Cooperativas quebram paradigmas como alternativas para uma nova mídia

Por Larissa Cabral para Desacato.info.

São incontáveis os artigos disponíveis, palestras e atividades afins destinadas a discutir a tal crise do Jornalismo. Muito se fala sobre o impacto das novas tecnologias, o jornalismo online e o colaborativo. Para mim, a crise é na verdade do modelo de negócios das empresas de comunicação. A queda na qualidade das produções, a relativização da sua autonomia e a desvalorização do profissional jornalista são consequências deste cenário.

Não que falte verba às grandes empresas de comunicação, mas de modo geral, trata-se de uma empresa como outra qualquer: hierarquizada e que objetiva o lucro. Para mim, está muito claro que o jornalismo em si não está em crise, mas sim o modo como ele tem sido executado por esta grande mídia, tradicional, conservadora e engessada. Diante disto, tais empresas vêm promovendo demissões em massa e fechando publicações. Entre os motivos, então a redução dos gastos e até mesmo o alinhamento empresarial, mais voltado para ao bem-estar dos donos da mídia do que para a qualidade dos veículos.

Acredito que o Jornalismo ainda vive um momento notável, tendo em vista um crescimento incrível no número de publicações e de fontes. Percebe-se que nunca se consumiu tanta notícia, de diferentes assuntos e formas, por meio das técnicas essenciais do Jornalismo ou não. Antes a oferta dominava a procura, agora o leitor dita a oferta, segmentando cada vez mais sua procura.

Sabe-se que o padrão de financiamento das mídias impacta a complexidade estrutural e a relação anunciante X jornal X público e seus discursos. Há um muro imaginário entre o jornalismo e o comercial, mas a influência de interesses políticos e econômicos talvez seja mais sutil do se imagina. E mais: deixando a ingenuidade de lado, a famosa imparcialidade no fazer jornalístico torna-se bastante relativa, subordinada à cultura da empresa e ao acúmulo político, social e ideológico do jornalista, por mais que se fale em “ouvir os dois lados”.

Alternativas: possíveis e urgentes

Os jornalistas são responsáveis por gerar e entregar valores em forma de notícias, mas em um modelo de negócio falido sua produção pode ser prejudicada, assim como seu bem-estar no trabalho. É necessário captar grandes volumes de informações, além de saber executar diversas funções em diferentes plataformas, mas com menos recursos e, de modo geral, com menos tempo. Tais empresas tradicionais ainda não sabem como atuar neste cenário, sem comprometer a qualidade do jornalismo e o jornalista.

No desafio de se buscar formas alternativas de viabilizar um novo jornalismo, uma reformulação na forma de se organizar é fundamental. Primeiro, a categoria precisa se enxergar como tal, visão distorcida e desvalorizada há muito tempo, frente à entidades representativas, como sindicados e federações, enfraquecidas e a um histórico de desvalorização – veja-se a questão do diploma e a leviandade com que se tratam as questões trabalhistas na área, os salários minúsculos e etc.

A partir do momento em que o jornalista se reconhecer como um trabalhador, que no modelo capitalista e industrial de produção sustenta os donos da mídia, recebendo uma porcentagem insignificante do lucro que produz e influenciando minimamente no conteúdo e temáticas abordadas, é preciso que ele saia da sua zona de conforto e perceba que sua única opção não ser um mero empregado em uma empresa de fast-food de notícias. Do meu ponto de vista, uma das alternativas mais fortes para a viabilização de uma nova forma de financiamento e de se fazer jornalismo é o modelo de cooperativa. Apesar de bastante difundido em outros lugares do mundo, com destaque na América Latina, tal formato ainda é pouco explorado no Brasil nas áreas da Comunicação, Jornalismo e Cultura.

O sistema de produção cooperativista nasceu na Inglaterra do século XIX e se expandiu por todo o mundo nos séculos XX e XXI. Ele se caracteriza, entre outros aspectos, pela economia solidária, que se opõe ao modo de produção capitalista, uma vez que seus princípios são o de propriedade coletiva ou associada do capital, com destaque para o direito à liberdade individual. Assim, as classes de trabalhadores possuem capital igualitário, configurando uma organização mais justa.

