Como o conselho do leitor pode contribuir para a busca da qualidade no Jornalismo

Por Larissa Cabral.*

O estudo sobre a Qualidade no Jornalismo figura como um campo de alta complexidade, com grande abrangência de vertentes, aspecto reforçado por fenômenos como a Revolução Digital e a concentração midiática. Mas, diante da importância dos veículos jornalísticos à vida social e ao nosso dia-a-dia, é uma análise fundamental que precisa ser feita constantemente, inclusive definindo-se parâmetros, por mais complicado, abstrato ou subjetivo que o termo “qualidade no Jornalismo” possa parecer.

Ao tomarmos o jornalismo como um serviço público – para mim um dos conceitos mais fortes, entre aqueles que justificam a profissão -, seu objetivo e o dos jornalistas é prestar um serviço dirigido aos cidadãos (não consumidores), os quais precisam ter acesso à informação factível sobre acontecimentos relevantes da vida pública. Desse modo, ampliam sua capacidade de compreensão e intervenção no espaço onde convivem. Com isso, espera-se que a democracia seja fortalecida e que haja promoção de qualidade da vida pública.

Do meu ponto de vista, para se prestar um serviço de qualidade e que atenda às demandas do cliente – no caso do Jornalismo, do cidadão – é preciso conhecê-lo e estar em contato direto com ele, identificando não só o que ele quer ver noticiado, como também o que precisa ver. Frente a esse objetivo, considero o conselho de leitores uma boa ferramenta, de grande potencial. Um conselho representativo em relação à sociedade e com poder de influência sobre o que se produz nas redações pode sugerir e defender a qualidade dos temas abordados, da linguagem adequada e acessível e do potencial de “esclarecimento”, de acordo com seus interesses e necessidades.

Os conselhos de leitores, ideia que se originou na imprensa europeia, na década de 1990, são um dos canais de comunicação entre os veículos midiáticos e seu público. O grupo, que não deve receber remuneração alguma por seu trabalho, é responsável por avaliar o conteúdo de um jornal impresso, por exemplo, e contribuir com sugestões e críticas. Além de opinar sobre a cobertura dos fatos, os conselheiros apontam falhas, avaliam reportagens, questionam decisões editoriais e discutem enfoques com colunistas e editores. Com essa postura, espera-se que contribuam para que a publicação cumpra seu papel social. É importante lembrar ainda que tornar transparente a maquinaria da mídia é também contribuir para uma educação para o consumo crítico das informações, numa espécie de alfabetização do público.

Acredita-se que a busca por canais que proporcionem um relacionamento mais próximo com o leitor é uma realidade comum a diversos jornais impressos, os quais objetivam trazer a sociedade civil para dentro das redações, dialogar com ela e entender seus anseios e expectativas. É importante refletir sobre as variáveis que influenciam as empresas midiáticas em relação à profundidade dessa relação, ou seja, até que ponto é interessante que a sociedade civil esteja próxima da redação e dos processos jornalísticos e empresariais envolvidos na produção e até que ponto eles estão abertos a acatar seus posicionamentos.

No Diário Catarinense, segundo jornal impresso de maior circulação média entre os meses de janeiro e agosto deste ano, segundo o IVC, com 30,04% do mercado e 13.293 exemplares/mês, o Conselho do Leitor existiu há alguns anos, foi extinto e retomado em2011. Aseleção dos conselheiros começou em janeiro daquele ano, mas o grupo de 12 membros foi oficialmente apresentado aos leitores em outubro de 2011.

As reuniões com os conselheiros acontecem uma vez por mês, sempre nas segundas-feiras. Participam além dos conselheiros, a editora do Diário do Leitor, Carolina Spricigo, que assumiu a posição em setembro. O encontro também conta com a presença de algum editor de área ou colunista e da editora executiva da publicação, Deca Soares, e do diretor de jornais de Santa Catarina, Ricardo Stefanelli.

