Por Claudia Weinman.
Na noite de sábado, dia 7 de agosto, por volta da meia noite, dois homens, conhecidos como Isaias de Oliveira e o irmão dele “Neno”, invadiram a aldeia Goj Kusa, localizada no município de Água Santa, no Rio Grande do Sul. Em entrevista, a Cacica Ângela Inácio Braga relatou que os suspeitos entraram na comunidade de carro, um deles deixando à mostra o cano da espingarda e outro, com o revolver na mão, também intimidando os indígenas ao apontar para fora da janela a arma. “Eles pararam na frente da casa do indígena Elvis Rodrigo Braga, que achou que eles estariam indo caçar, pois como existe um rio na divisa, os não-indígenas caçam capivara do outro lado do rio, fora da aldeia. Então o indígena perguntou se eles estavam indo caçar, mas eles falaram que teriam ido na aldeia Goj Kusa para avisar que estaria acontecendo a votação do Marco Temporal esse mês, mas que eles, a partir daquele momento, estavam mandando no local”, informou a Cacica.
Ângela também contou que não estava na aldeia no momento do ocorrido. “Eu estava a mais ou menos 140km – 150km de distância, na aldeia Serrinha, retornei assim que clareou o dia. Quando cheguei, encontrei os moradores da aldeia reunidos, pois teriam passado a noite na casa do indígena Elvis, pois entenderam que todos estavam em perigo e que tinham ouvido os tiros”.
Segundo a Cacica, que ouviu o relato da comunidade, mais ou menos a 100 metros de distância da casa do indígena, os dois invasores dispararam quatro tiros. “Sempre estranhei muito, pois esses colonos ficam a 400 metros de distância do acampamento, nunca tivemos problemas, a gente se dava bem, são pequenos agricultores, muitas vezes tenho ajudado eles, com alimentos, roupas, calçados, sinceramente não esperava isso deles, fiquei surpresa”.
A liderança também falou que ainda na madrugada de sábado, uma das esposas dos envolvidos passou uma mensagem para ela, dizendo que o marido estava embriagado. “Eu penso que fizeram isso de caso pensado, falaram do PL 490 e do Marco temporal. Fiquei preocupada, não sabia que eram tão contra a gente, embora saibamos que branco nunca gostou de índio”, refletiu.
História da comunidade
Ângela enviou fotos, com a história da família Inácio escrita à mão em um caderno. Nele, constam as informações sobre a retomada do território Goj Kusa, a memória do dia 15 de dezembro de 2009, data em que se decidiu que as mulheres conduziriam o processo de luta pela conquista da terra junto a outras 40 famílias. No documento, se destacam as situações de reintegração de posse sofridas pelo povo Kaingang e as três vezes que as famílias precisaram reestabelecer acampamento em outros lugares, mas que hoje, os indígenas estão estabelecidos no local, com escola indígena e uma estrutura que garante a moradia das famílias. No entanto, o território de 119 hectares, aproximadamente, segundo informado pela Cacica, encontra-se com o processo de demarcação paralisado.
Tese do Marco Temporal ameaça territórios e amplia o genocídio indígena
Em um cenário de profundos ataques aos direitos originários, e com a aproximação da votação do processo de repercussão geral, a Terra Indígena Goj Kusa também está em risco iminente e por isso, o mês de agosto reforça mais um importante momento na luta e organização dos povos indígenas do Brasil. No dia 09 de agosto – Dia Internacional dos Povos Indígenas – se intensificou a retomada do movimento Levante pela Terra, que a partir do Sul do Brasil, reuniu em julho, mais de 50 povos em Brasília na luta contra o PL 490, outro projeto anti-indígena que foi aprovado sob forte repressão e sem direito de manifestação dos povos indígenas, por deputados da bancada ruralista. Também nessa data, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib protocolou um comunicado no Tribunal Penal Internacional (TPI) para denunciar o governo Bolsonaro por Genocídio.
Os povos indígenas seguem se organizando para enfrentar mais uma ofensiva. A partir do dia 22 de agosto, retorna à votação pelo STF o caso de repercussão geral, sobre a tese do Marco Temporal. Se aprovada, essa tese vai provocar o genocídio dos povos indígenas. No julgamento de Repercussão Geral, que definirá o futuro das demarcações das Terras Indígenas no Brasil, a Corte vai analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Em 2019, o STF deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.
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