Por Rodrigo Borges Delfim, do MigraMundo. O site Ponte (acesse aqui) fez um relato bem completo sobre os ataques que teriam sido cometidos contra seis migrantes haitianos na região do Glicério, região central de São Paulo.
A suspeita é que os ataques tenham sido motivados por xenofobia. O que confirma um triste temor: de que os estereótipos contra migrantes desencadeiem novos atos violentos.
Como se não bastasse o nojo em ver o ataque sendo comemorado por certas pessoas, chama a atenção ainda o desencontro de informações – tanto na imprensa como do poder público – e as falhas no atendimento e investigação do caso (serviços de saúde e polícia).
Além de repudiar o ato, é preciso pensar no que tem provocado e fomentado reações xenófobas contra migrantes, independente da origem ou do motivo que o levou a deixar a terra natal. Nisso, vale uma reflexão: além das políticas que não saem do papel ou ficam incompletas, estariam nossas abordagens, opiniões e compartilhamentos nas redes sociais dando base para mais e mais preconceito e xenofobia?
Mesmo que de forma inconsciente, a forma com a qual imprimimos nossas opiniões ou o olhar que colocamos sobre o migrante pode, sim, contribuir para uma maior fragilização dele. Estamos de fato olhando e procurando nos colocar no lugar do migrante? A reflexão vale tanto para a sociedade como para quem faz as políticas.
Tem dois casos que poderiam servir como exemplo para reflexão. Um deles é de janeiro deste ano, quando o Ministério da Justiça divulgou que o Brasil tinha batido recorde em concessão de refúgio, dando destaque especial para o crescimento do número de refugiados reconhecidos e de solicitantes em território nacional.
Acredito que a intenção do governo federal era de mostrar uma postura de abertura do país em contraste com outras nações. Mas a ênfase no recorde, sem uma contextualização com o que acontece em outros países quanto a refúgio, pode servir de munição para xenófobos de plantão para alardear uma “invasão” de refugiados. Ora, o Brasil possui cerca de 7.000 refugiados espalhados pelo território nacional – número que é superado facilmente por um único campo de de refugiados próximo a uma zona de conflito.
Outro caso é de dezembro de 2014, quando foi anunciado que migrantes também teriam acesso a programas de inclusão social no Brasil, por meio de cadastramento no chamadoCadúnico. Embora o registro permita o acesso a programas ligados a saúde, moradia e distribuição de renda, a ênfase maior dada pelos organismos governamentais e pela imprensa foi da possibilidade de acesso dos migrantes ao Bolsa Família – gerando novas manifestações preconceituosas e xenófobas em redes sociais ou mesmo nas ruas.
No entanto, uma sondagem feita junto a locais onde era feito o cadastramento de migrantes para o Cadúnico em São Paulo mostra um dado bem diferente: a maior procura dos migrantes não foi pelo Bolsa Família, mas sim por um outro programa, o Minha Casa, Minha Vida.
É certo que a ideia seria mostrar que os migrantes podem ter acesso aos mesmos serviços e programas que os brasileiros, em uma mensagem de inclusão. Mas esse tiro pode sair pela culatra quando não se pensa no enfoque ou mesmo procura-se ouvir as necessidades do migrante antes de anúncios voltados para essa população. Ora, como uma pessoa que migra de um outro país para o Brasil e que precisa não apenas se manter por aqui, mas ajudar parentes que ficaram na terra natal, poderia depender de um valor pouco acima de R$ 100?
Esses dois exemplos mostram como até mesmo notícias positivas, quando comunicadas de modo equivocado, podem ter efeitos bem diferentes – e adversos – do esperado. Presume-se que tais enfoques são positivos para o migrante. Mas será que realmente são? O que o migrante pensa a respeito dessas pautas? É preciso enxergar além desses muros previamente estabelecidos.
Com isso, volto ao começo do texto: além de repudiar o ato, é preciso pensar em como nossas ações e reações podem, mesmo que sem intenção, provocar e fomentar reações xenófobas. Entre outras formas, isso é possível com um exercício fundamental, mas pouco usado: colocar-se no lugar do outro. E assim, ver o migrante como ele realmente é: um ser humano como qualquer um de nós.
Nunca é demais lembrar, mas humanidade e dignidade são conceitos que dispensam fronteiras, culturas, ou posições político-partidárias. São direitos humanos. E toda e qualquer violação a um direito humano deve ser condenada e combatida – seja por quem governa, seja pela sociedade.
Foto: Reprodução/MigraMundo
Fonte: MigraMundo