação do ensino em meio à pandemia ainda mais precária. Dos 2,8 mil alunos da escola onde trabalha, apenas 680 conseguiram acessar as atividades online.
Para Santana, a retomada das atividades deve levar em conta a realidade dos territórios, principalmente nas periferias. No bairro da Curicica, por exemplo, onde dá aulas, há um grande nível de contágio entre a população local, que, sujeita à informalidade, não pode fazer o isolamento social.
Uma audiência no Tribunal de Justiça do Rio está marcada para a próxima semana para traçar os próximos passos da negociação entre professores e governos estadual e municipal.
Saúde em risco
Na opinião de Catarina de Almeida Santos, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a volta às atividades presenciais neste momento evidencia a pouca importância que o sistema de ensino dá aos professores.
“Consideram mais como um peso do que como profissionais fundamentais no processo de ensino-aprendizagem. Essas pessoas estão indo para a escola sob tensão. Sob tensão ninguém aprende”, observa.
Após sete meses longe da escola, ela acredita que o distanciamento social por parte dos jovens e sobretudo dos professores é uma meta impossível.
“Imagina retomar aulas com estudantes que ficaram longe da escola, que estarão com dificuldades, como não se aproximar deles? Os estudantes voltarão para escolas de ambientes de múltiplas violências e violações. Com defasagem. Como o professor não dá apoio, não se aproxima, não orienta?”, questiona.
Por outro lado, ela endossa que a recuperação do processo educativo é possível mesmo em circunstâncias tão adversas, “desde que a educação seja levada a sério”.
“Se tivéssemos escolas com outra infraestrutura, professores e estudantes que tivessem acesso e acostumados com tecnologia, os prejuízos seriam bem menores. E a recuperação será mais difícil justamente porque as escolas estão nessas condições”, critica.
Situação dos estados
Em São Paulo, por exemplo, estado que encabeça a lista dos estados mais impactados pela covid-19 com pouco mais de um milhão de contaminações e 37,5 mil mortes, as aulas presenciais na rede estadual retornaram de forma opcional para escolas do ensino médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA) no dia 7 de outubro.
Cada unidade de ensino pode trabalhar com até 35% da capacidade total em sala de aula. Já para escolas que atendem alunos do ensino fundamental, a data prevista de retorno é 3 de novembro.
O governador João Doria já havia autorizado a abertura das escolas públicas e particulares a partir de 8 de setembro para a realização de atividades extracurriculares, porém, a reabertura das escolas em cada cidade fica a cargo dos prefeitos. A exigência para a decisão é que todas as regiões do estado estejam na fase 3-amarela do Plano São Paulo.
No Rio de Janeiro e no Paraná, que estão na 2ª e 10ª posição no que tange o registro de mortos pela covid-19, o retorno está previsto para dia 19 de outubro. No Rio, a opção do ensino presencial é para os alunos do 3º ano do ensino médio, modalidade que reúne cerca de 126 mil matrículas. A prioridade é em razão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
No Paraná, a retomada deve acontecer ainda este mês em regiões com índices epidemiológicos mais baixos em relação às contaminações pelo novo coronavírus, como Cianorte, Umuarama, Ponta Grossa, Pato Branco, Wenceslau Braz e Francisco Beltrão.
Em sétimo lugar está o Pará, que também planeja a retomada das escolas estaduais do 3º ano do ensino médio em outubro.
Já a reabertura no estado do Rio Grande do Sul, 10ª posição, aconteceu a partir do dia 8 de setembro com alunos da educação infantil nas escolas municipais e particulares. A Secretaria da Educação (Seduc) convocou os profissionais do Ensino Médio e Ensino Técnico para o retorno em 5 de outubro, por revezamento e escalonamento.
Em Pernambuco, quarto estado com maior numero de mortes, houve o retorno na educação privada e a previsão de retomada da rede pública é 21 de outubro.
As aulas só não voltarão em Minas Gerais, quinto colocado, no próximo dia 19 de outubro, devido a uma decisão liminar da Justiça que, atendendo um mandado de segurança do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), suspendeu a decisão do governo Zema.
O retorno das atividades presenciais na rede estadual estava autorizada nos municípios localizados em regiões classificadas como “onda verde” no programa Minas Consciente.
Considerado laboratório das aulas presenciais no Brasil, o Amazonas abriu as portas das unidades de ensino no dia 10 de agosto e deixou rastros negativos. Segundo a Fundação de Vigilância em Saúde do Estado, na segunda semana de reabertura ao menos 10% dos professores da rede pública estadual testaram positivo para o coronavírus.
No Espírito Santo as aulas retornaram na última terça-feira (13). Piauí e Santa Catarina também estão entre os que planejam a volta para o mês de outubro, totalizando 11 estados em planejamento ou em execução das aulas presenciais.