Constituinte do Chile apresenta nova Carta Magna nesta segunda; veja detalhes

Elisa Loncón, primeira presidenta da Convenção Constitucional, e a atual líder da constituinte, María Elisa Quinteros seguram versão final da nova carta magna do Chile – Convenção Constitucional

A Convenção Constitucional do Chile apresenta nesta segunda-feira (4) o texto final da nova carta magna para o país. O texto estará sob consulta nos próximos dois meses e deverá passar por um novo plebiscito no dia 4 de setembro para entrar em vigência.

Desta forma, o Chile encerra o processo constitucional iniciado em 2019, com o acordo de paz assinado em novembro, que deu fim às maiores manifestações da história recente do país. O pacto previa a realização do plebiscito constitucional em outubro de 2020, que acabou dando início ao processo constituinte com cerca de 5,8 milhões de votos – 78% disseram “sim”.

Esta foi a primeira constituição escrita por um organismo com paridade de gênero: 155 constituintes foram eleitos por voto popular para elaborar o novo texto e abandonar a carta magna vigente desde a época da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

“Vamos finalizando uma fase para iniciar outra: a etapa em que cada um dos chilenos e chilenas deverá decidir, com consciência e informados, teremos uma nova constituição justa para o Chile”, disse a presidenta da Convenção Constitucional, María Elisa Quinteros Cáceres. 

Após um ano de debate, a nova constituição possui 390 artigos e está dividida em dez eixos.

O preâmbulo da nova Carta Magna inicia dizendo “nós, povo do Chile, conformado por diversas nações, nos outogramos livremente esta Constituição, acordada num processo participativo, paritário e democrático”.

Todas as medidas foram aprovadas por pelo menos 75% dos constituintes para serem incluídas na redação final. Veja quais são as principais novidades da nova proposta de Constituição:


Povo Mapuche é maioria entre os 12,8% da população indígena do Chile e teve direito a 7 cadeiras na Convenção Constitucional / Teia dos Povos

Estado Plurinacional

Embora existam dez etnias indígenas no Chile, que representam cerca de 12,7% da população, o Estado não reconhece a existência de povos indígenas como nacionalidades distintas. Dessa forma, estas comunidades estão impedidas de ter reconhecidos na atual Constituição seus próprios sistemas jurídico, representativo, eleitoral, entre outros.

Na nova Constituição está previsto que o Chile seja reconhecido como um Estado plurinacional. “As entidades territoriais e seus órgãos reconhecem, garantem e promovem o reconhecimento político e jurídico dos povos e nações pré-existentes ao Estado que habitam o território: sua sobrevivência, existência e desenvolvimento harmônico; a distribuição equitativa do poder; uso, reconhecimento e promoção das línguas indígenas”, diz o texto aprovado pelo plenário.

Desta forma, serão reconhecidos como emblemas nacionais os símbolos e bandeiras das nações Mapuche, Aymara, Rapa Nui, Lickanantay, Quechua, Colla, Diaguita, Chango, Kawashkar e Yaghan, Selk’nam.

“Tivemos momentos difíceis, como a natureza, vivemos invernos duros, mas podemos dizer que estamos prontos para florescer numa primavera”, disse Elisa Loncón, líder mapuche e primeira presidenta da Convenção Constitucional.

As principais zonas habitadas pelos povos Mapuche, o chamado Wallmapu, ao sul do território, e Aymara, ao norte, também estão militarizadas pelos carabineros — polícia militar chilena. 

Democracia Participativa

O novo texto reconhece o Chile como uma “república solidária, inclusiva e paritária”, com valores irrenunciáveis de “liberdade, igualdade substantiva entre os seres humanos”.

Determina que cada organismo estatal deva incentivar a participação ativa dos cidadãos. Também cria-se a possibilidade e que novas leis de iniciativa popular sejam propostas ao Poder Legislativo, desde que tenham apoio de 3% do eleitorado.

Já para derrubar uma norma será necessário o apoio de 5% dos eleitores para iniciar um referendo de revogação total ou parcial de uma ou mais leis. O novo texto também prevê a realização de novos referendos constitucionais, que deverão ter apoio de 10% dos eleitos, para iniciar um processo de reforma da constituição.


Os constituintes chilenos organizaram apresentações públicas para mostrar aos cidadãos detalhes da nova carta magna que deve ser aprovada em plebiscito popular em setembro / Convenção Constitucional

Reforma entre poderes

A nova carta magna propõe que haja paridade de gênero em todos os poderes do Estado. O Legislativo será formado por duas câmaras paritárias com 155 parlamentares eleitos por voto direto.

Também indica a criação de Câmaras Regionais com três representantes eleitos.

O Executivo continuará sendo regido por um sistema presidencial, com mandato de quatro anos e possibilidade de reeleição imediata – a regra não se aplica ao atual presidente Gabriel Boric.

Ao Poder Judicial serão incorporados os tribunais de instâncias: civis, penais, da família, do trabalho; assim como cortes de apelação e a Corte Suprema. O Conselho de Justiça estará encarregado de nomear os magistrados e gerir o judiciário.

O Estado também irá reconhecer o sistema de justiça dos povos originários e incorporá-lo em pé de igualdade.

