Por Priscila Lopes, para Desacato.info.
Concurso literário bom é concurso gratuito. Basta observar: os grandes concursos de literatura não exigem o pagamento de nenhuma taxa de inscrição. Ocorre que muitas pessoas, um pouco por inexperiência e ingenuidade, outro tanto devido à ansiedade de ver um texto seu publicado, muitas pessoas se sujeitam ao pagamento de taxa de inscrição ou, pior, taxa de publicação para participar de concursos literários.
Uma breve pesquisa na internet é capaz de mostrar que há anualmente centenas de seletivas de contos, crônicas e poesias com possibilidade de publicação em antologias e/ou premiação em dinheiro. De vez em quando também – era para ser anualmente, mas – de vez em quando o Ministério da Cultura, por meio da FUNARTE e da Biblioteca Nacional, lança edital para as bolsas de incentivo à literatura que possibilitam até a publicação de livros (triste ter que contar isso como se fosse um favor enorme do Governo aos escritores: vejam, pode-se até publicar um livro!).
Em meio a tantos concursos e seletivas nessa área, infelizmente há muitas ações que visam apenas à captação de dinheiro. A boa notícia é que se você for um escritor atento, facilmente perceberá a má intenção de um concurso e não participará dele. À medida que as pessoas deixarem de cair nessas armadilhas, elas deixarão de existir. Se ninguém mais se sujeitar a pagar pelo direito de concorrer a um reconhecimento literário, só ficarão os bons e gratuitos concursos, bolsas e seletivas da área.
Então, vamos às dicas para evitar os mal intencionados:
– Organização: observe quem está promovendo o concurso. Órgão público recebe verba pública, portanto não deve cobrar nenhuma taxa. Entidades sem fins lucrativos geralmente conseguem apoio financeiro para realização de eventos culturais, então também não costumam fazer exigências financeiras. Instituições privadas lançam editais de literatura para promover sua marca, demonstrar alguma preocupação com a cultura do país, e também não devem cobrar nada por isso.
– Taxa de inscrição: há concursos que cobram por “obra” inscrita e deixam cada participante inscrever quantas quiser. Imagine que centenas de pessoas vão participar com diversos textos. A menos que o prazo para divulgação do resultado do concurso seja de um ano, é muito improvável que todos os textos sejam lidos e avaliados. Há os concursos que cobram 10, 50, até 100 reais para inscrição. Quantas pessoas têm condições de participar? Quantas pessoas, mesmo tendo condições, se sujeitam a pagar por isso? Poucas. Talvez nem cem, nem duzentas. Logo, se a intenção do concurso é selecionar 50 bons textos para publicação, terá que contar com o fato de que todos os inscritos são bons – o que é quase impossível. Sabe-se que, como em qualquer seletiva, concorrem textos ruins, textos medianos e (espera-se!) textos muito bons. Resultado: publica-se uma antologia de textos fracos, muitas vezes contendo erros gramaticais, redundâncias, exageros e muitos clichês. O livro não trará reconhecimento algum àquele que participou.
– Taxa de Publicação: parecido com o caso acima, mas talvez até pior. O edital avisa que se o autor for selecionado terá que pagar cerca de 30 reais por exemplar, e adquirir um número mínimo de 10 ou 20 exemplares da obra. Mesma coisa: concorrem poucas pessoas, o nível dos textos costuma ser razoável ou mesmo triste, e todos que participaram acabam sendo selecionados. Publica-se uma antologia com 100 autores que, tal como o exemplo anterior, não tem reconhecimento literário algum.
Concurso literário decente tem a intenção de atrair bons escritores e servir de panorama à literatura que tem sido feita no País ou região. As antologias podem apresentar um futuro grande escritor. Essas pequenas iniciativas podem ser o impulso a uma linda trajetória literária. Mas para serem bem sucedidas, precisam agir com transparência e profissionalismo. De que vale um concurso literário que, após divulgado seu resultado, não escreve uma nota sobre como foi a avaliação dos textos? Que importância tem o nome de um autor em uma antologia dessas se ele não souber quantos concorreram a ela? Foram selecionados 30, 50 autores dentre quantos? E dentre qual nível de qualidade dos textos?
Uma das características básicas de um escritor é ser crítico. Sejamos críticos e criteriosos não só no momento da escrita, mas também na hora de colocar um texto à prova em concursos de literatura. A internet está cheia de mal intencionados, mas há iniciativas boas também; assim como há bons escritores que por enquanto são só “virtuais”. Sem afobação. Tem espaço pra todo mundo.
Tem razão. Nesse último concurso de minicontos o corpo de jurados selecionou certas obras que qualquer um vê que não tem o menor valor artístico, selecionaram, também, um miniconto que era um plágio disfarçado de uma crônica do Estanislau Ponte Preta. Abraços.
Concordo com você, Raul. Se as editoras não dão atenção aos resultados de concursos, as pessoas tampouco possuem essa cultura de buscar por novos escritores – sem indicação da grande mídia – pesquisar e se interessar por nomes de que nunca ouviu falar; gastar tempo em uma livraria folheando um livro que lhe aparente ser “desconhecido”. Pena.
Querida Priscila:
Na verdade raramente os concursos literários, mesmo os gratuítos, são bons.
Qual grande escritor brasileiro foi premiado em concurso literário? Me vêm um nome na memória: Dalton Trevisan. Dalton foi premiado no I Concurso de Concurso Nacional de Contos do Estado do Paraná em 1968. Desde aquele primeiro, o concurso do Paraná se tornou o mais respeitado e concorrido do Brasil até sua última edição que se deu, se não me falha a memória em 1990. Com certeza apenas lembro de que nesse último fui agraciado como Menção Honrosa, mas também não recordo os nome do ganhador daquele ano.
