Santa Catarina que, em abril, era exemplo para o país no controle da pandemia, agora, registra uma piora crescente nos números relacionados à Covid-19. Nesta semana, o governo estadual divulgou a nova matriz de risco potencial, sinalizando que 13 das 16 regiões catarinenses estão com nível de alerta “gravíssimo”. Na semana anterior, eram apenas três regiões nesse grau. A professora Alexandra Crispim Boing, do Departamento de Saúde Pública da UFSC e membro do Observatório Covid-19 BR, faz uma análise da situação e indica que medidas devem ser adotadas imediatamente para controlar a disseminação da doença.
Apufsc: Considerando o momento atual e a alta de casos, o que pode e deve ser adotado imediatamente?
Profª. Alexandra: Em primeiro lugar, os governos, em diferentes instâncias, precisam adotar ações condizentes com o grave momento epidemiológico que vivemos. Nesse cenário, há três aspectos essenciais: comunicar a população de forma clara e precisa sobre o cenário atual; adotar ações para quebrar a cadeia de transmissão do vírus, limitando a circulação e o encontro de pessoas por algum tempo; e qualificar a vigilância epidemiológica com o monitoramento extensivo de casos e contatos. As mensagens do governo devem apontar de forma inequívoca a gravidade da situação epidemiológica e promover o distanciamento físico, a utilização de máscara, a manutenção da etiqueta respiratória, o uso do álcool e para que se evitem aglomerações. Estamos no pior momento da epidemia no estado, bem pior do que vivenciamos mesmo no pico de julho, quando havia maior consciência da gravidade da situação e estrutura de assistência. Reforço que precisamos ter capacidade de vigilância, de monitoramento, precisamos testar a população com método, identificar os casos em tempo oportuno, rastrear os contatos e isolar as pessoas de forma adequada. Se não houver isso, vai ser muito mais difícil vencermos a pandemia.
Apufsc: Em termos práticos, como a professora avalia a situação do estado hoje, em relação à Covid-19?
Profª. Alexandra: A questão é que estamos com um número muito alto de casos diários, são mais de 5 mil novos casos por dia. Considere todos os contatos que essa pessoa teve no período em que estava transmitindo o vírus. Como vamos ter uma capacidade de vigilância dos infectados neste volume? No quadro que estamos vivendo, há baixa capacidade de monitorar esses contatos e por isso temos essa situação em Santa Catarina. Estamos com um número muito alto de transmissibilidade (RT), de 1,27. Isso significa que a cada 100 pessoas infectadas, no próximo ciclo serão 127. Esse índice mostra como a doença está se disseminando de forma descontrolada. Alia-se a isso um número muito grande de população infectante, que está quase o dobro da população infectante de julho, e a baixa capacidade de ação governamental, o que traz uma tendência de piora. Precisamos que o poder público assuma a responsabilidade das ações. As projeções de setembro já indicavam isso que estamos vivendo hoje e nada foi feito. Por isso, hoje das 16 regiões de Santa Catarina, temos 13 em estado gravíssimo.
Apufsc: E o governo está transferindo a responsabilidade para a população…
Profª. Alexandra: É importante destacar que as pessoas precisam de informação adequada. Em março, quando foram fechados alguns setores econômicos, a mensagem passada foi “fiquem em casa, não temos vacina para a doença, precisamos nos proteger. Precisamos salvar vidas”. A população fez o seu trabalho e ficou em casa. Agora, o poder público não passa essa informação e regula a situação de forma dissociada do momento epidemiológico. A responsabilidade é do governo, é do gestor. Tem um descompasso, uma inação do poder público em todas as instâncias. Essa falta de ação do poder público faz com que população não identifique a real situação que estamos vivendo, a situação é extremamente preocupante.
Apufsc: No ritmo que as coisas estão hoje, como ficam os hospitais?
Profª. Alexandra: Hoje as taxas de ocupação estão muito altas, com alguns hospitais com 100% de lotação. Em média, estamos com 80% da capacidade. Mas é muito importante ressaltar que não podemos deixar que pessoas fiquem doentes. Se as pessoas chegam no hospital, é porque já fracassamos antes e elas se contaminaram. Se as pessoas ficarem doentes, o número de óbitos será maior. Para salvar vidas, sem dúvida é importante dispor de leitos hospitalares, mas devemos empreender esforço para não deixar que fiquem doentes. Além disso, os estudos já indicam que pessoas que pegam Covid, mesmo aquelas com sintomas leves, podem apresentar sequelas. No atual momento, se nada for feito, além da perda de vidas, vamos ter, um grande número de pessoas convivendo com sequelas da Covid. Inclusive, gerando uma grande carga para os sistemas de saúde.