Nesta reunião, que dura aproximadamente duas horas, os conselheiros falam sobre o que gostam e o que não gostam no jornal, avaliam as coberturas ou a falta delas, sugerem pautas e avaliam os cadernos, em geral. Além das reuniões mensais, a comunicação também pode ocorrer por e-mail e telefone. As pessoas querem se ver e ver a história delas ou da cidade delas dentro do jornal, na busca por alguma identificação com o que é publicado. É neste contato mensal com os conselheiros que a empresa tenta concretizar suas intenções.

Segundo Carolina Spricigo, a primeira seleção para o conselho aconteceu a partir de uma provocação pelo portal do Diário e com a ajuda do call center. Várias pessoas se candidataram, enviando seus dados e uma espécie de questionário online foi aplicado para aumentar a relação com os candidatos e dali extraíram a primeira composição, que deve ser renovada a cada seis meses. De acordo com a editora do Diário do Leitor, há outros canais de comunicação com o público, como pesquisas diárias e anuais com assinantes, e o espaço E Daí?, que transforma dúvidas dos leitores em reportagens.

Na última gestão do conselho apresentada pelo DC, constavam como conselheiros, Aluisio Dobes, morador do Norte da Ilha; Fernando Telini, paulista que mora há 11 anos na Capital; João Buatim, Pedro Manoel de Aguiar, Sonia Regina Pille, moradora do Rio Tavares; o professor José Sergio dos Santos e Paulo de Werk. Essas foram as únicas informações relativas ao perfil dos membros detalhadas pela matéria que apresentou o grupo aos leitores do DC e disponibilizadas por Carolina Spricigo. Para mim, tal características são insuficientes para se afirmar que há representatividade em relação à sociedade civil ou ao universo do público-leitor.

Primeiro, é um grupo muito pequeno, em relação ao universo que pretende representar. Aliás, esse universo também não está bem definido, afinal, o veículo poderia apresentar alguma pesquisa sobre o perfil do seu público-leitor para mostrar a que tipo de cidadão pretende atender. Segundo, não há dados sobre o endereço de residência de todos os membros, assim como informações sobre idade, renda, escolaridade, hábitos de consumo de leitura e demais informações que poderiam ilustrar com mais clareza se os conselheiros são ou não representativos. Outro aspecto que me chama atenção é a periodicidade com que se encontram para dialogar diretamente com o veículo, afinal, duas horas mensais podem ser insuficientes para se analisar com profundidade as críticas e para que se apresentem propostas de produção em sintonia com o que espera o público.

Acredito que para esse formato de participação social na produção jornalística, a grande questão é como estabelecer uma gestão de fato participativa, que também contribua para a cidadania e postura crítica da sociedade. Dependendo do meio onde o conselho está inserido, ele pode ser um instrumento pouco sistematizado e avaliado, sem grande impacto nos processos em si. É importante analisar a possibilidade de um modelo que não seja restrito a espaços individuais e que fomente a atuação em rede, articulando o interesse social e os processos comunicacionais que sejam cada vez mais participativos e cada vez menos influenciados por critérios empresariais.

O desafio para uma atuação mais efetiva do conselho de leitores, que pode ser um instrumento importante na defesa da qualidade do jornalismo enquanto serviço público existe também porque a cultura de avaliação da qualidade ainda não foi efetivamente incorporada no Jornalismo. Entre os motivos estão o mercado pouco competitivo – ou a concentração midiática, a dificuldade de se construir parâmetros e referenciais seguros e a cultura profissional e empresarial alheia a mecanismos de fiscalização. Um fato ilustrativo é a rara presença dos ombudsman e de conselho de leitores nos jornais. O jornal Notícias do Dia, por exemplo, não se pronunciou formalmente sobre o assunto, quando consultado por esta autora. Contudo, uma fonte informal da redação afirmou que houve algumas tentativas de se instaurar um conselho, mas que o projeto não vingou. Os motivos para tal fracasso não foram apresentados ou discutidos.

