Compreendendo as complicações psicológicas

Artista desconhecido/a.

Por Ana Claudia de Souza.

Quando falamos de complicações psicológicas ou psicopatologias, nos referimos a sofrimentos que a pessoa padece que impede-a de ter uma vida normal, quer dizer, uma vida saudável, coerente e condizente com as possibilidades da realidade objetiva na qual está inserida.

Então se falamos de uma mulher, adulta, com boas condições orgânicas, razoável condição material ou financeira, com um trabalho, possibilidade de vida social, familiar, etc., teríamos alguém com viabilidade de transitar nos relacionamentos com os outros, o corpo, o trabalho, etc., de forma fluída. Mas muitas vezes isso não acontece devido à dificuldades emocionais.

Aquilo que caracteriza a dificuldade psicológica é justamente quando temos as condições materiais e sociais para viabilizar determinado aspecto da nossa vida e ainda assim não conseguimos. Se temos boa capacidade intelectual, conhecimento de um conteúdo e ainda assim não conseguimos falar em público, o medo de falar em público se caracteriza como um impasse psicológico, porque estamos impedidos por nós mesmos em nossa condição de segurança de ser frente aos outros. De forma que, para alguém que tem uma dificuldade emocional, não se pode dizer o óbvio. As pessoas sabem quando algo poderia ser feito e ainda assim não conseguem.

Usando um exemplo do livro “Nós e os outros”, uma mulher de 50 anos, cujo marido chega em casa e pede pela meia de futebol dele, ela, sem saber onde colocou e se lavou ou não entra em desespero, em pânico, com palpitações, pressão no peito, respiração curta, frio na barriga e tremedeira com medo de não ter lavado a meia do marido e ele se chatear e brigar com ela. Apesar dele não ser violento, ela fica com forte medo de decepcioná-lo e em última instância vir a abandoná-la. Aquilo que para muitos parece exagero, para ela se configura como certo.

Como é possível que isso aconteça? Ela tem uma história familiar em que os pais brigavam muito, a mãe ameaçava constantemente que iria separar-se e ir embora. Numa das primeiras situações que essa paciente tem lembrança, estavam em casa e a mãe brigou a noite toda com o pai, a menina aos 5 anos ficou petrificada com a discussão, quando acordou a mãe estava fazendo a mala e ela, o pai e irmão acompanharam a mãe até a rodoviária. Ela não entendia o que estava acontecendo. A mãe se despediu e, num ato de desespero, ela se agarrou as pernas da mãe, tinha a convicção de que a mãe sumiria no mundo. A mãe fez um gesto para que o pai a deixasse ir e elas partiram de ônibus, a menina apenas com a roupa do corpo.

Ao chegarem na cidade de origem, que ela desconhecia, depois de três dias de viagem, a mãe a deixou na casa da avó paterna, para buscar emprego. A menina ficou por 6 meses morando com a avó, sem ter notícias da mãe. A família não tinha o esclarecimento de que precisava conversar com a criança e do quanto aquilo seria aterrorizador para ela na vida adulta. Depois ela juntou-se aos pais e irmão, mas essa e outras situações semelhantes de ameaça de abandono, criaram na paciente o medo de ser abandonada, ao ponto de na vida adulta, qualquer pessoa que demonstrasse descontentamento com o comportamento da paciente, fazia com que ela tivesse medo de ser abandonada. Esses “traumas” vividos em episódios deste tipo na infância, deixaram cicatrizes para a vida adulta e a paciente, sem se dar conta, vivia a certeza de ser abandonada, mesmo em situações em que não havia indicativos objetivos de que isso aconteceria.

Assim complexo é o fenômeno psicológico e ao localizar-se dessas situações, ganhando distância do passado, é que a paciente foi se recuperando de seus impasses emocionais. Olhando só para o episódio ocorrido com o marido, se diria que a reação da paciente foi absurda, exagerada, incoerente, mas entendendo como funciona o psicológico, sabemos que ela foi compatível com as marcas que o passado deixou nela.

A psicoterapia tem por objetivo retirar estas marcas fazendo o processo de localização destas várias situações com a pessoa que padece de sofrimentos emocionais. Muitas vezes incompreendidos por ela e pelas pessoas a sua volta, ao não entenderam a estrutura complexa que é a formação da personalidade.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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