Conheça a história de José Marti, um dos maiores heróis cubanos

Cuba comemora em janeiro o nascimento do homem que "pensou Cuba"

Por Lydia Hidalgo

Por Gabriel Vera Lopes
Edição Rodrigo Durão Coelho

“A morte não é verdadeira quando o trabalho da vida foi bem realizado”, escreveu José Martí pouco antes de sua morte, em 19 de maio de 1895. “O mais universal dos cubanos”, resumiu Fidel Castro, um de seus mais famosos admiradores e discípulos.

Nascido em Havana no dia 28 de janeiro de 1853, desde cedo Martí dedicou sua vida à literatura, à batalha de ideias e à luta pela emancipação.

Marti foi um revolucionário cubano considerado um dos mais importantes escritores de língua espanhola do século 19 e um dos principais educadores do continente.

Cem anos após seu nascimento, em 1953, Cuba estava passando por uma ditadura feroz liderada pelo general Fulgêncio Batista e apoiada pelo governo dos Estados Unidos. Nesse contexto, um grupo de estudantes e jovens organizou uma mobilização que partiu dos degraus da Universidade de Havana com milhares de tochas nas mãos. A mobilização foi liderada por Fidel Castro, um jovem advogado recém-formado, que denunciou os ultrajes do regime.

Desde o triunfo da revolução, ano após ano, essas tochas têm sido acesas todas as noites em 26 de janeiro, aguardando a chegada do aniversário de Martí. Como todos os anos, milhares de pessoas marcharam em diferentes partes de Cuba para comemorar a vida de um dos pais da independência do país.

“Marti é, entre outras coisas, o homem que nos ajudou a imaginar Cuba. De fato, grande parte do que pensamos que Cuba é hoje, mas também do que imaginamos que possa ser no futuro, deve-se a Martí”, explica Ernesto Teuma Taureaux, professor de Teoria Política e membro do Coletivo La Tizza.

“Para a maioria dos cubanos, Martí é quase uma segunda natureza. Algo que não conseguimos definir bem. José Lezama Lima, um escritor cubano, diria que ele é o mistério que nos acompanha”, acrescenta.

Teuma ri dizendo que a maioria dos estrangeiros que visita Cuba fica surpresa com o número de bustos de Martí em todos os cantos da ilha. “Muitos acham que chegarão a um país cheio de estátuas de Fidel e ficam surpresos ao ver que não há nenhum monumento a Fidel. E, no entanto, há bustos de um homem com testa larga e bigodes por toda parte”.

“Martí foi um exilado que viveu em Cuba por um período muito curto. No entanto, toda a sua vida foi dedicada à luta não apenas pela independência cubana, mas também pela emancipação humana. Grande parte de sua vida transcorreu caminhando pela América Central e do Sul, e inclusive chegou a morar nos Estados Unidos. Mas ele também era um viajante em sua poesia, em sua escrita, em seu jornalismo”, acrescenta.

Com apenas 15 anos de idade, Martí publicou a primeira edição do jornal La Patria Libre, juntando-se aos esforços na luta pela independência cubana. Ali, publicou um longo poema dramático intitulado Abdala, no qual oferece uma primeira visão do significado da pátria que permaneceria com ele até seus últimos dias.

“O amor, mãe, pela pátria / Não é o amor ridículo pela terra, / Nem pela grama que nossas plantas pisam; / É o ódio invencível dos que a oprimem, / É o ressentimento eterno dos que a atacam”, escreve o jovem poeta.

Por volta de 1869, quando La Patria Libre foi publicado, o ciclo de guerras de independência já havia conseguido romper com o colonialismo em várias regiões do continente. Entretanto, naqueles anos, os países do Caribe insular ainda estavam sob o controle das potências imperialistas. Foi nesse contexto que eclodiu em Cuba a chamada Guerra dos Dez Anos (1868-1878), uma das primeiras tentativas de independência que sacudiram a ilha.

Sua participação no jornal pró-independência fez com que Martí fosse acusado de “traição” e condenado a seis anos de prisão. Sendo muito jovem, Marti foi obrigado a realizar trabalhos forçados na prisão, onde foi submetido à tortura que o sistema penitenciário costumava impor aos prisioneiros.

No entanto, devido à sua pouca idade, seus pais conseguiram que a sentença do jovem fosse trocada por uma deportação para o Reino da Espanha. Lá, o jovem conseguiu estudar direito e filosofia, enquanto seu compromisso com as causas do povo o levou a se envolver em círculos republicanos e ao nascente movimento operário que ganhava força na Europa.

Ligado aos grupos revolucionários da época, que lutavam tanto contra o colonialismo espanhol quanto contra o avanço dos Estados Unidos na região, Martí retornou a Cuba em 1878. No entanto, sua atividade política fez com que fosse deportado novamente.

“Em cada uma de suas viagens, Martí foi capaz de aprender muito, deixando isso em seus escritos. Durante sua permanência nos Estados Unidos, ele escreveu sobre a grandeza e a miséria do país, que ele chamou de ‘a Roma de nossos dias’. Muito cedo, ele percebeu que no próprio desenvolvimento dos Estados Unidos havia um destino de conquista do continente americano em geral e do Caribe em particular”, reflete Teuma.