Apufsc: Santa Catarina em março despontava como um bom exemplo no combate à pandemia. Em que momento o estado falhou?
Profª. Alexandra: Santa Catarina foi um caso de sucesso, muitos municípios também se destacaram, como Florianópolis. No início da pandemia, o estado assumiu um importante protagonismo, decretando medidas de restrição de circulação e muitos municípios implementaram medidas ainda mais restritivas que as definidas pelo estado e isso fez com que ocorresse um controle da disseminação do vírus. Entretanto, a partir de maio passamos a observar descompasso das ações governamentais em relação ao cenário epidemiológico. Em momentos de aceleração da doença ocorreram flexibilizações, aberturas pouco reguladas e pouco monitoradas de setores econômicos. Além disso, diferentes governos foram se eximindo de sua responsabilidade sanitária, cada um passando-a para outro nível de gestão até se chegar à culpabilização da população. Faltou entendimento de que o controle do vírus é a melhor ferramenta para se salvar vidas e fortalecer a economia, além da demora no auxílio aos setores econômicos e às famílias mais afetadas. Nas semanas em que havia menos casos diários surgindo, não estruturamos nossa vigilância para fazer a testagem e o rastreamento adequados. Naturalmente todos vão se cansando de ficar em casa e muitos acabam afrouxando os cuidados, por isso a comunicação clara por parte do governo e ações condizentes com cada momento epidemiológico são necessárias. A soma de diversos fatores fez com que chegássemos a essa aceleração da doença novamente.
Apufsc: Sobre a volta às aulas nas escolas particulares, municipais e do Estado, o que, na sua visão, é possível fazer, com base nas experiências de outros lugares?
Profª. Alexandra: O fechamento das escolas tem o impacto importante na aprendizagem, na evasão e no aprofundamento da desigualdade social. Crianças fora da escola têm risco de violência, insegurança alimentar, gravidez na adolescência, problemas de saúde mental, piora nos desfechos em saúde, sendo esses efeitos ainda mais negativos entre as crianças mais pobres, portadoras de deficiências, institucionalizadas ou pertencentes a grupos minoritários. O retorno das escolas deve ser nossa prioridade. Todos queremos que seja possível abrir as escolas o mais rapidamente possível. Entretanto, nos últimos meses não foi priorizado o retorno às aulas, foi priorizando a abertura de shoppings, bares, restaurantes, lojas, ao invés das escolas. Muito pelo contrário, não tem havido ações concretas para controlar a disseminação do vírus, para ampliar capacidade de vigilância e para estruturar escolas adequadamente para receber alunos. Crianças menores representam menos de 10% dos casos notificados, apresentam quadro leve da doença, poucas mortes e aquelas menores de 10 anos são menos infectantes do que adolescentes e adultos, conforme as evidências científicas vêm mostrando, mesmo assim, elas podem transmitir o vírus, são vetores. Em um cenário em que se tem a pandemia descontrolada, temos que pensar em proteger a população. Quando a pandemia estiver controlada, deve ser feita abertura de escolas preferencialmente diante de outros setores. Na maior parte do mundo, as escolas, com objetivo de conter a propagação do Covid, reduzir a carga sobre os serviços de saúde e proteger os grupos de risco, foram fechadas, pois a situação era desconhecida. Na Europa, neste momento da segunda onda, a maior parte dos países estão mantendo as escolas abertas e estão restringindo horários de funcionamento e/ou fechando estabelecimentos comerciais de serviços, sendo as escolas uma prioridade. Para abertura das escolas e o funcionamento dos demais setores econômicos, precisamos controlar a epidemia, e pensar em estratégias de escalonamento por setores, por horários, talvez por períodos de tempo, priorizando as escolas e aliando isso ao monitoramento rigoroso, para conseguir superar a pandemia.
Imprensa Apufsc
Hospitais com a UTI lotada
- Hospital Bethesda, em Joinville
- Hospital Bom Jesus, em Ituporanga
- Hospital de Caridade Bom Jesus dos Passos, em Laguna
- Hospital e Maternidade Tereza Ramos, em Lages
- Hospital Governador Celso Ramos, em Florianópolis
- Hospital Hélio Anjos Ortiz, em Curitibanos
- Hospital Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em Nova Trento
- Hospital Regional Helmuth Nass, em Biguaçu
- Hospital Regional São Paulo, em Xanxerê
- Hospital Santa Cruz, em Canoinhas
- Hospital Santa Teresinha, em Braço do Norte
- Hospital São Braz, em Porto União
- Hospital São José, em Jaraguá do Sul
- Hospital Waldomiro Colautti, em Ibirama
- Maternidade Darcy Vargas, em Joinville
Mais informações no Boletim de domingo, 29 de novembro.