Por Alex Mirkhan
Para agilizar as respostas à catástrofe provocada pela enchente que assolou Petrópolis (RJ) no último dia 15, políticos de diversas correntes mobilizaram quase R$ 30 milhões em emendas parlamentares ainda na semana passada e, nesta segunda-feira (21), criaram uma comissão externa, liderada pelo senador Wellington Fagundes (PL-MT), para acompanhar os desdobramentos da tragédia.
As cenas de destruição e pânico em Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, se espalharam pelo Brasil e pelo mundo desde o início da semana passada. Com mais de 200 mortes já confirmadas, é a maior tragédia já causada pelas chuvas na história da primeira cidade planejada do país. Ambientalistas alertam que situações como essa devem se repetir e não ficarão restritas à acidentada Serra Fluminense.
Afinal, cerca de 8 milhões de brasileiros vivem em encostas e áreas de risco, de acordo com estudo sobre avaliação de risco feito em parceria entre o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais. A situação é ainda mais grave na região Sudeste, onde 10% da população vive em áreas apontadas como de alto risco.
Mobilização de parlamentares
Hugo Leal (PSD-RJ), cuja boa parte do eleitorado vive na Serra Fluminense, foi quem destinou mais dinheiro, R$ 4,8 milhões, “para garantir um melhor atendimento às vítimas em termos de saúde e assistência social, áreas que serão sobrecarregadas, e reforçar a defesa civil”, informou sua assessoria.
O calor dos acontecimentos também fez ressurgir nos corredores do Congresso Nacional o debate sobre projetos de lei (PL) e emendas que pudessem dar respostas mais efetivas às mudanças climáticas. O sistema da Câmara dos Deputados indica a existência de mais de 60 PLs, parados ou em tramitação, que voltaram à pauta no fim do ano passado a pedido do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), após os alagamentos decorrentes dos temporais no sul da Bahia.
Ambientalistas consideram positivas as movimentações legislativas para atacar um problema tão ignorado pelo próprio Congresso e pelo governo federal, que são os efeitos do aquecimento global. Porém, há certo ceticismo quanto à aplicação de leis voltadas à preservação do meio ambiente, como aponta Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama (2016-2018).
“O mais importante é aplicar a legislação que já existe, como por exemplo a que versa sobre a Defesa Civil. Ela prevê o mapeamento pelas municipalidades das áreas de risco, para não deixar a cidade expandir para essas áreas. Então, já existe uma legislação que, na verdade, carece de aplicação, e não de ajustes no Congresso”, defende.
O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) também acredita que a Defesa Civil possui as atribuições corretas, mas lamenta que “não tenha um centavo” para aplicar em monitoramento, obras de prevenção e remoção de moradores de áreas de risco. Ele também é autor do PL 294/22, que propõe a criação de um fundo para agilizar o repasse de recursos às áreas atingidas.
Grupo de estudos
A bancada petista protocolou, nesta segunda-feira (21), um pedido para a criação de um grupo de estudos para analisar o projeto de forma multidisciplinar e para costurar acordos. Lopes defende que a ideia seja tratada com urgência e levada diretamente ao Plenário.
“Hoje, eu defendo que esse fundo se concentre em dois grandes objetivos: o primeiro é criar um fundo de 0,5% dos recursos discricionários da União, que dá R$ 7,5 bilhões por ano, para investimento maciço em prevenção (…); e para a indenização dos bens pessoais de quem já foi afetado por calamidades públicas”, explica.
Há diversos outros PLs que trazem soluções diferentes ao problema, como um de 2020 do senador Álvaro Dias (Podemos-PR), que suspende a cobrança de dívidas de pessoas físicas, além de suspender a incidência de juros e multas durante a vigência de Estado de calamidade pública.
Já outra proposta, do deputado Pedro Uczai (PT-SC), prevê medidas para agricultores familiares atingidos por fenômenos naturais, como prorrogação e renegociação de dívidas e indenização por perda de lucros cessantes.
Alessandro Molon (PSB-RJ), deputado que também destinou mais de R$ 1 milhão para Petrópolis, também apresentou, em 2020, o chamado PL da Mudança Climática, que determina uma série de medidas para adaptação e mitigação climática até 2050. “Ou agimos agora, ou será tarde demais para reverter o quadro desesperador apresentado pela comunidade científica”, alerta.
