Por Eliezer A. de Oliveira e Julia Saggioratto, para Desacato. Info.
A luta contra o avanço do capitalismo, esse que toma conta dos territórios e contamina o solo com transgênicos e agrotóxicos, intensifica o monocultivo, as grandes barragens e a mineração, ameaça a vida dos camponeses\as e de toda a sociedade. Essas lutas foram o centro das discussões do VIII Seminário da Terra, organizado pela Comissão Pastoral da Terra e pela Paróquia São Miguel Arcanjo, que aconteceu durante os dias 13, 14, 27 e 28 de julho. As comunidades Canela Gaúcha, de São Miguel do Oeste- SC, Treze de Maio, da Barra Bonita, Novo Encantado, do município de Bandeirante e Grápia, de Paraíso, receberam os camponeses\as de diversas comunidades para o seminário que tinha como tema a “Aliança camponesa e operária”.
Durante os dias de seminário, uma mesa com produtos trazidos pelos camponeses era posta para partilha ao final das atividades. Sementes crioulas, mudas de plantas, queijo, salame, sabão, vinho, e diversos outros produtos que as famílias trouxeram foram colocados para partilha. Alguns participantes do seminário trouxeram mudas plantadas anteriormente em uma celebração de preparação ao Seminário da Terra. As plantas foram, ao final, trocadas entre os camponeses.
A programação do seminário incluiu debates sobre o tema “Aliança camponesa e operária”, além de oficinas, que tinham os seguintes assuntos: Produzir como organizar; Agricultura Familiar e Camponesa: Produção de alimento ou commodities?; Apicultura (vida, terra, natureza); e O papel da mídia na desconstrução da cultura camponesa.
Desconstrução da identidade dos povos e a relação com a mídia
Nos dias 27 e 28 a oficina com o tema “O papel da mídia na desconstrução da cultura camponesa” foi assessorada pelo jornalista Raul Fitipaldi, co-fundador da Cooperativa Desacato e do Portal Desacato, de Florianópolis. O jornalista falou sobre o lema da Cooperativa: “Informar para educar, educar para formar e formar para transformar”, em que precisamos falar da mídia além da técnica. Raul falou sobre a chamada “grande mídia”, por ser mídia de referência no Brasil, mas que deve ser chamada de pequena mídia, em relação à sua moral e ética.
Em relação ao lugar dos jovens na mídia, principalmente dos jovens camponeses, conforme Fitipaldi, este lugar quase não existe, quando acontece é distorcido, folclorizado e estereotipado. Esta negação da existência dos camponeses acontece, segundo Raul, pelo medo que a mídia hegemônica possui de que os trabalhadores se informem e se formem, podendo, assim, se mobilizar para transformar a sociedade. O jornalista ainda falou sobre as frequentes acusações a indígenas de invasores, sobre inexistência de um golpe de Estado no Brasil para esta mídia burguesa. Um dado trazido pelo companheiro Raul foi de a Rede Globo atingir 97% dos lares brasileiros, como menciona, moramos com nosso inimigo.
Raul mencionou o Jornal Comunitário produzido pelos jovens da Pastoral da Juventude do Meio Popular e Pastoral da Juventude Rural, como uma forma de os trabalhadores produzirem sua própria mídia, iniciando um processo extremamente necessário, a Soberania Comunicacional, a construção da Outra Informação em São Miguel do Oeste, além da necessidade de ocupar o espaço da Rádio Cultura Comunitária do município.
Em uma prosa com Fagner Santos, 17 anos, militante da PJR de Barra Bonita/SC, o jovem que participou da oficina assessorada pelo jornalista Raul, acredita na importância desses espaços para falar sobre comunicação. Fagner, que já participa há algum tempo dos seminários, comenta que neste espaço pode compartilhar algumas ideias com os outros participantes semelhantes a ele, camponeses. “Saber como é que tá para os outros também, porque pra gente não tá fácil”, salienta o jovem.
Santos falou sobre a oficina em que discutiram o papel da mídia na sociedade de hoje. Ele comenta que o Brasil tem mais de 9.000 veículos de comunicação controlados por apenas seis famílias de burgueses, de ricos e empresários. “Achei bem importante porque o Raul abriu um pouco a nossa mente do que é na verdade a grande mídia, do que repassa e o que fala do camponês, que ele é um ‘jeca’, um ‘zé ninguém’, quando na verdade não é assim né, todos nós sabemos que não é isso”, destaca. Fagner ainda comenta que irá levar este aprendizado para toda a sua vida, podendo, então, compartilhar o que aprendeu com outras pessoas. Ele fala sobre a explanação feita com todos os camponeses do seminário ao final da oficina: “acho que pela nossa fala lá na frente sobre a mídia, conseguimos abrir um pouco a mente dos camponeses aqui”.
A jovem de 15 anos, Jociane dos Santos, da Linha Limeira, de Paraíso/SC, que também participou da oficina sobre comunicação, vê a mídia como algo necessário, que precisa ser bem analisada, que é preciso procurarmos outras fontes pelo fato de haver muitas versões sobre um mesmo fato. Segundo ela, as pessoas estão muito alienadas em relação ao que a “grande mídia” transmite, muitas vezes nem tudo é verdade. “É interessante descobrir que por trás de uma notícia gerada pela mídia pode haver outras versões do fato. O que acontece em nosso meio, a nossa volta, muitas vezes não é levado à mídia. Por isso acho que a gente tem que construir a nossa forma de comunicação, que a gente quer comunicar as pessoas, levar às pessoas”, relata Jociane.
A jovem acredita que a “grande mídia” divide as pessoas entre a burguesia e o proletariado, “quando se fala em favela ou quando se fala em camponeses já vem na nossa mente essa ideia mesmo de favelado é bandido ou camponês não tem sabedoria”, salienta. Jociane ainda comenta que enxergamos as coisas pelo viés do que a mídia nos mostra, pois, muitas vezes, não buscamos outras informações. “Tem muita gente boa nas favelas, assim como os camponeses tem que ter vez”, completa.