Como o “mais perigoso blogueiro do mundo” mudou a política russa

Foto: Reprodução/The Guardian

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No dia 18 de julho, um julgamento na cidade russa de Kirov sentenciou o blogueiro Aleksey Navalny a cinco anos de prisão por, como ele mesmo gosta de chamar, “roubar uma floresta”. Navalny era um conselheiro voluntário para a reformulação de uma madeireira local e é acusado de causar um prejuízo de 500 mil dólares para o governo. No dia 19, ele foi solto, atitude considerada como uma manobra política de um dos seus principais inimigos, o presidente Vladmir Putin.

A acusação contra Navalny é vista como uma forma de perseguição política ao primeiro líder a surgir dentro da oposição russa desde a queda da União Soviética. Para a analista de política russa Masha Lipman, Navalny é um político nato: “Se a Rússia fosse um país com um campo livre para a competição política, ele certamente teria uma carreira política brilhante. Poderia até ser um candidato presidencial”.

Mas esse não é seu maior trunfo. Diferente de toda a oposição ao governo Putin, Navalny entendeu que o problema da Rússia não é seu presidente, mas sim a cultura pós-soviética de ganância, medo e cinismo encorajada e explorada por Putin. Navalny também soube se afastar da velha guarda liberal, que chamou de “massa de restos e migalhas do movimento pela democracia dos anos 80”. Para ele, essa oposição simplesmente participa do culto a Putin em reverso, pois também é um culto acreditar que todo o mal do país é fruto de uma só pessoa.

Navalny também se opõe à mentalidade de que os russos são naturalmente predispostos à corrupção e ao autoritarismo: “não existe um obstáculo mental ou cultural para vivermos normalmente. A Rússia não é tão diferente da Europa para obter um padrão de vida europeu. E nós podemos viver deste jeito. Nós também podemos construir uma democracia ao estilo europeu”, disse.

A batalha final

Em vez de organizar pequenos protestos no estilo da velha guarda, Navalny trabalhou silenciosamente e metodicamente durante anos para construir a fundação dos massivos protestos por democracia em 2011 e 2012. Mesmo antes de criar seu popular blog, “A batalha final entre o bem e a neutralidade”, Navalny, que também é advogado, trabalhou em projetos que envolveram jovens em protestos locais e os ensinou a utilizar canais burocráticos para sua vantagem. Em seu blog, detalhou os ridículos esquemas pelos quais bancos estatais e companhias de petróleo e gás desviaram quantias milionárias. Ele postou documentos que comprovavam suas alegações, e isso se tornou tão popular que Navalny criou um projeto de financiamento coletivo, o Fundo para Luta contra Corrupção. Isso lhe permitiu não depender do tóxico financiamento externo e a ser autossuficiente.

“Navalny está tornando o roubo tão perigoso quanto agora é seguro. Ele está mudando a percepção do público e dos burocratas sobre os riscos”, disse Anton Nossik, um empresário da Internet. Ele fez os russos, que vivem em uma sociedade atomizada e sedada pelo petróleo e pela política de Putin, perceberem que eram responsáveis pelo que acontecia no mundo e, mais importante, que poderiam mudar as coisas.

Seu trabalho meticuloso foi o que trouxe dezenas de milhares de pessoas para as ruas de Moscou. Muitos deles votaram pela primeira vez em 2011 influenciados pelo blogueiro e se sentiram traídos quando a eleição foi fraudada. Milhares se inscreveram para o tedioso trabalho de monitoramento de eleições, algo inimaginável alguns anos antes. Reconhecendo a mudança, e também seu responsável, as autoridades prenderam Navalny um dia depois das eleições.

Máquina repressora

Navalny também mostrou aos russos que eles não deveriam ter medo. Para ele, não existe uma máquina repressora dominada por Putin. “É tudo ficção. Eles podem perseguir e destruir uma única pessoa, mas não conseguem fazer nada contra uma multidão. Não existe uma máquina. É só um grupo de bandidos unidos sob o retrato de Putin. Não existe um regime extremamente repressivo. É só um grupo de bandidos”, declarou. “Mas se amanhã uma dezena de homens de negócios falarem livremente, nós viveríamos em um país diferente”.

E o amanhã realmente trouxe uma Rússia diferente, como mostraram os milhares de manifestantes contra a condenação de Navalny, na semana passada. Seu julgamento marcou a primeira vez em que ele apareceu na televisão nacional, que é completamente estatal. O ponto era associar seu nome com crime e corrupção. No entanto, pesquisas mostram que o povo russo é cínico o suficiente para perceber que as acusações são uma retaliação ao seu trabalho político.

Entendendo isso, Navalny transformou sua fala final no julgamento em um pequeno discurso: “Vamos sair deste mundo de fantasia. Em quinze anos de grande fluxo de petróleo e gás, o que o cidadão comum conseguiu? Algum de nós têm melhor acesso a saúde, a educação, a moradia? O que nós conseguimos?”.

Navalny não é tímido sobre suas ambições políticas e já falou que deseja concorrer às eleições presidenciais. Um dia antes do julgamento, escreveu um longo texto para seu blog. “Chega de ter medo. É tempo de se organizar e ir ao trabalho. Em todos esses anos, aprendi ao lado de vocês como se organizar mesmo em condição de intimidação estatal e falta de dinheiro. Aprendemos a conseguir dinheiro, a conduzir investigações, a encontrar as propriedades desses bandidos. Aprendemos a produzir, financiar e distribuir jornais. Aprendemos a organizar grandes protestos.”

“Não existe ninguém além de vocês”, ele continua. “Não existe ninguém que se importa mais com esse país do que vocês. Não existem voluntários mágicos que surgirão e trabalharão por vocês. Se vocês já chegaram ao ponto de ler este blog, então vocês fazem parte da vanguarda. Não existe ninguém além de vocês”.

O principal, disse ele, é não ceder ao medo. “Afinal, o que eles podem fazer? Prender vinte pessoas, cinquenta? Cem, se eles realmente se excederem? É claro que é desconfortável ser uma dessas vinte, cinquenta, cem pessoas, mas todo o tipo de coisas acontecem na vida. Às vezes, um piano cai na cabeça das pessoas”.

Tradução: Rodrigo Neves, edição de Leticia Nunes. Informações de Julia Ioffe [“The Most Dangerous Blogger in the World – How Aleksey Navalny changed Russian politics”, The New Republic, 18/7/2013]

Fonte: Observatório da Imprensa.

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