Como será possível a sustentabilidade sem a transformação necessária na economia e na política do Brasil?

transformaçoesPor Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.

A resposta que tentarei apresentar para a pergunta acima será construída a partir do pensamento de Leonardo Boff no livro “A grande transformação na economia, na política e na ecologia”.

Para início de conversa, coloco em evidência o fato de que é quase impossível pensar a ecologia sem antes refletir acerca dos pilares políticos e econômicos que direcionam o país, pois estes interferem diretamente e, na maior parte das vezes, violentamente, quando projetados de forma insustentável, nos espaços naturais, ou seja, no meio ambiente brasileiro. Dessa forma, acredito ser profícuo primeiramente discutir as bases políticas e econômicas que desencadeiam as crises ambientais que a nação enfrenta, para, em seguida, discutir a questão ecológico-ambiental, refletindo acerca da urgência de mudanças nos campos da política e da economia para que seja possível arrancar alegria ao futuro no que tange à ecologia brasileira.

Diante da necessidade de se discutir os rumos econômicos que atingem e comandam a política, torna-se imperioso compreender temáticas como: a era das ameaças e das promessas globais, a sociedade de mercado como nosso pecado original, que estamos economicamente em um voo cego sem uma carta de navegação, que precisamos ultrapassar o conceito raso de desenvolvimento da economia clássica, que temos de compreender as dimensões do capitalismo imperialista estadunidense em pleno século XXI no Brasil e no restante da América Latina, pois as soluções estão na integração, que a governança global é construída, infelizmente, pelos mercadores e que, por isso, não há futuro, que o discurso da economia verde pode ser mais uma hipocrisia do mercado depredatório, que o Brasil se tornou uma empresa internacionalizada servindo aos modelos do norte opressor, que as empresas precisam ter responsabilidade socioambiental e ética, que podemos aprender a desenvolver economias criativas como saídas para as crises geradas pelo capitalismo insustentável, dentre outras questões.

No que concerne à Política presa aos interesses do capitalismo depredatório que suga os sonhos de países como o Brasil e de outras nações irmãs da América Latina, faz-se necessário compreender temáticas como: o modelo econômico clássico que perpassou a gestão pública no Brasil e que agora se acentuará ainda mais no (des)governo golpista de Temer, a necessidade de outro modelo econômico, a urgência de um plano econômico que articule o contrato natural com o contrato social sustentável para se atingir uma lógica de produção e de desenvolvimento ecossocial, o que é o constitucionalismo ecológico e como o Brasil pode aprender com os exemplos de algumas nações irmãs do continente latino-americano através de seus povos plurais, a necessidade de rever e reinventar conceitos sobre política, o cuidado como novo paradigma nas relações, a convivência como virtude que nos falta, o resgate da inteligência emocional para atuar e fazer cobranças na política, além de outros pontos.

Somente diante da compreensão das transversalidades que permeiam o fazer econômico e político do Brasil haverá a chance de lutar contra as forças conservadoras e neoliberais que atravessam esses sistemas, para, assim, sonhar com transformações na ecologia.

O termo ecologia a partir dos pontos de vista e vistas de pontos em Boff deve alcançar dimensões para além do biológico, do geográfico, do meio ambiente, exigindo noções sobre temáticas como: direito e dignidade do planeta, para, dessa maneira, se entender que, no tocante ao respeito à grande Mãe Terra, Pachamama, Gaia, nomeações diferentes, dependendo da mitologia fundadora, nos modos de produção, tanto o Capitalismo quanto o Socialismo falharam em várias partes do planeta, ainda que não em todos os países, como é o caso da Bolívia e de Cuba, surgindo, dessa forma, a premência de outro modelo, claro, ainda ancorado na vertente socialista, mas que ultrapasse os conceitos do socialismo anterior e atual, atingindo níveis de ecologização do pensar e agir, ou seja, um ecossocialismo, novas formas de enfrentar as mudanças climáticas operadas pelos sistemas de exploração da Terra, pensar que talvez a Mãe Terra já não nos queira mais aqui, que a sustentabilidade é a única alternativa para outra lógica de país e de mundo, que o consumismo precisa ser enfrentado como o grande mal do planeta, que não seguiremos em frente se não desenvolvermos o fundamento da ética planetária, dos direitos humanos para o respeito à pluralidade da existência em todos os campos e modos operantes no Brasil e no Globo, que devemos aprender a escutar a natureza para, dela, retirar as lições em coletividade e, principalmente, a importância de uma ciência que se permita desenraizar-se do academicismo limitado para um saber racional-sensível na dialogicidade com tudo e todos, pois só assim teremos a libertação de nossas dependências conceituais para descolonizações do pensamento e nascimento de outra arquitetura mental sociológica.

