Recentemente o Conar (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária) lançou uma campanha pública com dois vídeos: “palhaço” e “feijoada”. As propagandas utilizam reclamações esdrúxulas e simplórias com o objetivo de desqualificar a análise da população em geral, ou de alguns segmentos específicos, sobre determinados temas para, em seguida, apresentar o Conar como o único órgão com competência para analisar possíveis abusos nas peças publicitárias.
Além de antidemocrática – na medida em que desrespeita a opinião do outro – a campanha difunde uma informação errada: o Conar não é a única instância que pode tomar medidas em relação à publicidade. Na verdade, as ações que podem ser tomadas pelo Conselho, em geral, podem ser consideradas insuficientes se comparadas com aquelas determinadas pelos órgãos de defesa do consumidor.
Isso porque, antes de mais nada, a publicidade é regulada por lei. O Código de Defesa do Consumidor traz balizas bastante claras sobre esta atividade comercial: não pode ser enganosa, não pode ser abusiva, deve ser facilmente identificada pelo consumidor como publicidade. A regulação da publicidade pelo Código permite a todo o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – Ministério Público, PROCONs, Defensorias Públicas etc. – agir em caso de abusos, podendo inclusive impor sanções como multa e determinação de veiculação de contrapropaganda.
O Conar, por outro lado, é uma organização da sociedade civil e, portanto, com capacidade de atuação bastante limitada e até mesmo insuficiente: somente pode agir enquanto a publicidade ainda estiver no ar, recomendando a suspensão da veiculação do comercial ou sua alteração. Embora as recomendações do Conar sejam, em regra, seguidas, não se pode esquecer que são apenas recomendações, sem qualquer outra força sancionatória.
Por outro lado, há que se desconfiar de um Conselho de ética que se incomoda com o recebimento de reclamações da sociedade – seria então um Conselho que só atua mesmo em conflitos entre empresas? Parece que sim. Um órgão democrático e que leva a sério a sociedade e a cidadania, deveria respeitar as denúncias dos cidadãos, processando-as com agilidade e eficiência, principalmente em tempos de mídias sociais como os nossos. Uma imagem negativa de uma empresa, difundida por meio de publicidade preconceituosa, pode se espalhar com facilidade na rede, convocando os consumidores a agir: protestar, reclamar (junto à marca e nas redes sociais), deixar de comprar o produto, dentre outras.
No mesmo sentido, quem é que de fato compõe o Conar? Representantes de empresas e agências de publicidade. Será que apenas estas pessoas devem estar habilitadas a julgar o que é certo e o que não é, o que é abusivo e o que não é? Não precisamos do Conar para isso, temos nossas próprias cabeças!
Será que o Conar tem uma representação social satisfatória? Será que contempla em seu quadro a diversidade da população brasileira? Acho que não. A campanha disseminada pelo Conselho zomba da capacidade da população de julgar por si mesma, ignorando que o Brasil já não é mais o mesmo.
Boa parcela da sociedade já não tolera mais determinados preconceitos e discriminações. Reforçar preconceitos de gênero, étnico-raciais, geracionais, de classe-social, ou quaisquer outros para promover a venda de produtos e serviços não é apenas antiético; é também ilegal, contrariando o Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, que bom que a sociedade tem levantado sua voz para dizer que não aceita mais (ou tolera cada vez menos), campanhas publicitárias machistas, racistas, sexistas, preconceituosas de qualquer natureza.
Nesse sentido, seria bom o Conar deixar de lado essa postura arrogante e antidemocrática, compreendendo de uma vez por todas que os cidadãos são capazes de fazer julgamentos e tomar decisões de consumo cada vez mais informadas. Afinal, respeito é bom e todo mundo gosta!
Fonte: Carta Capital.