São poucos aqueles veículos e profissionais que veem a crítica e a participação externa como um passo para a melhoria e para a democratização. É possível questionar, inclusive, se é de interesse dos meios que haja uma nova proposta de democratização da mídia e de potencialidades para promover a cidadania e a autonomia, com uma participação ampla e ativa dos conselhos, por exemplo. Luiz Egypto Cerqueira  (2010), por exemplo, defende que a imprensa opera sob um quadro de concentração empresarial, onde ocorre a tendência à unificação de discursos, em detrimento da pluralidade de vozes e de visões de mundo. Depende, então, em parte das intenções dos veículos a mudança ou não desse quadro.

O texto de Victor Gentilli sobre o futuro do jornalismo expõe uma relação entre jornalismo e esclarecimento, segundo o qual, o homem emancipado só pode tomar decisões e participar de escolhas políticas se for devidamente esclarecido. Nessa ótica, a imprensa assume certa “responsabilidade social”, mesmo que apenas no campo das intenções. Gentilli também aborda o jornal como uma instituição social, cuja principal função é produzir informação pública para a cidadania, colocando o “poder público” em “público”, com o objetivo de produzir e difundir conhecimento sobre a realidade contemporânea das questões públicas e produzir esclarecimento aos cidadãos. Assim, todo jornal realiza três atividades essenciais: selecionar, organizar e hierarquizar informações, atividades que são, em essência, julgamentos. Quanto mais o “interesse público” for perceptível entre os critérios, mais um jornal aproxima-se do ideal no que se refere à instituição social.

Assim, acredito que, quanto mais claros para o público-leitor forem os critérios de julgamento para esse processo de produção e quanto mais seus interesses forem defendidos por tais critérios, mais os veículos cumprem sua função social e caminham em direção ao que poderia ser fator chave para alcançar a qualidade no jornalismo. Segundo Gentilli, as atividades de crítica de mídia são fundamentais para que, por pressão e exigência da sociedade, possamos oferecer um jornalismo de mais qualidade, com mais conhecimento e esclarecimento.

Assim como a matriz de indicadores de qualidade apresentada por Cerqueira se apoia nas teorias do jornalismo e em documentos como o “Indicadores de Desenvolvimento da Mídia” (UNESCO, 2008), ela envolve também a identificação de fatores de ambiente e cultura que podem influenciar no desempenho dos profissionais. Sob essa ótica, o conselho de leitores seria uma ótima oportunidade para se identificar esses fatores. Ao se discutir qualidade, é importante avaliar a cobertura social e geográfica que representam; a diversidade de posições e perspectivas que veiculam. Deve-se também aferir as percepções de qualidade que o público tem e a relação que estabelecem entre qualidade e credibilidade.

Sabe-se que o conceito de “qualidade jornalística” não tem uma apreensão comum a todos os atores envolvidos no processo. Tem-se que a qualidade implica em um trabalho bem feito de apuração, contudo, não adianta nada um bom trabalho nesse sentido, se não houver sintonia com os anseios do leitor ou do público, além de vontade e interesse por parte da empresa midiática. Concordo que, ao se mostrarem dispostos a suprir esta necessidade do público e perseguirem esse objetivo, o veículo e a organização terão ganhos evidentes na forma como são reconhecidos no mercado e percebidos pelos diversos públicos, inclusive aqueles que não consomem diretamente seus produtos e serviços. Trabalharão assim, em prol da qualidade do jornalismo como serviço social e pela defesa da democratização dos meios de comunicação e esclarecimento da sociedade.

 * UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

MBA EM JORNALISMO: GESTÃO EDITORIAL

DISCIPLINA: QUALIDADE NO JORNALISMO

PROFESSOR: SAMUEL LIMA

ALUNA: LARISSA B. C. CABRAL

Imagem: http://scper.learninglab.com.ar/

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