Contencioso Administrativo: O início de uma reforma para o futuro! Por Geraldo Paes Pessoa.

Imagem: Mona Tootoonchinia por Pixabay

Por Geraldo Paes Pessoa, para Desacato.info.

Um dos problemas brasileiros, quando se contextualiza a capacidade do esforço tributário ante o marco regulatório existente, está no grau de litigiosidade (conflito para apurar o que é devido entre o contribuinte e o Estado brasileiro), sem paralelo em nenhum país quanto à quantidade e à dimensão financeira em relação ao PIB, o que provoca distorções na avaliação das possibilidades de financiar, com razoável previsibilidade, as indispensáveis políticas públicas nacionais.

Uma das primeiras ações do atual governo iniciou o debate sobre o problema. Por meio da medida provisória nº 1160, do dia 12 de janeiro de 2023, restabelece-se o voto de qualidade no CARF. Além do tema que ela se propõe a resolver, algo salta aos olhos, um problema antigo e que precisava de atenção. A dimensão financeira dos tributos em litígio – ultrapassa o “trilhão de reais” em créditos tributários – que aguardam julgamento no CARF – Tribunal Administrativo que julga recursos tributários no âmbito federal. Esse valor seria suficiente para enfrentar crises ou zerar o déficit, seja nominal ou primário, no contexto do Orçamento da União. Dentro desse orçamento ocorre disputas sem precedentes, entre o parlamento e o Poder Executivo, por recursos para trazer o país para o caminho da Justiça Social com responsabilidade fiscal.

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Tratando-se do início de um novo governo, surgem “novamente” as condições políticas para enfrentar velhos problemas. Um deles é o CARF, basta rememorar o escândalo que ganhou os noticiários policiais denominado de “operação Zelotes”, desde lá há demanda por uma reestruturação apta a produzir efeitos positivos sobre o futuro da partilha de encargos e do esforço tributário de todos os brasileiros.

Os julgamentos do CARF, além de resolverem casos concretos de determinadas empresas ou pessoas físicas, influenciam de forma vinculante todo o conjunto da Administração Tributária Federal, daí sua importância para qualquer governo e por isso sua reformulação representa uma parte relevante da reforma tributária no Brasil.

O CARF é um problema novo? Infelizmente, não! A noção de urgência para intervir ultrapassa qualquer posicionamento ideológico, pois a estrutura, que não consegue atender às demandas de julgamento, é mais uma fratura exposta da Administração Pública, não por culpa dos servidores públicos, mas por ausência de priorização dos gestores políticos sobre o problema e uma vontade “inconfessável” de beneficiar aqueles que querem fugir da conta que é de todos.

A primeira medida encaminhada pelo atual governo, acertadamente, foi o restabelecimento do voto de qualidade, este havia sido revogado pelo governo anterior em 2020. É fundamental dividir a reflexão em dois momentos, os problemas no CARF começaram com a supressão (absurda!) do voto de qualidade ou são anteriores?

Para situar o leitor e entender o que seria o voto de qualidade, precisamos explicar algo sobre o CARF. O CARF é um Conselho que julga (colegiadamente – num grupo) recursos administrativos de natureza tributária em segunda instância. Compõe-se paritariamente com julgadores, que representam os contribuintes, e julgadores, que representam a Administração Tributária do país.

Como há o mesmo número de representantes (julgadores) dos contribuintes e da Administração Tributária, é possível haver empate em determinado julgamento. Na existência de voto de qualidade, os casos de empate são revolvidos em favor da Administração Tributária, isto é, considera-se que o tributo em discussão é devido. Quando não há voto de qualidade, por determinação legal, o empate resolve-se em favor do contribuinte.

A mudança legislativa ocorrida em abril de 20201 -Lei 13988 – revogou o voto de qualidade e, longe de ser uma questão semântica, permitiu exonerar bilhões de reais em recursos públicos no interesse de grandes devedores. O Tribunal se tornou parcial contra os contribuintes que sempre pagam suas contas, tornando o esforço tributário desproporcional para os segmentos que não litigam e premiou a ineficiência no sistema de arrecadação brasileiro.

Como refletimos, o problema é antigo, antes do advento da revogação do voto de qualidade já havia no CARF, aguardando julgamento ou alguma providência, créditos em bilhões de reais2, celeuma que era grave e ganhou impulso a partir de 2019.

Restabelecer o voto de qualidade é imprescindível, mas o problema tem vínculo com a estrutura do contencioso administrativo no Brasil, transformada em mais uma instância de procrastinação do que uma instituição útil aos desejos republicamos. O objetivo primordial dos tribunais administrativos era apresentar um meio célere e eficaz ao deslinde do contencioso, com simplicidade, economicidade e informalidade. Infelizmente, tem permitido que o tempo, muito além do razoável, afrontando o princípio constitucional da razoável duração dos processos, dificulte os procedimentos de cobrança do tributo devido.

Uma proposta de mudança estrutural do Contencioso Administrativo (DRJs e CARF) 3, que pode ser realizada por lei ordinária ou medida provisória, é, tornar o CARF um meio opcional de resolução de conflitos, no qual a sua opção importe em desafogar o Poder Judiciário da apreciação da demanda. Tal prática é adotada por países que adotam o denominado sistema de dualidade de jurisdição, também denominado de sistema francês.

Tal situação já encontra no Direito Brasileiro guarida no Juízo arbrital, ou seja o cidadão, por opção, se submete ao Juízo arbitral, afastando o conflito do Poder Judiciário. No caso concreto o contribuinte poderia ir diretamente ao Poder Judiciário ou optar pela resolução do conflito no tribunal administrativo.

Difere do Juízo arbitral em sua natureza, pois a estrutura de julgamento administrativo deve continuar estatal, pois outra não se coaduna com os interesses tutelados, pois representam segurança jurídica no financiamento da execução orçamentária.

Para tanto, o CARF deveria se consolidar como instituição independente na estrutura da Administração Pública Tributária, com processo seletivo entre servidores públicos com experiência e conhecimentos e formação com pertinência temática à Administração Tributária e mandatos transitórios.

O contribuinte, caso não optasse pelo Tribunal Administrativo, poderia sempre recorrer ao Poder Judiciário, inafastável para coibir qualquer lesão do titular de direito.

A medida proposta para debate evitaria que devedores contumazes manejem por anos tanto o contencioso administrativo quanto o judicial. Ademais, contribuiria para descongestionar os tribunais superiores do Judiciário, nos quais os processos tributários ocupam parcela relevante na pauta (CNJ, 2022)4.

Outra solução poderia ser a extinção do CARF, mantendo a estrutura de julgamento já preexistente na Receita Federal, por intermédio das Delegacias de Julgamento, encurtando o caminho entre a protelação e o recolhimento de bilhões que fazem tanta falta às políticas emancipatórias que poderão nos levar para dias melhores em nosso país.

Enfim, está apresentada uma oportunidade de debater e quem sabe minimizar um problema relevante e avançar rumo a um país no qual a Administração Tributária contribua para a efetivação da Justiça social pela qualificação das fontes de financiamento.

1 modificou a Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002 e estabeleceu a não aplicação do voto de qualidade em caso de empate no julgamento de processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se a demanda favoravelmente ao contribuinte, a redação anterior explicitava que em caso de empate os representantes da Fazenda teriam o voto de qualidade.

3 DRJ julga em primeira instância na Receita Federal o contencioso administrativo e o CARF julga em segunda instância.

Geraldo Paes Pessoa – Mestre em Direito Constitucional, Especialista em Direito-Tributário, Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil – Delegado do Sindireceita Florianópolis/SC.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

 

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