Em 1880, Marti se estabeleceu em Nova York, onde começou a trabalhar na Liga de Instrução, uma instituição educacional para trabalhadores de origem cubana e porto-riquenha. Anos mais tarde, Marti escreveria sobre essa experiência: “A Liga de Nova York é uma casa de educação e afeto, embora aquele que diz educar já diz amar. Na Liga, após o cansaço do trabalho, encontram-se aqueles que sabem que só há verdadeira felicidade na amizade e na cultura. Aqueles que sentem, ou vêem por si mesmos, que ser de uma cor ou de outro não diminui a sublime aspiração do homem. Aqueles que não acreditam que ganhar o pão em um ofício dá a um homem menos direitos e obrigações do que aqueles que o ganham em qualquer outro”.

Em 1889, em Nova York Martí publicou La Edad de Oro (A Idade de Ouro), revista infantil que chegou a publicar quatro edições. A revista foi publicada em espanhol e, no editorial da primeira edição, Martí afirma que “La edad de oro é publicada para que as crianças americanas possam saber como a vida era vivida antes e como é vivida hoje na América e em outras terras. Trabalhamos para as crianças, porque as crianças são as que sabem amar, porque as crianças são a esperança do mundo, e queremos que elas nos amem e nos vejam como coisas de seu coração”.

No conceito de Martí, América se refere ao continente americano e ao Caribe. A Idade de Ouro é um trabalho pioneiro no tratamento das crianças com dignidade e na ligação do conhecimento emancipatório com as narrativas das crianças. Na pedagogia e no trabalho de Marti, o respeito pelas identidades e culturas dos povos desempenha um papel central.

A primeira edição inclui o texto “Three Heroes” (Três heróis), no qual Marti conta a história de três lutadores pela independência: Miguel Hidalgo, do México; Simon Bolivar, da Grã-Colômbia; Jose de San Martin, do Cone Sul.

“Durante a batalha de ideias, as crianças cubanas recebiam uma edição do livro A Era de Ouro quando chegavam à sexta série”, diz Ernesto Teuma. “A Idade de Ouro é visivelmente um projeto político-pedagógico. Nele, Martí tenta colocar na linguagem mais simples possível um conjunto de problemas emancipatórios. Desde os heróis da independência até uma explicação do que é o materialismo com uma história chamada a história do homem contada por suas casas”, acrescenta.

Durante seus anos nos Estados Unidos, Martí tornou-se um escritor reconhecido internacionalmente. Ele publicou nos principais jornais internacionais da época. No entanto, apesar de poder ter vivido uma vida confortável como escritor, Martí decidiu manter seus vínculos com as lutas dos povos oprimidos. Em janeiro de 1892, ele fundou o Partido Revolucionário Cubano (Partido Revolucionário Cubano), do qual escreveu os estatutos e as bases. Também fundou seu principal órgão de pensamento e divulgação: o jornal Patria.

Imediatamente depois, entre 1893 e 1894, como líder do Partido Revolucionário Cubano, Martí viajou para cidades dos Estados Unidos e da América para reunir diferentes líderes políticos e militares que haviam participado da Guerra dos Dez Anos (1868-1878) a fim de retornar a Cuba para continuar a luta pela independência.

Como líder proeminente do partido, ele retornou a Cuba para participar do levante pela independência em 1895. No fervor da insurreição, ele escreveu um dos documentos revolucionários mais importantes da época: o Manifiesto de Montecristi. Um programa revolucionário para a nova guerra de independência. O texto, escrito em conjunto com Máximo Gómez, leva o nome da cidade dominicana de Monti Cristi, onde foi escrito. Nele, é estabelecida uma relação entre o processo de independência e a revolução social, entendendo a guerra revolucionária não apenas como um processo contra o domínio externo que oprimia o país, mas também como uma forma de construção histórica de uma nação plebeia, de um país de e para todos aqueles que deram seu sangue na luta pela emancipação.

Em 19 de maio de 1895, na cidade de Dos Ríos, a cavalo e com o sol na testa, uma bala atingiu José Martí no peito. Ali, no campo de batalha, a morte finalmente encontrou o homem que, com apenas 15 anos de idade, havia escrito em seu poema Abdala: “Oh, como é doce morrer quando se morre / Lutando corajosamente para defender a pátria”.

“A coisa mais útil sobre Martí hoje é sua imagem de lutador. Um lutador que pensa na política como uma arte estratégica”, reflete Ernesto Teuma. “O Martí que pensa na pequena pátria, que é Cuba, mas sempre dentro da estrutura da Nuestramerica. Uma palavra que ele cunhou em um ensaio famoso. E, sobretudo, uma luta americana que não é apenas pela nossa segunda independência, desta vez definitiva, mas também pelo equilíbrio do mundo. Martí, neste século 21, é um pensador global de todos aqueles que lutam pela emancipação. E Martí hoje, é claro, nos acompanha cada vez mais”.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.