Negacionismo
Com o fenômeno La Niña mais severo este ano, as fortes chuvas também causaram alagamentos e destruição no sul da Bahia, em Minas Gerais e no nordeste de Goiás, além de secas severas no Rio Grande do Sul. De acordo com o porta-voz do Greenpeace Brasil, Rodrigo Jesus, a mentalidade que impera no país é de agir em momentos de emergência, e não na prevenção.
“Aproveitando essa característica, o Greenpeace criou uma petição para pressionar os governadores a decretar estado de emergência climática. Além de uma série de medidas que o gestor precisaria tomar nesse caso, esse também seria um gesto para demonstrar a importância da prevenção”, afirma Jesus.
Ele também contesta a versão difundida por Jair Bolsonaro (PL-RJ), seus ministros e apoiadores, de que as medidas sugeridas pela ciência seriam empecilhos ao desenvolvimento do país. Segundo ele, o governo federal é adepto a um negacionismo científico que ignora os acordos internacionais dos quais o próprio país é signatário.
“Em 2021, chegamos a um corte de 93% nos gastos para estudos e projetos de mitigação às mudanças climáticas, uma desaceleração em investimentos que começou em 2016, quando R$ 20,7 milhões foram aportados. Em 2020, apenas R$ 659 mil foram destinados a esses estudos”, elucida.
As prioridades indicadas por Bolsonaro e pelos ministros que já passaram pelo Ministério do Meio Ambiente – Ricardo Salles e, atualmente, Joaquim Leite – vão em sentido oposto à preservação da natureza, de acordo com ambientalistas ouvidos pelo Brasil de Fato. Eles mencionam também que o apoio massivo do Parlamento atual a esse tipo de agenda contribui para “o projeto de destruição” do governo, com a aprovação de pautas consideradas “nocivas”.
Suely Araújo enumera alguns dos projetos aprovados recentemente, como os chamados PL do Veneno e PL da Grilagem, que segundo ela, “vão estimular o aumento do desmatamento, que já responde a 46% das nossas emissões de gases do efeito estufa”. A urbanista também acha que, apesar da preocupação surgida após comoção na opinião pública com relação a Petrópolis, o Congresso está criando “condições cada vez piores” para enfrentar eventos extremos da natureza.
“A Câmara aprovou na semana passada uma lei delegando aos municípios a normatização das faixas de proteção de vegetação ao longo dos cursos d’água, e essas faixas protegem a população de inundações. Essa questão é a mesma que acontece na região serrana do Rio de Janeiro”, exemplifica Suely ao mencionar uma das causas apontadas para os eventos trágicos em Petrópolis.
Cultura da urgência
A omissão e a negligência com ações preventivas também são frequentes na política nacional, “porque não dão votos e aparecem menos do que a construção de algo concreto, visível e imediato”, indica Suely. Jesus acrescenta que falta cultura voltada à prevenção, de forma geral, também em gestões estaduais e municipais.
O ativista menciona um levantamento publicado em 2020 pela organização internacional sem fins lucrativos Carbon Disclosure Project (CDP), especializada em estimular negócios livres de carbono, no qual apenas 7 dos 26 estados brasileiros, fora o Distrito Federal, declararam ter planos para enfrentar as mudanças climáticas.
“Acredito que essa ideia da urgência tem que acabar no país. Até mesmo quando temos uma gestão com noção de plano estratégico – que não é o caso do governo Bolsonaro –, ela é de 4 anos, de curto prazo. Não pensamos a longo prazo e nem temos projeto de país”, reclama Jesus, que defende a adoção de um projeto longevo e que tenha a crise climática como uma preocupação basilar.
Por outro lado, o deputado Lopes reforça que as pessoas “vivem nos municípios, e não na União”. Portanto, caberia às gestões locais a responsabilidade sobre o mapeamento, controle e ações afirmativas para salvaguardar os moradores de áreas mais vulneráveis.
“É importante ter uma política que destine recursos aos municípios e permita que eles façam o planejamento urbano e refaçam a estrutura da cidade. Aí sim, se, com um fundo, esses gestores não tomarem as providências para evitar a perda de vidas, eles podem depois ser julgados e condenados criminalmente do ponto de vista administrativo e penal”, reforça Lopes.
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