A posição da presidenta Dilma Rousseff de regular apenas o aspecto econômico da mídia é limitada, mas reabre o debate interditado, diz Bia Barbosa
Por Najla Passos.
Brasília – A notícia veiculada, esta semana, de que a presidenta Dilma Rousseff vai encampar a bandeira da regulação econômica da mídia, já definida como questão central da agenda brasileira pelo PT e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, animou os movimentos sociais que lutam pela democratização da comunicação. A avaliação é que o debate público sobre o tema será, finalmente, travado de forma apropriada, plural e democrática.
Mas o fato de a presidenta continuar se negando a enfrentar a questão da regulação de conteúdo preocupa. “Se, por um lado, o debate pode começar a ser desinterditado com essa posição da presidenta, ela também demonstra uma incompreensão do governo federal sobre o conjunto de mecanismos de regulação que estão disponíveis e, inclusive, já estão previstos na legislação brasileira”, alerta Bia Barbosa, da coordenação do Coletivo Intervozes e da executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
De acordo com a ativista, a confusão entre regulação de conteúdo e censura é, historicamente, um dos principais entraves para o debate. “A censura significa uma forma de regulação, mas nem toda regulação é censura. Nem toda regulação de conteúdo é censura. Então, a gente precisa aproveitar o momento do debate público sobre o tema para desconstruir essa ideia. É o desafio que está colocado para o movimento social”, avalia.
Carta Maior – Como os movimentos sociais que lutam pela democratização da comunicação receberam a notícia de que a presidenta Dilma pode encampar a luta pela regulação econômica da mídia?
Bia Barbosa – O debate estava bloqueado justamente por causa do discurso que a presidenta fazia de que o único controle possível era o controle remoto. E essa mudança de postura reabre a possibilidade do debate público. Por outro lado, a posição dela, ao mesmo tempo que expõe a importância da regulação econômica dos meios de comunicação, traz um equivoco significativo, porque volta a fazer confusão conceitual entre regulação e censura. Ao mesmo tempo em que ela afirma que vai começar a estudar a possibilidade de fazer a regulação econômica dos meios de comunicação de massa, ela fala que a regulação de conteúdo é impensável, porque isso é censura.
CM – Para ficar bem claro, qual a diferença entre a regulação econômica e regulação de conteúdo?
BB – Quando você fala em regulação econômica, você fala de uma regulação que enfrenta aspectos como concentração da propriedade dos meios, de quantos meios cada grupo econômico pode controlar. E também se esses grupos de comunicação podem controlar, ao mesmo tempo, concessionárias de rádio, de televisão e também jornais e revistas, por exemplo.
Em relação à regulação de conteúdo – e aí está o equívoco da presidenta – é preciso dizer que o Brasil já faz isso, uma prática recorrente em democracias muito mais avançadas do que a nossa. Um exemplo do que é regulação de conteúdo é você determinar que o tempo máximo de publicidade na grade de programação de uma emissora é 25%. E isso está colocado no Código Brasileiro de Telecomunicações. Você instituir que todos os canais têm que destinar 25% do seu tempo a conteúdo jornalístico também é regulação de conteúdo. Você determinar que os programas têm que exibir uma faixa de classificação indicativa, é regulação de conteúdo. Quando a Constituição brasileira diz que tem que haver um percentual de produção regional e um percentual de produção independente, é regulação de conteúdo. E nada disso tem a ver com censura.
CM – Então, a posição da presidenta sobre regulação econômica reabre o debate, mas o entendimento sobre regulação de conteúdo permanece equivocado?
BB – Se por um lado o debate pode começar a ser desinterditado com essa posição da presidenta, ela também demonstra uma incompreensão do governo federal sobre o conjunto de mecanismos de regulação que estão disponíveis e, inclusive, já estão previstos na legislação brasileira. Quando a Constituição diz qual é o percentual de produção regional, qual é o percentual de produção independente que deve ser exibido na programação das emissoras, a Constituição diz que é preciso regular certos aspectos. Mas o governo acha que regular conteúdo é censura.
CM – Como os movimentos sociais vão atuar neste novo contexto?
BB – Os movimentos sociais precisam aproveitar essa desinterdição do debate para informar a população sobre o que significa a regulação dos meios de comunicação de massa. Porque a censura significa uma forma de regulação, mas nem toda regulação é censura. Nem toda regulação de conteúdo é censura. Então, a gente precisa aproveitar o momento do debate público sobre o tema para desconstruir essa ideia. É o desafio que está colocado para o movimento social.
E essa é uma oportunidade também para trazer à tona a proposta que a sociedade civil construiu de novo marco regulatório, que traz propostas tanto do ponto de vista da regulação econômica da mídia, quanto do ponto de vista da regulação do conteúdo e outros aspectos. Traz propostas como, por exemplo, a necessidade da complementareidade dos sistemas público, privado e estatal, que é um dos aspectos da regulação dos meios de comunicação de massa. E sobre a criação de mecanismos de participação social da sociedade civil na definição das políticas públicas, que inclui a proposta de criação de um Conselho Nacional de Comunicação.
A proposta contida no projeto de lei popular da Mídia Democrática vai além desses dois grandes eixos de regulação econômica e de conteúdo. Ela apresenta um conjunto de medidas amplas para o funcionamento do setor midiático no Brasil. E todas essas questões podem ser colocadas em um cenário em que esse debate não é mais proibido. Se a gente conseguir, a partir dessa declaração da presidenta Dilma, abrir o debate público sobre regulação dos meios de comunicação de massa no Brasil, finalmente a gente vai poder fazer essa discussão de forma apropriada, plural e democrática.
CM – A campanha pela Lei da Mídia Democrática segue firme? Vocês já conseguiram as assinaturas necessárias para apresentá-la ao parlamento como projeto de lei de iniciativa popular?
BB – A campanha já coletou cerca de 100 mil assinaturas. A gente sabe que o desafio é muito grande, porque são necessárias 1,3 milhão. E a campanha continua, inclusive com um calendário para o período eleitoral. Nós queremos apresentar a Lei da Mídia Democrática para os candidatos ao parlamento brasileiro, à presidência da república, porque a gente espera que haja um compromisso desses candidatos com a democratização da mídia no Brasil. Agora, este cenário dessa declaração da presidenta Dilma, nós acreditamos que vai ajudar a campanha, porque torna público o debate, as pessoas vão se interessar em debate-lo e mais gente vai poder conhecer o projeto de lei da Mídia Democrática. É uma conjuntura que começa a se mostrar mais favorável do que vinha sendo até agora. Então, é o momento do movimento social se organizar de fato para colocar a campanha na rua.
Fonte: Carta Maior.