Comunidades tentam resistir as próximas fases da Operação Urbana Água Espraiada

Desapropriações3_DaniloRamos_RBA

Remoção sem moradia, não. A frase simples esclarece a posição dos moradores de 19 das 26 comunidades que serão afetadas pela Operação Urbana Água Espraiada, na zona sul da capital. Organizadas através do Fórum de Lideranças do Jabaquara, a população quer evitar o mesmo destino de outras comunidades da região, cujos moradores foram espalhados pelos extremos da cidade nas gestões de Paulo Maluf (1993-1996) e Geraldo Alckmin (2001-2006 e 2010 até agora).

Há pelo menos cinco anos, quem passa pelas favelas existentes na região do Jabaquara se depara com faixas de protesto contra as remoções, estendidas nas entradas e nos muros das comunidades. 13 delas estão diretamente na área onde a Operação Urbana propõe a construção de um parque linear, de 600 mil metros quadrados, na borda do córrego Água Espraiada.

E também no caminho da Linha 17 – Ouro do Metrô, que vai ligar os bairros de Morumbi e Jabaquara, passando pelo aeroporto de Congonhas. As estações Vila Paulista, Vila Babilônia e Cidade Leonor ficam exatamente no local onde estão as favelas Alba, Babilônia e Vietnã, respectivamente.

A Secretaria Municipal de Habitação admite que 16 comunidades serão afetadas diretamente pela Operação Urbana: Rocinha Paulistana, Arco Verde, Beira Rio, Alba, Henrique Mindlin, Taquaritiba, Babilonia, Vietnã, Guian Corruiras, Ponte da Fonte São Bento, Imigrantes, Muzambinho, Americanopolis, Paraguai e Souza Dantas, as duas últimas fora da área do parque. A comunidade Nova Minas Gerais, que ficava bem ao lado do pátio Jabaquara do Metrô, foi removida há dois meses e as famílias transferidas para o Conjunto Habitacional Curruíras, no terreno ao lado.

Outras 11 estão na área de influência das obras ou da construção de habitações de interesse social, e por isso também devem ser removidas: Dornas Filho, Tulio Teodoro, Afonso XIII, Esmeralda Monteiro, Porto Seguro, Cidade de Santos, Imprensa Nilópolis, Imprensa Colonos, Jardim Lourdes, Dersa e Renê Fernandes. Ao todo, 8,5 mil famílias devem ser afetadas.

A incerta construção do túnel que vai ligar a avenida Jornalista Roberto Marinho à rodovia dos Imigrantes, previsto desde 2001, afeta não só as comunidades que vivem em assentamentos precários, mas também a população residente fora das favelas, já que o traçado mais recente do túnel não passa somente por baixo do parque linear, mas algumas quadras mais ao norte.

O traçado vem mudando ao longo dos anos. Em 2001, a previsão era de um túnel de 400 metros, bem próximo da rodovia, e a maior parte da ligação se daria em pistas através do parque. Seis anos depois, na primeira gestão de Gilberto Kassab (2006-2008), o túnel chegou a 4,5 quilômetros, saindo da área verde para alguns quarteirões ao norte, e seu custo subiu para R$ 2 bilhões. No ano seguinte foi reduzido para 3,7 quilômetros e passou a custar R$ 2,7 bilhões. O projeto final, de 2011, prevê 2,7 quilômetros, com um gasto de R$ 3,7 bilhões.

O promotor Maurício Ribeiro Lopes, de Habitação e Urbanismo do Ministério Público Estadual, considerou a ação ilegal e entrou com ação judicial questionando a realização da obra, que não contempla o transporte público, e a remoção das famílias.

Em julho deste ano, com a nova administração, as prioridades de Kassab foram deixadas de lado. O prefeito Fernando Haddad (PT) suspendeu por tempo indeterminado a construção do túnel de quatro quilômetros que ligaria a avenida Jornalista Roberto Marinho à rodovia dos Imigrantes.

Ele afirmou que pretende utilizar a verba de R$ 2,3 bilhões, que está no caixa da operação urbana, na construção de unidades habitacionais. O montante foi arrecadado com a venda de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) — títulos que permitem aos empreendedores construir acima do limite estabelecido pelas diretrizes urbanas de uma região.

