A recente greve dos servidores federais e as dificuldades de negociação com o governo reacenderam um debate recorrente entre entidades trabalhistas: a necessidade de assegurar em lei o direito a greve e a negociações coletivas no setor público. Apesar de o direito ser garantido pela Constituição Federal e pela Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), já promulgada pelo Congresso Nacional, a discussão está, desde 2010, circunscrita a grupos de trabalho no Ministério do Planejamento e na Casa Civil, que não chegam a um consenso.
Tendo como um de seus principais objetivos garantir “processos que permitam a negociação das condições de trabalho entre as autoridades públicas interessadas e as organizações de trabalhadores da função pública”, a Convenção 151 foi aprovada em 2010 pelo Congresso Nacional e sancionada no mesmo ano pelo então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
A partir daí, parlamentares teriam o prazo de dois anos para elaborar uma lei que, atendendo às especificidades do país, garantisse o direito a negociações e greves para os servidores públicos. Restando quatro meses para o fim do prazo, o projeto de lei ainda está distante de sair do papel, de acordo com o diretor de política salarial da Confederação dos Servidores Públicos, Lineu Mazzano.
“Foi criado um grupo de trabalho no Ministério do Planejamento e na Casa Civil, mas não se chega a um consenso sobre as minutas das discussões e assim o governo não encaminha”, afirma. “O governo parece não ter interesse em dar continuidade ao processo porque com a lei estaria obrigado a negociar.”
O Ministério do Planejamento confirmou, por meio da assessoria de imprensa, que o grupo de trabalho está parado devido a “desentendimento internos, principalmente dos sindicatos participantes”. De acordo com a equipe de comunicação do órgão, as reuniões devem ser retomadas neste mês ou em outubro.
O secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Manoel Messias Melo, afirmou na quarta-feira (5), durante audiência pública no Senado, que há um trabalho para avançar com um projeto de lei que regulamente o direito de greve no serviço público. Mas Messias não expôs qual a visão do Executivo, e ouviu críticas sobre o Projeto de Lei 710, de 2011, de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que restringe as possibilidades dos trabalhadores.
Segundo o secretário, além de seu ministério, devem se reunir em breve representantes do Planejamento e da Secretaria Geral da Presidência. “Há a vontade e a intenção de reunir nos próximos dias esses três ministérios para retomar o debate partindo da busca de um consenso interno do governo e do diálogo com as centrais sindicais.”
Faz de conta
Para Mazzano, as mais de 40 reuniões que o Ministério do Planejamento afirmou ter feito com os servidores federais na greve dos últimos dois meses não tinham poder de tomada de decisão e se tornaram um “empurra-empurra”. “Depois disso, o governo apresentou um reajuste de 15, 8%, se fechou para outras negociações e ameaçou cortar o ponto. A legislação poderia impedir isso.”
A economista do Dieese Regina Camargo concorda. “Para um governo com histórico de lutas pelos trabalhadores ficaria mal não negociar, por isso as reuniões. Mas um governo mais autoritário pode se negar. Como não é uma lei, o Executivo negocia se quiser.”
É o que ocorre na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde os professores estão em greve há dois meses. Com o mote “Negocia, Cabral!”, professores e técnicos administrativos tentam uma reunião com o governador Sérgio Cabral (PMDB) para debater reajuste salarial e reformulação do plano de carreira, principais reivindicações das categorias.
“Até agora o governo no estado se nega a nos receber. Eles não deram nenhuma justificativa, apenas afirmaram que estão encaminhando e que não vêem mais como resolver essa questão”, afirma o coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Públicas Estaduais do RJ, Alberto Mendes.
Do começo para o fim
Sem o direito de greve garantido em lei, os funcionários públicos seguem o caminho contrário do que ocorre no setor privado. “Eles têm de fazer greve para conseguir abrir as negociações, diferente das empresas onde você tenta uma série de conversas e usa a greve como um último recurso de pressão”, afirma Regina, do Dieese. “Isso é um processo oneroso para o Estado, que muitas vezes impacta no cidadão e que podia ser amenizado com a abertura de negociações.”
Para o diretor da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Pedro Armengol, a situação atual restringe os direitos dos funcionários públicos. “Os trabalhadores celetistas têm assegurado o direito à greve, à negociação. Isso é fundamental porque é a única forma de melhorar as condições de trabalho.”
Fonte: Sarah Fernandes – Rede Brasil Atual.