Em mais uma sessão incendiária, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) aprovou, nesta terça-feira (11), um pedido para ouvir o general da reserva do Exército Gonçalves Dias, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da gestão Lula. A oposição, que tem maioria no colegiado, conseguiu aprovar o requerimento com um placar de 16 votos contra cinco. Foi aprovado ainda um convite para que o vice-presidente da empresa de celulose Suzano, Luís Bueno, compareça à CPI para tratar de ocupações feitas pelo MST em áreas da companhia.
Já a convocação do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, que estava na mira de parlamentares bolsonaristas, foi retirada de pauta após um acordo e deverá ser votada somente em agosto. O clima de tensão marcou toda a sessão desta terça-feira no colegiado, no qual mais uma vez parlamentares governistas se queixaram de tentativas de criminalização do MST por parte de deputados de perfil extremista.
O ápice se deu quando o deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO), da bancada da bala, acusou parlamentares de receberem supostas “mensalidades do MST”. Ele não apresentou provas da acusação. O deputado também exibiu vídeos de uma emissora não identificada cuja narrativa culpava o movimento pelo massacre de Pau D’arco, ocorrido em maio de 2017, quando dez agricultores foram brutalmente torturados e assassinados pela polícia no estado do Pará.
O relator da CPI, Ricardo Salles (PL-SP), disse que irá juntar os vídeos aos autos da comissão. “O que a gente tem é a apresentação de um vídeo que é uma baixaria de uma montagem – mal feita, inclusive –, que mostra claramente como é que se comporta a relatoria desta CPI”, reagiu Nilto Tatto (PT-SP).
Ocupação de terra
Quando a comissão discutia o requerimento referente à oitiva do representante da Suzano, as turbulências continuaram. A companhia viveu uma disputa com o MST em fevereiro deste ano após agricultores da organização ocuparem uma área da empresa na Bahia. O movimento acusa a Suzano de manter áreas improdutivas e não cumprir acordos firmados em 2011 entre as duas partes e com a participação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Segundo o MST, o termo tratava da cessão de parte da área para fins de reforma agrária.
O autor do pedido dirigido à Suzano, deputado Kim Kataguiri (União-SP), criticou a metodologia adotada pelo MST na luta política. “Um dos primeiros pontos que precisavam ser desmitificados aqui nesta CPI é o de que só há invasão de terra improdutiva, que não cumpre com a sua função social. E, mesmo que uma terra não esteja cumprindo a sua função social, não é papel de um movimento privado definir se aquela terra está ou não cumprindo a sua função porque o intérprete legítimo da Constituição não é um movimento privado.”
O movimento e parlamentares que defendem a entidade no âmbito da CPI alegam que, ao evocar a agenda da reforma agrária, a organização pauta sua ação política no conceito de “ocupação de terra”, iniciativa que tem o objetivo de chamar a atenção para latifúndios improdutivos que não foram encaminhados para a reforma, conforme orienta a Constituição Federal. O grupo destaca que esse tipo de atuação política já foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em acórdão publicado em 1997.
O MST argumenta ainda que houve uma paralisação nos últimos anos dos trabalhos do Incra, órgão federal para a reforma agrária. Em resposta recente a um requerimento enviado pela CPI, o instituto apresentou uma planilha segundo a qual 289 processos de obtenção de terra foram interrompidos após março de 2019, logo no início do governo Bolsonaro, quando a presidência do Incra editou um memorando que suspendia as vistorias de imóveis relacionadas à política de reforma agrária. A novidade atingiu cerca de 20 mil lotes de terra, totalizando mais de 602 mil hectares entre 2019 e 2022. O documento consta nos autos da CPI.
Durante a sessão desta terça, o deputado Valmir Assunção (PT-BA), que é assentado da reforma agrária e já integrou a direção nacional do MST, disse que o debate circunda “a questão da propriedade”. Ao citar os Artigos 184 e 186 da Constituição Federal, ele afirmou que “todas as terras improdutivas devem ser destinadas à reforma agrária” e acusou a ala bolsonarista de fazer da CPI um palco para “proteger terras improdutivas” e grileiros.
“O que vocês querem é fazer com que o povo brasileiro volte a ser escravizado. Nós lutaremos pela nossa liberdade todo o tempo, e não é uma CPI que vai estabelecer regras para se ver como funcionam as organizações [populares] neste país. Tem uma Constituição Federal e ela estabelece regras. O MST, que luta por reforma agrária, não está fora da Constituição e, quando ocupa uma terra, está ocupando para pressionar os governos, desapropriar as terras para se fazerem assentamentos. É isso que acontece”, disse.
Assimetria
A desigualdade de gênero também deu o tom da sessão da CPI nesta terça-feira (11), quando parlamentares mulheres se queixaram de interrupções feitas pelo relator, Ricardo Salles (PL-SP), à deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP). O ponto alto das faíscas ocorreu quando a psolista teve a fala descontinuada após mencionar que um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) identificou parte dos financiadores dos ataques extremistas às sedes dos Três Poderes, em Brasília (DF).
“Eu achei bastante interessante que entre eles foi identificado o presidente da Aprosoja Brasil, Antonio Galvan. Ele é apontado inclusive como ‘general’ ou ‘barão’ do movimento golpista de 8 de janeiro. Ele já havia sido identificado por alguns daqueles que foram detidos”, disse a psolista segundos antes de ser interrompida por Salles. O ex-ministro alegou que o tema seria estranho à pauta da CPI e não permitiu mais que a deputada seguisse o raciocínio. “Vocês vieram aqui pra se fazer de vitima”, disse, em uma de suas colocações. A postura do relator piorou o clima entre opositores e governistas, especialmente as mulheres, no caso destes últimos.
O assunto já virou motivo de outros debates e críticas nos últimos meses. Reportagem publicada pelo jornal O Globo no início de junho mostrou que as mulheres que integram a comissão sofrem uma média de quatro interrupções a cada sessão do colegiado. O problema virou caso de apuração do Ministério Público Federal (MPF), que investiga se Sâmia Bomfim sofreu violência de gênero ainda na primeira sessão da CPI, em 23 de maio, quando teve o microfone desligado pelo presidente do colegiado durante sua fala no âmbito dos debates.
“É impressionante que esse método esteja sendo retomado nesta nossa CPI. Aliás, é importante esclarecer: lembra quando eu mencionei que havia sido acionada a PGR pra tentar identificar as interrupções que haviam sido feitas sobre as deputadas dessa comissão? Já começaram as diligências para que os senhores prestem esclarecimentos a respeito do que fizeram conosco, e seguem fazendo. Parece que não compreendem que a repercussão que esta CPI vem tendo na sociedade se vira contra Vossas Excelências”, disse Sâmia, nesta terça.
“Até agora nenhum representante do MST foi ouvido, nenhum documento foi analisado. Fizeram uma diligência, que foi um papelão porque teve até invasão de domicílio. Cortaram o microfone das deputadas e agora, mais uma vez, enquanto eu utilizo o meu tempo [de fala] de líder, mais uma vez sou interrompida”, emendou Sâmia, ao ter a fala novamente cortada por Salles, segundo o qual a reclamação da psolista seria “uma invenção”.
A CPI do MST volta a se reunir na manhã desta quarta-feira (12), a partir das 9 horas, no que deverá ser a última sessão do colegiado antes do recesso legislativo.
Edição: Rodrigo Durão Coelho