(Para Rosane Magaly e Ronaldo Martins)
– Mais alto! – pedia ela, e ele retrocedia dois passos, dava mais impulso, e o balanço voava, e a sainha colorida dela voava também, e os dois riam de felicidade enquanto brincavam assim, maninho e maninha em dias de descompromisso.
– Agora eu! Agora eu! – dizia ele, e então era ela quem empurrava o balanço, enquanto a franjinha loira dele era quem voava, anjinho de pintura assim que ele era suspenso no ar.
Havia os outros dias, os outros anos enquanto cresciam e voavam seus voos. O homem chegara à lua, coisa nunca acontecida, e havia que brincar de chegar lá também.
Nos azuis dias de vento terral, quando o frio cortava e mordia, eles nada sentiam, porque estavam viajando numa nave espacial. Levavam cobertas e lençóis para o pasto do morro próximo, e aproveitavam o vento intenso para fazerem os lençóis voarem como bandos de aves migratórias, enquanto eles se protegiam sobre as cobertas.
– Estamos quase chegando à lua! – gritava ele dentro do vento, sacudindo com força a ponta do lençol que parecia ter vida própria, com a sensação de que seria carregado para o espaço no momento seguinte.
– Chegamos! Chegamos! – garantia ela, agarrada à outra ponta do lençol flutuante.
E a infância ia-se indo…
Conforme cresciam, foram tomando outros rumos. Ela embarcou na nave da poesia, liderou momentos poéticos, voou com toda a força das suas asas. Ele voou por outros caminhos, mas sempre tendo como horizonte a liberdade tão amada, aprendida desde aqueles tempos de balanços e naves espaciais. Ela foi para a universidade e ele não, mas tinha tanto orgulho dela! Naquele dia de formatura ele se vestiu como um príncipe, colarinho de príncipe, camisa de príncipe, traje completo de príncipe. Era seu jeito de dizer a ela quanto a queria, o valor que lhe dava. Não houve quem não visse e sentisse o afeto que unia aqueles dois, ainda como o maninho e a maninha que um dia tinham sido, e não se emocionasse com aquilo. Não é em qualquer formatura que aparecem príncipes de verdade!
E a vida foi indo, foi indo…
Ninguém imaginaria como seria aquele voo que aconteceu no inesperado do que a gente acha que foi antes da hora. Duas coisas simultâneas aconteciam: ela tomava um avião para procurar por mais espiritualidade na Índia, e ele, cheio das alegrias de prolongado feriado de fim de ano era, inesperadamente, agarrado pela mão do destino que lhe trouxe uma coisa que a gente costuma chamar de AVC.
Encontraram-se quando o avião estava sobre o azul Oceano Índico. Ele a viu pela janelinha e esgueirou-se para dentro do avião.
– Mana! – chamou, e ela o viu ali.
– Mano! – disse, e de novo era como na infância, e os dois podiam voar juntos. Deram-se as mãos e o fizeram. Poderia ser um voo de despedida, mas será que o era?
Sempre se pode pensar que algum dia haverá, de novo, um menino e uma menina, e um balanço, e uma nave espacial… Sempre há tempo para se voar…
Blumenau, 17 de Fevereiro de 2015.
Urda Alice Klueger é escritora, historiadora e doutora em Geografia.
Foto: http://www.planetacurioso.com/2013/06/13/que-divertidos-son-los-columpios/