Por Bruno Lupion.
Avança a passos lentos no Congresso uma proposta de emenda à Constituição para acabar ou reduzir o alcance do foro privilegiado, que confere a autoridades públicas o direito de ser julgado diretamente por tribunais, e não por um juiz comum de primeira instância. O texto em discussão foi proposto pelo senador Álvaro Dias (PV-PR) e estava em análise do plenário, após o relator, Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), conseguir o apoio de 41 dos 81 senadores para que o tema fosse votado com urgência. Na terça-feira (4), contudo, o projeto foi enviado de volta à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), para que seja analisado com outro texto semelhante. A proposta de Dias acaba com o foro privilegiado para todas as autoridades.
Cerca de 37 mil pessoas no Brasil têm hoje direito de responder a processos criminais diretamente a tribunais. Elas são julgadas por Tribunais de Justiça dos Estados, Tribunais Regionais Federais, pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal, dependendo do cargo ocupado.
O foro privilegiado é frequentemente associado à impunidade, pois dá tratamento diferenciado a alguns cidadãos e pode fazer com que o julgamento se atrase mais do que o normal. Senadores já apresentaram diversas emendas ao projeto, de autoria inclusive do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).
Há quatro propostas de maior impacto: manter no Supremo a decisão de transformar ou não uma pessoa em ré, realizar o julgamento no local de domicílio do réu, e não onde ocorreu o crime, criar uma vara especializada em Brasília para julgar autoridades e manter o foro privilegiado para os crimes ligados ao exercício do cargo.
Valores em jogo Thomaz Pereira, professor da FGV Direito Rio, afirma ao Nexo que as quatro emendas lidam com uma questão semelhante: como reduzir o número de casos criminais no Supremo, que não foi desenhado para julgar esse tipo de processo, e ao mesmo tempo atender à preocupação de autoridades que temem ser processadas e julgadas por motivos políticos. “Todas essas medidas têm custos e benefícios. Por isso mesmo, envolvem decisões políticas, sobre o que se deseja privilegiar” Thomaz Pereira Professor da FGV Direito Rio Ele diz que não há uma mesma solução abstrata sobre o julgamento de autoridades que possa ser aplicada em qualquer lugar do mundo. “É preciso olhar para a nossa realidade, para o nosso Judiciário, o Legislativo e o Executivo, olhar os dados, e aí pensar qual solução ataca os nossos problemas”, diz. A questão é que hoje são vários os problemas ligados ao foro privilegiado: a morosidade dos julgamentos, a falta de vocação do Supremo para processar casos criminais, a abrangência atual do foro e o elevado número de autoridades sob investigação ou respondendo a ação penal. Entenda os prós e contras de cada medida:
Denúncia admitida pelo Supremo
O QUE É
A decisão sobre aceitar ou não uma denúncia apresentada pelo Ministério Público contra as autoridades que hoje têm foro privilegiado junto ao Supremo continuaria sendo feita pela Corte. Caso os ministros determinem a abertura da ação penal, o processo então seria encaminhado à primeira instância da Justiça.
O QUE MANTÉM
O Supremo continuaria a atuar como filtro para avaliar em quais casos há indícios suficientes para transformar alguém em réu. Evita que uma autoridade seja tornada ré com base em denúncias ou decisões judiciais mais sujeitas a influências políticas locais. A abertura da ação ainda dependeria da pauta da Corte, sujeita a mais atrasos e a pedidos de vista solicitados por ministros que interrompem a análise do caso sem prazo final.
O QUE MODIFICA
Uma vez aberta, a tramitação da ação penal ocorreria na primeira instância, mais equipada para fazer andar processos desse tipo do que o Supremo. Foro no local do domicílio do réu
O QUE É
Ações criminais contra pessoas sem foro privilegiado tramitam no local onde o crime teria ocorrido. Essa regra serve para facilitar a coleta de provas e a oitiva de testemunhas durante a investigação, além de beneficiar a vítima. Caso todas as autoridades percam o foro privilegiado, as que forem denunciadas por crimes estarão sujeitas a responder processos em mais de uma localidade pelo país.
O QUE MANTÉM
A regra concentra todas as ações contra autoridades no local onde é o domicílio do réu. A pessoa responderia às ações em uma mesma comarca.
O QUE MODIFICA
Casos deixariam de ser julgados diretamente pelo tribunal, e sim pela primeira instância. Vara especializada para autoridades
O QUE É
Criar uma vara especializada em Brasília somente para julgar autoridades com foro privilegiado, que hoje respondem a processos no Supremo.
O QUE MANTÉM Análise de casos penais continuaria concentrada em um local, em uma vara especial para autoridades. Juízes dessa vara estariam sob pressão da sociedade para adotar condutas equilibradas.
O QUE MODIFICA
Essa nova vara poderia ser estruturada para ter grande capacidade de lidar com inquéritos e ações penais, reduzindo o tempo dos processos e liberando o Supremo para julgar outros tipos de ações ligadas ao principal objetivo da Corte, que envolvam discussões teóricas sobre a aplicação da Constituição. Os juízes dessa vara poderiam ter que, no exercício do seu dever, contrariar autoridades poderosas, apesar de não terem as garantias hoje atribuídas aos ministros do Supremo. Foro para crimes ligados à função pública
O QUE É
Os crimes relacionados ao exercício da função pública, como usar seu cargo para pedir propina, seriam julgados pelo Supremo. Crimes comuns, como dirigir embriagado ou violência doméstica, passariam a ser julgados direto na primeira instância.
O QUE MANTÉM
Casos mais relevantes que envolvam desvio de dinheiro público continuariam sendo decididos pelo Supremo, com as dificuldades da Corte para processar ações desse tipo.
O QUE MODIFICA
Crimes sem relação com o cargo, que hoje também engrossam a fila de processos criminais aguardando decisão do Supremo, seriam deslocados para a primeira instância.
Fonte: Nexo.