O texto também prevê a desmilitarização da polícia, remodelando os carabineros, que estarão sob comando do ministério do Interior. Já as Forças Armadas estarão sob direção do ministério da Defesa, e terão a finalidade de defender a soberania nacional ante ameaças externas.


Maioria dos constituintes eleitos não pertence a nenhum partido político e deverão redigir nova carta magna para substituir texto atual que já completou 40 anos / Prensa Latina

Finanças do Estado

O Chile foi considerado um laboratório do modelo neoliberal que tornou-se hegemônico a partir dos anos 70. Ainda que a nova constituição aumente as funções de fiscalização do Estado sob as finanças, ela mantém a autonomia do Banco Central.

Saúde, Educação e Previdência

A proposta de nova Constituição reconhece o acesso à saúde e educação como direito de todos. Propõe a criação do Sistema Nacional de Saúde com financiamento público e acesso universal. O setor privado também deverá ter seus preços e procedimentos fiscalizados pelo Estado.

O acesso à educação também será universal e o texto é claro ao proibir que as instituições educativas tenham lucro. Determina que a educação deve ser laica, gratuita, de qualidade e não sexista.

O texto também altera o sistema previdenciário, que hoje é baseado nas Administradoras de Fundos de Pensão (AFPs) – instituições privadas que controlam as economias dos trabalhadores e as usam para reinvestir na bolsa de valores. A nova Carta Magna determina que a seguridade social deve ser baseada na universalidade, solidariedade e o financiamento deve vir dos trabalhadores e das empresas, através de impostos.


Mulheres foram protagonistas de atos populares no Chile, Argentina e Colômbia durante a pandemia / Martin Bernetti / AFP

Igualdade de gênero

A nova constituição determina que todos os organismos dos Estado, assim como as empresas públicas, devem ser compostos 50% por homens e 50% por mulheres.

Ainda descreve que o Estado é responsável por garantir e promover uma vida livre de violência de gênero. Portanto, prevê o direito à identidade a todos e todas.

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Direitos sexuais e reprodutivos

Esta será a primeira Constituição chilena a reconhecer direitos sexuais e reprodutivos, o que significa que as pessoas são livres para decidir de forma autônoma sobre o próprio corpo e o exercício da sexualidade, reprodução, prazer e anticoncepção.

Dessa forma, o novo texto prevê o direito à interrupção da gravidez de forma voluntária, livre, segura e acompanhado por equipes multiprofissionais dentro do sistema público de saúde.

Em setembro do ano passado, a Câmara dos Deputados do Chile há havia reconhecido o direito ao aborto até a 14ª semana de gestação. A proposta continua sob análise do Senado. Na mesma época em que o PL foi aprovado pelos deputados, uma pesquisa da empresa Ipsos apontava que 73% da população defendia o direito ao aborto e 41% acreditavam que ele deveria ser completamente legalizado.


A nova constituição chilena determina o fim das ‘zonas de sacrifícios’ – áreas que tiveram o ar e a água comprometidos pela atividade extrativista / Alberto Peña / AFP

Questão ambiental

Pela primeira vez uma Constituição reconhece os direitos da natureza. O texto identifica que o mundo atravessa uma emergência climática e que é responsabilidade do Estado diminuir as ações que poluem, desmatam ou destroem a diversidade ambiental.

Também afirma que o Estado deve garantir o acesso universal à água e ao saneamento básico, criando um estatuto constitucional das águas para retomar ao controle público. Durante a ditadura de Pinochet os rios chilenos foram privatizados para empresas transnacionais de mineração. A nova lei propõe a criação de uma Agência Nacional de Água que deverá outorgar licitações para uso das fontes de água naturais. Da mesma forma, o organismo deverá proteger os glaciares e zonas de proteção.

O novo texto constitucional também sugere a criação do Estatuto Constitucional dos Minerais para proteger todas as fontes de minérios do país. A mineração é responsável por cerca de 15% do PIB nacional e representa 60% das exportações do país, com destaque para o lítio e o cobre.

Decisão popular

Embora todo o processo tenha contado com ampla participação popular, as últimas pesquisas de opinião apontam que a nova proposta constitucional poderia ser rejeitada. Segundo a pesquisa de junho da empresa Cadem, 45% disse que votaria “não”, enquanto 42% dos entrevistados votaria “sim” para a nova Carta Magna. No entanto, 50% disse que acredita que vencerá o “aprovo” no plebiscito do dia 4 de setembro. Cerca de 13% dos entrevistados disse que não sabia opinar.

Há setores da esquerda convocando o voto nulo como uma crítica à ausência de orçamento público para implementar reformas contidas na constituição, assim como a permanência de pessoas detidas durante os protestos de 2019.

Diante da propaganda midiática contrária ao texto, alegando que os constituintes não estariam preparados para escrever uma nova constituição, o presidente Gabriel Boric convocou todos a “não acreditar em mentiras” e a “ler com atenção” o novo texto constitucional.

O governo chileno também prepara projetos de emendas à atual constituição, caso a nova carta magna não seja referendada no plebiscito.

Edição: Thales Schmidt

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