O líder comunitário da favela Vietnã, João das Virgens da Silva, 39 anos, explicou que o fórum tem mantido diálogo com a gestão do prefeito Fernando Haddad (PT), que assumiu o compromisso de priorizar as unidades habitacionais nas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) no perímetro da operação. “Foram anos enfrentando enchentes, falta de infraestrutura, de equipamentos públicos. Agora teremos a intervenção e o povo pobre tem de sair? Não, os moradores têm o direito de permanecer aqui e ser reassentados na área da operação”, protesta.

A situação é preocupante para o líder comunitário porque são muitas obras e cada local tem uma proposta habitacional. “Temos 949 famílias cadastradas no Vietnã. 537 serão afetadas pelas obras do Metrô. Em toda extensão do monotrilho, do piscinão para cá, serão 3 mil famílias atingidas. A prefeitura quer remover urgentemente outras 149 aqui no Vietnã, que ainda vivem sobre o córrego Água Espraiada. Essas estão inclusas nas 8,5 mil removidas no total”, explica, tentando deixar o cálculo menos complicado.

Na outra parte tem-se o reassentamento de 3 mil pelo Metrô, 4 mil pela São Paulo Obras e 2 mil através do Minha Casa, Minha Vida. A conta é confusa e os poderes públicos municipal e estadual não ajudam a entender. Quando questionados sobre as obras, respondem de forma geral, sem detalhar as ações. Há unidades relativas aos processos que estão em execução na região do Jabaquara sendo construídas no Jardim Clímax, na região do Ipiranga, e próximo à avenida Cupecê, na zona sul da cidade.

O recém-entregue condomínio Corruíras recebeu 244 famílias removidas da favela Nova Minas Gerais. Porém, o conjunto chegou a ser “destinado” para moradores da favela Levanta Saia, próxima à avenida Washington Luís, e também para as da comunidade Guian-Corruíras.

“Por isso criamos o fórum. Para organizar a população e evitar problemas. Nós só saímos com definição de para onde vamos, em quanto tempo vamos e em que condições”, reafirmou Silva, demonstrando que a teimosia em garantir o direito de permanecer na região dever dar o tom da resistência dos moradores, como ocorreu no caso da favela Jardim Edite, na região da avenida Luís Carlos Berrini.

Em toda a área da Operação Urbana Água Espraiada há 67 Zeis. No trecho entre a avenida Washington Luis e o Jabaquara, dentro do perímetro da Operação Urbana, são 38. Outras 26 ficam entre o perímetro da operação e a avenida Vereador João de Luca, mais ao sul. Segundo a Sehab, 64 terrenos estão em desapropriação para receber conjuntos habitacionais para reassentar essas famílias, o que certamente inclui as áreas além do perímetro, fugindo das diretrizes da operação.

Comunidade Vietnã

O aposentado Flordísio Cursino de Castro, de 102 anos, foi um dos primeiros moradores da comunidade, onde tem um sobrado. Em 1980, construiu uma pequena casa de madeira onde viveu com a esposa e os 12 filhos, que já eram crescidos. Vieram juntos tentar a sorte de sair do aluguel e ter uma casa própria. “Ninguém veio morar aqui por safadeza”, afirmou.

Ele lembra que veio da Bahia para São Paulo nos anos 1960. “Sair do Nordeste, com toda a família, sem saber o que vai achar… Isso é que é dificuldade.” Castro construiu boa parte das casas do Vietnã. “Mas a melhor de todas é a minha”, brinca. Mas não se importa em sair da comunidade. “Se tiver que ir eu vou. Eu queria mesmo ir para o nordeste, rever o lugar onde eu nasci”, contou.

Há 33 anos no local, ele lembra que para baixar o mato as pessoas jogavam pranchas de madeira e iam pisando em cima. Ao encontrar um lugar plano, Castro capinou e construiu a casa com madeira sobre a terra. Logo teve uma surpresa. “O mato começou a crescer por dentro. Ficou com um jardim por dentro”, contou.

