Por Viegas Fernandes da Costa.
Naná, minha querida amiga, quanta saudade! Há dois meses conversamos pela última vez, e te juro que não foram poucos os momentos os quais sentei diante deste papel para te falar das coisas daqui. Mas como superar o desânimo, Naná? Como te dizer das coisas sem desfiar novo novelo de velhas lamúrias pátrias? Imagino qual tua reação ao leres estas primeiras linhas, um “déjà vu”, e eu poderia te dizer “dejavu”, se em lituano soubéssemos conversar. “Dejavu”, Naná, porque meu repertório é um disco de vinil riscado, e se recorro a este velho clichê é porque os dias estão para clichês que não cabem em propagandas de margarina. Mas a gente sai da cama pela manhã, não é mesmo? Cheios de dores e rancores, mas a gente sai. Sei que me entendes, afinal, não foram outros os motivos que te levaram para aí onde estás, com a casa cravada entre os limites da enorme cratera de fosfato e o mar com seus peixes recheados de microplástico.
Veja, amiga, como é curiosa esta coisa de sentar e escrever uma carta. Eu estava pronto para te falar do tanto de chantagem que o governo de Lula precisa suportar do presidente da Câmara Federal, o homúnculo Lira, que de musical só tem o nome, e eis que me cai no papel a palavra microplástico. Trata-se mesmo de algo a ser observado. Aqui em Santa Catarina nossos jovens estudantes do Instituto Federal estão fazendo uma pesquisa onde constataram a presença de microplásticos no interior de ostras e mexilhões.
Em todas as amostras!
Nos mexilhões, que são menos seletivos na alimentação, a quantidade de plástico é maior do que aquela encontrada no corpo das ostras. Mas mesmo nestas, de paladar mais exigente, o microplástico é condimento do qual não conseguem se esquivar. Os peixes que aí te chegam aos pés, Naná, por certo carregam estas mesmas porcarias nas entranhas. Nós, claro, também!
A propósito, sobre os homúnculos deves te recordar dos tempos em que estudavas aquelas sandices de Paracelso, que afirmava ser possível produzir homúnculos a partir do esperma humano posto em um vidro fechado e aquecido em esterco de cavalo durante quarenta dias. Nunca entendi por que exatamente quarenta dias, mas homúnculos só podem mesmo ser gestados em esterco cavalar. Lira faz jus!
Eu não compreendo, Naná, como foi possível juntar tantos sacripantas no Congresso Federal. Valha-me Deus, Buda e a Sagrada Cloaca Ofidiana, mas os eleitores brasileiros se superaram! Elegeram figuras que não caberiam sequer em filme de terror trash. Outro dia um senador da República postou nas redes sociais foto sua, na qual posava de sunga, ao lado de uma segunda foto que retratava o ministro Flavio Dino também de sunga. E qual era o objetivo deste senador? Consegues adivinhar? Comparar o tamanho dos bilaus, minha amiga! Sim, dos bilaus! Veja se isto tem cabimento? Um senador da República agindo como um moleque na puberdade, que compete com o nerd da classe, na arena de um banheiro escolar, a modalidade olímpica de tamanho de bilau. Um senador!!! Um homúnculo!!! Entendes meu desânimo, Naná? A política brasileira rastejando na fase fálica.
No mais, vamos seguindo. O inverno começou hoje, a previsão do tempo promete chuva para os próximos dias e o Tribunal Superior Eleitoral, a gente suspeita, tornará inelegível Bolsonaro. Muito pouco! Enquanto isso, militares e mequetrefes vão se esquivando pelas latrinas da opinião nacional. Mas te conto outro dia.
Um abraço forte desde aqui do coração desta Ilha.
Teu amigo,
Viegas.
Desterro, 21 de junho de 2023.
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