Por que não lembro quem foi o premiado? Por ser um escritor insuficiente em seu talento e qualidade literária?
Não necessariamente. Como o Trevisan, há bons concorrentes e vencedores nos concursos de contos promovidos no Brasil. E há os sem maiores significados também. Mas vencer um concurso literário do Brasil não quer mais dizer que com isso se conquistará o interesse do público, da crítica ou das editoras que outros tempos beneficiaram o Trevisan.
O que ocorre é que as editoras no Brasil não estão interessadas em talentos literários, tampouco em formar um público leitor. O que interessa às editoras é o sucesso imediato de vendas e isso só o que garante é a promoção da mídia. Isso só ocorre com um Jô Soares, no caso nacional, que tem a sua disposição o maior veículo de divulgação do país. Ou com a autora do Harry Porter que dispõe de todo um aparato de marketing internacional.
O que o Jô Soares e o Harry Porter têm de literatura? Mas as editoras brasileiras não estão interessadas em literantura e, sim, em mercado. Daí que pouco se interessam pelos concursos de contos que, em razão desse desinteresse, perdem a função de revelar novos talentos.
Natural que como empresas, o que não deixam de ser, as editoras busquem publicar livros mais vendáveis do que literários, mas assim mesmo seria de se imaginar que investissem também naqueles que se destacam nestes concursos, apontados por jurados que se espera serem especializados no assunto. Afinal, dessa forma também estariam contribuindo para a formação de um mercado, conquistando novos adeptos para a produção literária nacional. Mas esse tipo de coisa dá algum trabalho e a produtividade empresarial visa lucros imediatos de 1º grau, não trabalho ou preocupações e interesses de outra ordem.
Desculpe me usar como exemplo, mas para meu espanto em 1982 recebi o Prêmio Miguel de Cervantes em poesia. Então, pensei comigo: “Estou consagrado! Todos meus livros sairão da gaveta, afinal o Miguel de Cervantes é um dos mais cobiçados prêmios literários do mundo”. Bem… O prêmio me disponibilizou uma viagem ao Chile pela companhia aérea Ibéria, com hospedagem e tudo o mais, mas só consegui publicar o livro de poesias que resultou dessa viagem porque um amigo arrumou uma editora de fundo de quintal, que ainda hoje promove esses concursos de picaretagem que você comenta, interessada no título da obra: “A Cabeça de Pinochet”. Só depois de publicado o amigo explicou: todo mundo vencia os concursos do sujeito que ganhava na inscrição dos participantes e na edição das obras de cada concorrente, desde que não tivessem nenhum cunho contraditório ao sistema político então vigente: o da ditadura militar.
Acontece que pouco antes Franco Montouro fora eleito ao governo de São Paulo, onde se sediava a editora, e a ditadura findava; daí o esperto precisar mudar a imagem de sua linha editorial e só por isso se interessou pela sugestão do meu amigo e o livro foi editado sem custo algum. Mas também sem qualquer divulgação, promoção ou distribuição como todos os demais que pagavam apenas pela vaidade de ter um livro publicado.
Quando o amigo me revelou as reais intenções daquele editor, fiquei muito aborrecido. Mas depois pensei: quem haveria de se interessar em publicar meu livro pela qualidade que aqueles versos porventura tenham?
Só porque ganhei um Miguel de Cervantes? Isso pode ser muito significativo lá na Europa, mas para editores brasileiros não quer dizer coisa alguma.
A literatura têm tão pouco significado no Brasil que inclusive daqueles que se esperaria maior apreço, como jurados de importantes concursos literários, já testemunhei atitudes bastante desconcertantes. Por exemplo, dos consagrados escritores que compuseram o corpo de jurados do Concurso Unibanco de Literatura de 1979, no qual fui um dos premiados, muito estranhei terem classificado apenas como menção honrosa um conto indubitavelmente melhor do que o meu e de todos os demais premiados. Tão bom que nunca esqueci o título: “Covões de São Brás”
E aqui, nesta nossa Florianópolis, uma verz convidei uma senhora amiga e excelente escritora, regionalmente conhecida, convidando-a a participar de um concurso literário que pela ampla divulgação pela mídia local me parecia sério. Ela riu e me contou ter sido jurada de uma edição anterior do mesmo concurso. Um trabalho cansativo por ter de se ler muitas obras e quando foi comentar com seus colegas do corpo de jurados a que lhe parecia a melhor, se espantaram com suas exaustivas leituras, revelando-lhe que o vencedor já estava previamente definido.
Dos vencedores dos grandes concursos de literatura em Santa Catarina, conhece algum que de fato se dedique à literatura? Talvez um que outro, mas em todo o Brasil é acontecimento raro.
Um amigo local, muito bom escritor, no ano passado conseguiu ser selecionado por um desses editais de instituições nacionais que você cita. Tentou sem sucesso diversas vezes e lhe pareceu que o problema estava no preenchimento dos inescrutáveis e dúbios quesitos formulados pelos organizadores do concurso. Como tinha certeza da qualidade de sua obra, acabou contratando os serviços de alguém especializado nisso. Só então o mesmo romance se fez merecedor da atenção dos jurados e ele foi selecionado como bolsista.
E o engraçado é que o especialista, embora ganhe a vida através de sua experiência em decifrar qual o comentário prévio que desejam sobre uma obra concorrente, jamais foi ou será premiado num concurso literário seja pago ou não, pelo simples fato de que não tem sequerer veleidades de ser escritor.
Portanto querida, pagos ou não, através de concursos ou não, para se ser reconhecido pelo fazer literário no Brasil, já houve tempos em que bastava escrever bem como um Dalton Trevisan. Hoje é bem mais difícil, mas o que menos importa é ser um bom escritor.
Beijos!