A Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha, localizada em Guarapuava (Paraná), está em sua luta pela identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras que tradicionalmente ocupa.
Ela existe desde 1860, quando os negros em situação de escravidão da fazenda Capão Raso conquistaram sua liberdade e receberam, por herança, o domínio legal das terras onde trabalhavam. A partir de então inicia-se sua saga para garantir a regularização fundiária do espaço territorial que se encontram até hoje em situação de conflito judicial para obtenção do título das terras.
No momento, o processo encontra-se em nível recursal, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, e uma de suas turmas de desembargadores suscitou Arguição de Inconstitucionalidade (Arguição de Inconstitucionalidade nº 5005067-52.2013.404.0000) em face do Decreto federal 4.887/2003 que regulamenta o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição da República, de 1988, sobre demarcação e titulação de terras quilombolas.
O Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS), formado por estudantes de graduação e pós-graduação, docentes de instituições de ensino superior, militantes de movimentos sociais, organizações não-governamentais e grupos de pesquisa/extensão de várias áreas do conhecimento e com atuação em todo o território nacional, vem, por meio do Grupo de Trabalho (GT) “Povos e comunidades tradicionais, questão agrária e conflitos sócio-ambientais”, manifestar publicamente seu apoio à Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha.
O IPDMS considera plenamente constitucional referido decreto, sob pena de haver inconstitucionalidade por omissão na regulamentação do artigo 68 do ADCT, já que se trata de direito fundamental autoaplicável, complementado pelo artigo 14 da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que disciplina o direito de reconhecimento do direito às terras tradicionalmente ocupadas por povos e comunidades tradicionais.
Cabe destacar que, apesar do Estado brasileiro ser signatário e ter participado ativamente da II Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993), III Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e formas Conexas de Intolerância (Durban, 2001) e da I Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento da América Latina e Caribe (Montevidéu, 2013) o racismo institucional se revela quando o princípio democrático é suscitado para obstar o acesso das comunidades quilombolas a seus direitos ao mesmo tempo em que dá primazia ao direito de propriedade ante o direito à vida; ou quando o princípio da segurança jurídica é levantado para defender a tese de que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) não se aplica aos quilombolas, afastando, inclusive, o critério de identidade por autodefinição e o uso das categorias de constituição identitária definidas no referido documento para fundamentar a forma de compreensão de povos e comunidades tradicionais presente no Decreto nº. 6.040/2007 (Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais); ou de que é possível a repristinação do decreto nº 3.912, de 2001, que propunha o descabido critério de ocupação por 100 anos para a titulação das terras das comunidades quilombolas.
O IPDMS entende que tais relativizações geram insegurança jurídica que se instaurará nos quilombos Caçandoca (SP), Marambaia (RJ), Família Silva (RS), Lagoa da Pedra (TO), Preto Forro (RJ), Invernada dos Negros (SC) e Cafundó (SP), todos citados no voto da relatora da Arguição de Inconstitucionalidade no TRF4, caso tenham seus direitos questionados em nome das nadas seguras modulações constitucionais.
É bom lembrar que o questionamento do Decreto promovido pelo TRF4 casa-se com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.239, proposta pelo atual Partido Democratas (DEM), sabidamente vinculado aos interesses proprietários e com ampla representação da chamada “bancada ruralista” no Congresso Nacional. O voto do relator desta ação no STF, o ex-ministro Cesar Peluso, acolhe os argumentos antiquilombolas, causando espanto ao movimento das comunidades tradicionais, à comunidade acadêmica e à comunidade jurídica de todo o país, visto que, no momento, estão reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares 2.007 comunidades quilombolas, outras 408 aguardam a certificação e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais aponta cerca de 4.000 comunidades em todo o território nacional.
Diante de tudo isso, o IPDMS reafirma seu compromisso com as reivindicações dos movimentos sociais, denunciando as investidas racistas que transparecem nos questionamentos da constitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003, defendendo a luta por direitos e pela titulação das terras tradicionalmente ocupadas por quilombolas, notadamente a da Comunidade Paiol de Telha, e exortando o judiciário brasileiro a declarar a constitucionalidade do decreto que regulamenta a demarcação das terras quilombolas, na sessão de 19 de dezembro do TRF4.
Por fim, este apoio se estende a todas as comunidades quilombolas que, a partir de 1988, passaram a ter seus direitos identitários, territoriais e culturais reconhecidos constitucionalmente, obrigando-se o Estado brasileiro a garanti-los.
Fonte: IPDMS.