O porteiro Cícero Pereira de Lima, de 60 anos, já conta metade da vida na comunidade e gostaria de ficar onde está. “Eu fico chateado. Fazem as coisas, projetam, mas não conversam com a gente. Há muitos anos eu venho arrumando a casa, detalhando. Depois que tivemos a confirmação que vamos sair eu nem mexi mais. Mas ao mesmo tempo, não acaba logo com essa espera”, lamenta.

Outro detalhe é a mobilidade. No Vietnã, a distância até a estação de Metrô, o terminal de ônibus e a Rodoviária do Jabaquara é de 1,5 quilômetro. De lotação leva no máximo 10 minutos. “A gente fica preocupado de ser mandado para um lugar que fique muito difícil a condução”, teme Lima.

Silva, líder comunitário da favela Vietnã, veio da Bahia aos 10 anos com a família. “Estou aqui há 29 anos. Quando cheguei aqui era possível caçar preás, galinhas d’água, pescar. A ocupação da área começou após a população saber da morte do suposto dono do terreno, em 1984. Mas começou a adensar mesmo depois de 1986. Muita gente convidou familiares, amigos e a coisa foi crescendo. Somos 949 famílias”, relata Silva.

O nome que os moradores davam ao local era Nova Cidade. Mas Vietnã pareceu mais conveniente depois de uma reportagem do extinto programa policial Aqui Agora, do SBT. “Um cara roubou um carro e fugiu para cá. O programa transmitiu a perseguição e a troca de tiros dele com a polícia. O repórter falava: ‘isso aqui tá parecendo o Vietnã’. O nome pegou”, explica Silva.

No início as enchentes eram comuns. Após a construção do piscinão e de algumas obras de alargamento do córrego, tornaram-se menos frequentes. A pior situação é das 149 moradias que ficam do outro lado do córrego e ligam-se à comunidade por meio de pontes, algumas improvisadas, outras de alvenaria.

Com sua militância, Silva obteve conquistas importantes para a juventude da comunidade, que, como muitas outras favelas de São Paulo, possui algumas centenas de crianças e adolescentes que convivem com o movimento do tráfico de drogas no dia a dia. Agora há telecentro com cursos básicos, turmas de alfabetização de jovens e de adultos e uma panificadora.

Outras comunidades

Algumas comunidades que permanecem na área entre as avenidas Washington Luís e Luís Carlos Berrini, dentro do perímetro da operação, têm destino incerto. Mais por omissão do poder público do que por falta de projetos, pois existem documentos, notícias nos portais dos executivos e de secretarias e reportagens sobre várias ações que seriam implementadas em favelas da região.

A favela Emboabas, próximo ao acesso da avenida para a Washington Luís no sentido bairro, deve ser removida para a construção de um terminal de ônibus, que vai servir como conexão aos corredores das avenidas 23 de Maio e Bandeirantes e para a Linha 17 – Ouro do Metrô. Na comunidade vivem cerca de 140 famílias e sua origem remonta aos anos 1960.

Do outro lado da Roberto Marinho, no sentido Marginal Pinheiros, a comunidade Levanta Saia deve ser removida para construção de um parque. No local vivem aproximadamente cem famílias e sua fundação data de 1966.

Os moradores do Morro do Piolho e sua vizinha Campos União foram cadastrados pela prefeitura após o incêndio de setembro de 2012, que deixou mil desabrigados. No entanto, nenhuma ação habitacional foi realizada na comunidade, que teve os barracos reconstruídos pelos moradores. Cerca de 3 mil pessoas vivem nas comunidades, surgidas nos anos 1970.

Já os moradores de terrenos do Departamento de Estradas e Rodagem ainda aguardam um retorno do governo de São Paulo sobre os leilões das terras em que vivem. O governo estadual não descarta realizar os leilões, suspensos por decisão liminar da Justiça. Os moradores pretender requisitar a Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia, um documento que permite ao residente em uma área pública há mais de cinco anos, completos até setembro de 2001, permanecer no local.

Foto: Danilo Ramos/RBA

Fonte: Brasil de Fato

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.