Como mentiras sobre a morte de Marisa buscam evitar empatia com Lula

Por Leonardo Sakamoto.

”O objetivo, neste momento, é não deixar gerar compaixão com Lula.”

A avaliação veio de um profissional que trabalha com construção e desconstrução de reputação via redes sociais. Em condição de anonimato, ele me explicou que é esse o objetivo de boatos que estão circulando na rede por conta da morte de Marisa Letícia, esposa do ex-presidente.

Um dos boatos afirma que o velório seria realizado de caixão fechado porque tudo isso era uma encenação para forjar sua morte e possibilitar a fuga para o exterior a fim de escapar de ser julgada e presa como consequência da Operação Lava Jato. Outras mensagens exigiam que as Forças Armadas obrigassem a realização de teste de DNA no corpo.

Não importa a foto abaixo. Não importa que políticos ligados a Lula ou adversários políticos fizeram visitas no hospital antes de ser declarado o óbito. Não importa que o Sírio-Libanês seja uma instituição com uma reputação a zelar (chegando a demitir uma de suas médicas por vazar informações confidenciais sobre a entrada de Marisa no hospital) e não toparia essa encenação. Não importa a multidão que compareceu ao velório realizado em caixão aberto em São Bernardo do Campo. Não importa os jornalistas que estavam lá para cobrir e noticiar e a profusão de fotos e de vídeos circulando.

Se a loucura faz sentido para um grupo de pessoas que odeia os dois, emoções é que passam a construir a realidade e fatos tornam-se irrelevantes. É a velha burrice fundamental consagrada sob o nome pomposo da pós-verdade.

Outra mensagem, violenta, que está circulando diz que tudo é uma ”falácia para comover a população” porque ela não poderia doar órgãos uma vez que teria atingido a idade limite de 70 anos. Contudo, não existe limite de idade para doação e ela tinha 66. Obtive a confirmação de que rins e córneas, por exemplo, haviam sido retirados para doação, entre outros órgãos.

Claro que a morte de Marisa Letícia gera comoção junto a uma parcela da população que respeita Lula. E a situação tende a criar empatia devido o sofrimento de Lula, que é real, e pode gerar, inclusive, desconforto a protagonistas da Lava Jato – uma vez que o próprio ex-presidente afirmou que sua esposa morreu triste por ter sido acusada de algo que não cometeu.

Ao longo dos últimos anos, entrevistei profissionais contratados por políticos para construir ou desconstruir candidaturas através de ação coordenada em redes sociais. E, ao contrário do que acredita o senso comum, não são robôs usados para xingar tresloucadamente que causam os maiores impactos, mas ”fazendas” de perfis falsos que parecem reais e são administradas por anos, agindo de acordo com pesquisas comportamentais.

Daí, a avaliação do profissional com quem falei. Essas mensagens, nascidas de malucos que atuam como atiradores solitários ou produzidas por grupos especializados, estariam sendo bombadas artificialmente para impedir a formação dessa empatia.

E, com isso, evitar que o longo trabalho de desumanização feito contra Lula e o PT – que, independentemente de seus defeitos ou crimes, é maior do que o tamanho do ódio gerado contra eles – seja perdido.

Isso sem contar os sites que produzem boatos e fofocas absurdos não por motivos políticos, mas sim para, através de cliques em anúncios, ganhar dinheiro. Nas eleições presidenciais norte-americanas do ano passado, uma cidade da Macedônia ficou famosa por produzir sites com notícias mentirosas pró-Trump a fim de ganhar com visitas de internautas dos Estados Unidos.

Lula é um animal político, tal como Fernando Henrique. Ambos fazem política até dormindo, então é natural que na morte de ambas as esposas, eles alternassem choro e política, no ombro de aliados ou adversários. O que não é natural é imaginar que o mundo é um grande duelo do bem contra o mal.

O ideal seria que a população não confiasse em mensagens de WhatsApp que não pode checar a veracidade para a formação de sua opinião, como tenho dito, há anos, neste blog. Mas como alfabetização midiática e informacional é algo raro, que não será realizado em massa no curto prazo, os veículos de comunicação tradicionais de massa têm um papel importante a cumprir, que é o de explicitar esse tipo de boato e, na medida do possível, a quem ele interessa. Sites que desmascaram informações falsas são importantes, mas atuam em uma escala muito pequena para esse tipo de acontecimento.

Isso deveria ocorrer, independentemente do resultado do boato ser oportuno a quem controla o veículo ou não. Sei que isso pode parecer utopia. Mas, agora, é com a família Silva. Amanhã, poderá ser com qualquer outra família.

E, acreditem: a imprensa tradicional (que já está em fase de transformação por conta das mudanças na forma de financiamento do jornalismo na era digital) pode se tornar irrelevante diante da força das fábricas de ”verdades alternativas” que temos por aí. Que não têm compromisso com nada, nem ninguém.

Fonte: Blog do Sakamoto

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