Comunidade religiosa no interior do Pará mantinha 55 trabalhadores em situação de escravidão

Denúncia envolve casos de exploração sexual. Ideal religioso foi usado para enganar as pessoas, diz procuradora

Fiscais encontraram situação de trabalho escravo e degradante tanto no bar como na comunidade, em dois municípios no nordeste do Pará. Foto: MPT AP/PA

RBA.- Uma força-tarefa em comunidade religiosa em Baião, no interior do Pará resgatou 55 trabalhadores em condições de escravidão. De acordo com os responsáveis pela operação – realizada em junho e julho, mas só divulgada agora –, eles eram explorados em um estabelecimento comercial no município de Tucuruí, nordeste do estado. Esse estabelecimento era vinculado à comunidade chamada Lucas, localizada na zona rural de Baião.

“Segundo denúncia recebida pelo MPT, os trabalhadores atuavam em um bar em Tucuruí, cumprindo jornadas exaustivas, sem direito a salários e demais benefícios previstos em lei”, informa o Ministério Público do Trabalho. “Foram cumpridos mandados de busca e apreensão que confirmaram as denúncias de situação degradante, atividades forçadas e castigos físicos.”

Associação criminosa

Ainda de acordo com o Ministério Público, a comunidade foi criada em 1997 por um pastor que atuava em Belém e morreu no ano passado. “Após o seu falecimento, em dezembro de 2021, outros cinco pastores que já atuavam na associação criminosa, assumiram de vez o papel de chefia. Assim, a comunidade funcionava, na prática, como uma organização econômica, com interesses definidos e sob o controle de pessoas que exerciam notório comando nas atividades dos demais membros, não havendo qualquer característica de associativismo, cooperativismo, trabalho voluntário ou serviço religioso.”

De acordo com depoimentos de vítimas da submissão à escravidão, no início havia uma “regra igualitária”, de divisão dos resultados do trabalho. “Porém, com o tempo, os líderes começaram a explorá-los e a mantê-los sob sua guarda, poder e autoridade, e valiam-se do elemento religioso para coagir os trabalhadores e demais moradores a cumprirem suas ordens e satisfazerem as suas vontades, inclusive crianças e adolescentes, sob pena de punições físicas e morais, além de humilhação pública, que configuravam tortura”, relata o MPT.

Sem salário ou horário fixo

Conforme as investigações, a partir de 2015 os dirigentes da comunidade passaram a administrar um bar em Tucuruí, que utilizava mão de obra da comunidade. “Durante as inspeções realizadas no estabelecimento foram encontrados 13 trabalhadores. Segundo eles, todos os adultos da Lucas atuavam no local em uma espécie de rodízio com a sede rural, em períodos que podiam durar desde alguns dias até meses, e ficavam alojados no próprio bar ou em casas mantidas no município. Também foram localizados integrantes da comunidade em duas movelarias, situadas nas duas cidades, que também desenvolviam atividades no bar. Nenhum deles recebia valor a título de salário, toda a renda era gerenciada pelos líderes, e não havia horário fixo para iniciar e terminar os trabalhos.”

Isso além dos alojamentos precários dos trabalhadores, que segundo os fiscais “contrastava com o luxo” do local onde moravam os líderes da comunidade.

O Grupo Especial de Fiscalização Móvel responsável pela operação que resgatou as pessoas da situação de escravidão incluiu representantes de vários órgãos públicos. Além do MPT, o Ministério Público Federal (MPF), Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), Defensoria Pública da União (DPU), Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF). Também participaram servidores dos ministério da Cidadania e da Saúde, além da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Segundo o MPT, os cinco envolvidos foram presos.

Círculo de pobreza

“Constatamos que o trabalho análogo ao de escravidão ocorria tanto no estabelecimento em Tucuruí, quanto na comunidade Lucas, em Baião, havendo trânsito entre os mesmos trabalhadores nos dois locais”, relata a procuradora do Trabalho Tathiane Nascimento. “O ideal comunitário e religioso era utilizado para enganar e manter homens e mulheres presos a um círculo de pobreza e de exploração cruel em benefício de seus líderes. O grupo era convencido a permanecer no local acreditando que aquela era a melhor forma de se viver.”

A exploração, como se depreende das informações divulgadas pelo MPT, ultrapassava a questão trabalhista. ” Os homens poderiam manter relações poligâmicas e as mulheres também eram utilizadas como objeto de premiação ou punição. Em caso de obediência aos líderes, os homens poderiam ter uma ou mais mulheres. Mas na medida em que descumprissem, eles também poderiam ser punidos e deixar de ter uma”, diz o Ministério Público.

“Quando nos deparamos com uma situação como essa, as vítimas são afastadas do local de trabalho e vão para o seu local de origem, mas neste caso eles já estavam em suas casas. Muitos, inclusive, nasceram ali e não tinham para onde ir”, afirmou a procuradora Tathiane. “O resgate foi feito eliminando o elemento opressor, que são os líderes da comunidade, com as suas prisões.” O MPT vai ajuizar ação civil pública pela punição dos empregadores e garantia de direitos aos trabalhadores resgatados. Segundo ela, a ação visa não só aplicar a legislação, mas “integrar ou reintegrar aquelas pessoas à sociedade”.

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