Dentro do quadro atual de crises políticas geradoras de golpes, golpes esses aniquiladores de esperança, mais que nunca, é preciso perceber que vivemos na era das ameaças.

Nessa era, são imprescindíveis grandes transformações e, entre as tantas, talvez, a mais importante seja a da consciência para a sensibilidade.

Na verdade, acredito que a transformação do país pelo caminho da sustentabilidade, além das mudanças na operacionalização da economia e das consciências sociais, passa, obrigatoriamente, pela sensibilidade da sociedade brasileira, senão não deixaremos de ser o país dos gritos, sociedades febris sem a dimensão das causas geradoras da febre. Sem a sensibilidade racional ficaremos nos limites discursivos das redes sociais em gritos cíclicos do “Fora, Dilma!” ou “Fora, Temer”, sem a compreensão dos elementos que desencadeiam as crises na economia, na política e na ecologia.

Segundo Boff, infelizmente, estamos numa época em que tudo pode ser levado ao mercado, do sexo à Santíssima Trindade. De tudo pode-se obter lucro. Até as coisas mais sagradas, ligadas diretamente à vida, como água potável, sementes, solos e órgãos humanos são objetos de compra e venda e, por isso, ocasião de acumulação. Tais realidades têm grande valor, mas não têm preço. Por isso, jamais deveriam entrar no circuito comercial do mercado.

Busquei o fundamento de Boff acima para cotejá-lo com o golpe que o Brasil sofreu, mostrando que os Senhores Senadores, aqueles que apoiaram o golpe, corruptos, na maioria, nos veem como objetos de uso. A destituição da Presidenta Dilma, eleita pela soberania popular, revela a semiótica parlamentar do desprezo à inteligência do brasileiro. Os usurpadores, além da sede por abafarem as investigações contra eles, nos oferecem aos matadouros da política neoliberal estadunidense inconformada com a visibilidade e respeito que a nação brasileira alcançou nos organismos internacionais por conta das grandes transformações econômico-sociais ocorridas nos últimos treze anos no país.

Aproveitando o ensejo, externo que desejo, profundamente, que ainda que não tenhamos acordado para o real sentido do golpe que, pelo menos, não percamos, lá no fundo, a capacidade de humanizar-nos em tempos difíceis e, principalmente, que não abandonemos os relampejos da consciência imputada no humano ao longo da escala evolutiva da vida, pois, se isso acontecer, nós não atingiremos a sensibilidade para outro país e, consequentemente, não pularemos a onda de conservadorismo materializado em machismo, racismo e homofobia impressa no golpe parlamentar de 2016.

O Brasil atual e de antes errou em muitos aspectos e isso se deu a partir das diretrizes econômicas e políticas adotadas por governos ditos de direita e, até mesmo, pela guinada ao modelo neoliberal que o Partido dos Trabalhadores abraçou ao assumir o poder governamental. Esses (des)caminhos podem trazer consequências bem mais graves do que as que já enfrentamos e estamos enfrentando.

Diante de nossa tragédia atual, ou mostramos à esquerda atual que o caminho é a ecologização em todos os sentidos, ou pereceremos nas garras do sistema de governo arvorado nos modelos clássicos de produção e de exploração. O próprio socialismo precisa ecologizar-se para sair dos limites do equívoco de pensar a justiça social sem correlacioná-la com o fator mais importante, ou seja, com a justiça ambiental, pois se os direitos e dignidades da Mãe Terra não forem respeitados, será impossível sonhar com a dignidade de seus filhos, tanto humanos quanto de toda a cadeia de vida, já que a justiça social e a ambiental caminham de mãos dadas.

Respondendo à pergunta “Como será possível a sustentabilidade sem a transformação necessária na economia e na política do Brasil?”, respondo que, sem transformação nesses dois eixos, isto é, na economia e na política, não será possível nem sonhar com a sustentabilidade, pois essa passa, necessariamente, por esses espaços de decisões. Enfim, pode-se dizer que a sustentabilidade não será possível se não houver a transformação de nossas arquiteturas e designs mentais de pensar as relações no país e que essa nova mente só se viabilizará se o brasileiro perceber que é preciso despertar para atingir o olhar de águia com vistas a enxergar mais e além, pois somente por meio da visão de águia, saberemos cobrar e experimentar políticas transformadoras distantes da lógica de mercado mantenedor da dependência dos governos eleitos de forma insustentável.

Foto: http://www.correiodobrasil.com.br/

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