A mais recente participação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em mais uma manifestação, em Brasília, neste domingo (3), em favor de um golpe com intervenção militar e fechamento do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal) provocou amplo repúdio da classe política e de representantes do Judiciário, além de entidades da sociedade civil organizada.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fez uma das manifestações mais veementes. “Ontem enfermeiras ameaçadas. Hoje jornalistas agredidos. Amanhã qualquer um que se opõe à visão de mundo deles. Cabe às instituições democráticas impor a ordem legal a esse grupo que confunde fazer política com tocar o terror“, disse o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia.
Durante a manifestação com ataques ao STF e ao Congresso, Bolsonaro disse estar junto com as Forças Armadas e “ao lado do povo” e deu declarações consideradas intimidatórias e mais uma ameaça à normalidade democrática por parte do presidente. “Peço a Deus que não tenhamos problemas essa semana. Chegamos no limite, não tem mais conversa. Daqui pra frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço, e ela tem dupla mão”, afirmou Bolsonaro, em declaração transmitida ao vivo neste domingo (3) em rede social.
Agressão a jornalistas
No ato, que também provocou grande aglomeração em frente ao Planalto, profissionais de imprensa foram agredidos por apoiadores de Bolsonaro. O fotógrafo Dida Sampaio e motorista Marcos Pereira, do O Estado de S.Paulo, receberam chutes e socos e precisaram deixar o local escoltados pela Polícia Militar. No sábado, um protesto de profissionais de enfermagem também foi atacada violentamente por bolsonaristas.
Maia prestou solidariedade aos jornalistas e profissionais da saúde agredidos por apoiadores de Bolsonaro em manifestações no fim de semana e disse esperar que a Justiça seja célere para punir esses criminosos. “No Brasil, infelizmente, lutamos contra o coronavírus e o vírus do extremismo, cujo pior efeito é ignorar a ciência e negar a realidade. O caminho será mais duro, mas a democracia e os brasileiros que querem paz vencerão”, afirmou o presidente da Câmara.
Também houve manifestação de ministros do STF. Luiz Roberto Barroso defende o jornalismo profissional para combater o ódio, a mentira e a intolerância.
Já o ministro Alexandre de Moraes disse que as agressões devem ser repudiadas pela covardia do ato e pelo ferimento à Democracia e ao Estados de Direito. “As agressões contra jornalistas devem ser repudiadas pela covardia do ato e pelo ferimento à Democracia e ao Estado de Direito, não podendo ser toleradas pelas Instituições e pela Sociedade”, escreveu Moraes, no Twitter.
A ministra Cármen Lúcia disse que “quem transgride e ofende essa liberdade de imprensa, ofende a Constituição”. “Lamento a informação de ter havido agressão a jornalistas em um dia tão significativo para imprensa como hoje. É inaceitável, inexplicável, que ainda tenhamos cidadãos que não entenderam que o papel do profissional de imprensa é o que garante a cada um de nós poder ser livre. Estamos, portanto, quando falamos da liberdade de expressão e de imprensa, no campo das liberdades, sem a qual não há respeito à dignidade”, disse.
Gilmar Mendes afirmou que “agressão à liberdade de expressão é agressão à própria democracia”.
Liberdade de imprensa
A Abraji repudia a agressão em nota e destacou o fato de este domingo foi no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Também em nota, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) condenou veementemente as agressões sofridas por jornalistas e pelo motorista do jornal O Estado de S.Paulo.
“Além de atentarem de maneira covarde contra a integridade física daqueles que exerciam sua atividade profissional, os agressores atacaram frontalmente a própria liberdade de imprensa. Atentar contra o livre exercício da atividade jornalística é ferir também o direito dos cidadãos de serem livremente informados”, escreveu.
A ANJ disse esperar que as autoridades responsáveis identifiquem os agressores e que eles sejam levados à Justiça para serem punidos na forma da lei.
Governadores
Durante o dia o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), voltou a se manifestar sobre os episódios deste domingo em Brasília. Em publicações nas redes sociais, disse que “milicianos ideológicos” precisam ser punidos como criminosos.
“Milicianos ideológicos agridem covardemente profissionais de saúde num dia. Agridem profissionais de imprensa no outro. São criminosos que atacam a democracia e ferem o Estado de Direito. A Justiça precisa punir esses criminosos.”
Mais tarde se dirigiu diretamente ao presidente. “Além de não admitir o contraditório, ainda estimula o povo do seu país na desobediência à saúde e à medicina. O que afronta o direito à vida. Inimaginável um presidente do Brasil sendo um exemplo do mal e conspirador contra a democracia.”
Wilson Witzel (PSC), governador do Rio, também em rede social escreveu que “Alimentar o caos é o único plano de governo do presidente.”
Populismo de direita
O cientista político holandês Cas Mudde, que estuda há quase três décadas a ultradireita, identifica entre os políticos desse matiz desde uma abordagem “estereotipada” – negando a realidade e tentando difundir teorias conspiratórias sobre o novo coronavírus – até ações mais contundentes, ainda que tardias.
Em sua última obra, The Far Right Today (“A Ultradireita Hoje”, sem edição no Brasil), lançada no fim de 2019, Mudde fala sobre a mais recente ascensão do populismo de direita no mundo para o público não especializado no tema.
O presidente brasileiro, para ele, não se encaixa em um grupo específico. “Pelo que pude ver, quando se fala da resposta à covid-19 – ou à falta dela -, Bolsonaro tem uma categoria própria, como o líder de ultradireita mais ignorante e mais isolado do mundo”, diz o professor da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos.
O pesquisador se refere em parte ao fato de Bolsonaro desobedecer deliberadamente as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) – ao sair para visitar estabelecimentos comerciais e cumprimentar apoiadores na rua, negando o risco que o novo coronavírus representa à saúde pública -, enquanto, em paralelo, enfrenta oposição dentro da própria administração, o que culminou com desavenças com os agora ex-ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e da Justiça, Sergio Moro.