Por Mariano Saravia.
Dois terremotos atingiram a Turquia e a Síria na segunda-feira. Foram dois terremotos consecutivos, medindo 7,8 e 7,0 na escala Richter, deixando (até agora) mais de 7.000 (N. da R.: cifra atualizada 11.200) mortos, dezenas de milhares de feridos e enormes danos materiais.
-Estamos falando da área da Anatólia, sul da Turquia e norte da Síria, onde está localizada sua segunda cidade, Aleppo.
Esta área do norte da Síria já estava sendo punida pela chamada “guerra civil”, que na verdade é uma guerra ocidental contra a Síria, primeiro com o Estado Islâmico e depois com o chamado Exército Sírio Livre (rebeldes armados pelo Ocidente).
Leia mais: A “guerra do lítio mineral” e o Império na América Latina. Por Bruno Beaklini.
-No caso da Turquia, trata-se de uma área habitada principalmente por curdos. Existem cerca de 25 milhões de curdos na Turquia, que são tratados pela Turquia como cidadãos de segunda classe. Isto explica em parte a falta de infraestrutura e de preparação para tais contingências. Por exemplo, o terremoto de 2010 no Chile foi um terremoto de magnitude 8,8 e deixou muito menos vítimas porque houve uma previsão.
-Mas o que um desastre natural tem a ver com a política? Tem muito a ver com política. Por exemplo, lembre-se do terremoto de San Juan de 1944 e de como ele influenciou o surgimento de um movimento político que mudaria a Argentina, o peronismo.
-Também neste caso, este drama poderia ter importantes ramificações geopolíticas, assim como a pandemia.
-Turquia vem se afastando do Ocidente e em direção à Rússia há já algum tempo. Isto é algo novo, porque historicamente tem sido um aliado leal dos Estados Unidos na região.
-Mas na sexta-feira 4, três dias antes do terremoto, o Ministro do Interior da Turquia disse ao embaixador dos EUA: “Tire suas mãos sujas deste país, conheço os jornalistas que você faz escreverem o que você quer”; “sei muito bem que você gostaria de gerar conflitos internos”; “toda vez que um embaixador dos EUA chega, ele começa a conspirar e buscar um golpe de Estado”.
-Neste contexto, é necessário observar de perto como e de onde chega a ajuda humanitária após os terremotos. Vladimir Putin falou imediatamente com seu homólogo turco Erdogan. O mesmo não aconteceu com Biden ou com qualquer líder europeu. A Rússia já enviou suas equipes técnicas e até mesmo aviões, enquanto o Ocidente apenas enviou declarações de simpatia e pesar. Isto poderia aprofundar o curto-circuito da Turquia com o Ocidente e sua aproximação com outros pólos de poder, como a Rússia e a China.
-Se isso acontecesse, seria um outro terremoto, mas político, dentro da OTAN. Porque a Turquia tem o segundo maior exército da OTAN depois dos EUA, e a OTAN está travando uma guerra contra a Rússia ao tomar a Ucrânia como refém.
-De outro ângulo, também resta saber se este drama compartilhado levará a Turquia e a Síria a começarem a colaborar, uma vez que eles estiveram enfrentados nos últimos anos. Isso poderia mudar a equação geopolítica na região.
-O mesmo vale para a Armênia, que há anos tem as fronteiras fechadas com a Turquia. A Turquia ainda não reconhece sua responsabilidade pelo genocídio armênio de 1915 e apóia incondicionalmente o Azerbaijão em seus ataques a Nagorno-Karabakh. Uma parceria armênia com a Turquia poderia mudar esta situação, pelo menos gradualmente?
Tudo isso são incógnitas, mas possibilidades de conseqüências geopolíticas decorrentes dos terremotos da última segunda-feira.
Mariano Saravia é jornalista na Argentina.
A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.