Nas cooperativas, o equivalente ao salário é chamado de retirada e varia de acordo com a receita. A decisão se as retiradas serão iguais ou diferenciadas é decidida em assembléia. Geralmente, as retiradas são diferenciadas, de acordo com a função do cooperado, mas a disparidade é bem menor entre os valores, se comparada a uma empresa capitalista. A assembléia  de sócios decide o destino dos excedentes anuais. Na empresa capitalista, uma parte do lucro é dividida entre os acionistas, na forma  de dividendos, enquanto a outra parte vai para os fundos de investimento. Com que ficam os trabalhadores?

Entre as principais vantagens do modelo cooperativista em relação ao capitalista, é possível citar:

*     Um voto por pessoa presente na Assembléia X Cada pessoa vota de acordo com sua participação no capital da sociedade

*     Produz sobras para os cooperados X  Produz lucros para os acionistas

*     É democrático X O sócio majoritário é quem manda

*     Tem sócios que prestam serviços  X Tem empregados que realizam tarefas

Jorgraf e CpCC

A Cooperativa dos Jornalistas e Gráficos de Alagoas (Jorgraf) nasceu em julho de 2007 e hoje conta com 63 cooperados – jornalistas e gráficos, apenas de que seu estatuto permite a participação de outros profissionais de comunicação -, sendo que a organização é paritária nos cargos de direção da cooperativa (50% jornalistas e 50% gráficos). Atualmente, a Jorgraf possui dois principais produtos: o Jornal Tribuna Independente (diário) e o portal Tribuna Hoje (http://www.tribunahoje.com/). Mas ela também conta com outros portais, como tribelas.com.brsalutre.com.br e ainda prestam serviços gráficos, entre outros.

Com a falência do antigo jornal Tribuna de Alagoas, em 2007, membros da atual Jorgraf ocuparam o prédio onde funcionava o jornal e se apropriaram da parte industrial. Após três meses de greve, o grupo realizou assembleias permanentes para a organização da cooperativa. Segundo o presidente da cooperativa, Antonio Pereira, recentemente o grupo conseguiu comprar toda a parte industrial em um leilão da Justiça Federal e estão em negociação para adquirir um terreno e construir a sua própria indústria gráfica.

“Desde a nossa fundação, temos um histórico de reuniões e decisões coletivas, todas em assembleias convocadas por editais, cuja presença dos cooperados, sempre foi de mais de 90%.”, destaca Pereira. Até a fundação da cooperativa, a falta de dinheiro, financiamento, capital de giro e recursos, de modo geral, é um obstáculo para a consolidação e desenvolvimento do coletivo. “Tivemos que trabalhar muito para estabelecer a marca Tribuna no Estado, já que vinha de uma falência traumática”, conta o presidente. Apesar das dificuldades, os veículos da Jorgraf são referência em Alagoas as perspectivas da cooperativa para os próximos 10 anos são positivas: construir um parque gráfico, instalar uma TV e um sistema de rádio.

Em Santa Catarina, uma iniciativa semelhante se apresenta como uma alternativa à mídia tradicional. A Cooperativa de Produção em Comunicação e Cultura (CpCC) foi fundada em dezembro de 2011, resultante de uma parceria que data de 2007, com a fundação do Portal Desacato, veículo independente, sem laços com partidos políticos, sindicatos ou qualquer organização pública, privada, estatal ou paraestatal e que atualmente é o carro-chefe da cooperativa.

Indo ao encontro da linha editorial do Desacato – anticapitalista e anti-imperialista – a CpCC objetiva a soberania comunicacional popular, ou seja, dar voz e visibilidade àqueles que não encontram espaço e nem apoio na grande mídia. Por ainda ser recente e não estar completamente consolidada é inviável julgar o sucesso da iniciativa. Mas, as evoluções são perceptíveis e, como vice-presidente do grupo, posso afirmar que o sentimento é de que estamos trilhando um caminho muito longo (difícil e até nebuloso), mas que a opção por este modelo se mostra diariamente como uma alternativa possível e urgente, em que é viável garantir maior satisfação como trabalhador e praticar um jornalismo mais independente e, mais adiante, de fato alternativo.

Foto: Maria Flor.

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