Por José Luiz Fevereiro.
Quando Dilma Roussef venceu as eleições em 2014 o Brasil estava às portas de uma recessão. A política de desonerações tributárias acompanhada da redução do investimento público na obstinada crença que o setor privado aumentaria seu investimento havia fracassado em um cenário onde a crise internacional tinha provocado forte queda nos preços dos produtos primários de exportação.
Ainda não nasceu o empresário que tendo capacidade de produzir 10 mil caixas de parafusos por dia e que vendendo apenas 7, se disponha a ampliar a sua capacidade de produção apenas porque o governo baixou seus impostos. Aumentar os investimentos públicos e rever as desonerações eram o caminho obvio para suavizar a recessão e retomar o crescimento econômico. Dilma optou por colocar Joaquim Levy à frente do Ministério da Fazenda e fazer um drástico corte de gastos públicos aprofundando a recessão.
“O senso comum tão na moda no debate econômico no Brasil diz que se uma família ganha 3000 e gasta 3500 ela tem que cortar despesas. Isso vale para uma família, uma empresa, um município e um estado. Mas não vale para a União porque esta, ao contrário das famílias, dos estados ou dos municípios, emite a moeda na qual é denominada a sua dívida e regula a taxa de juros pela qual esta é remunerada” | |
Quando falamos da economia como um todo, o gasto de um agente econômico é a receita do outro. Quando todos cortam gastos ao mesmo tempo, todos têm queda na sua receita. Em geral situações de déficit se agravam com essas medidas. Ao aprofundar a recessão em 2015, Levy provocou queda nas receitas de todos os agentes econômicos: famílias, empresas, municípios e estados, bem como da própria União.
Diz-se que quando a maré baixa é que se sabe quem estava tomando banho nu. Os primeiros estados a quebrar, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, tinham a sua situação fiscal já comprometida por razões distintas: o Rio Grande desde a década de 90 pelos efeitos da lei Kandir que desonerou de ICMS as exportações agrícolas de forte peso no estado; o Rio de Janeiro porque alavancado nas receitas de petróleo tinha, desde os governos Garotinho e Rosinha passando por Cabral, praticado uma política irresponsável e sem critérios claros de desonerações tributárias. Mas na sequencia destes estados, outros estão entrando em crise e grande parte dos municípios também. É difícil resistir a quedas de arrecadação fiscal da ordem de 2 dígitos.
Com Meireles a mesma política prossegue, levando a recessão em 2 anos para perto dos 8%. Uma queda do PIB de 8% provoca em geral uma queda da arrecadação tributária maior que os 8% porque empresas em crise se tiverem que optar por pagar fornecedores, salários e impostos vão priorizar os 2 primeiros porque são essenciais à continuidade da sua operação. A inadimplência tributaria cresce aprofundando a crise fiscal. A receita de Meirelles para esta crise é a mesma; corte de gastos. As consequências também são as mesmas, queda mais acentuada ainda nas arrecadações tributárias e aprofundamento da crise.
A estas alturas você está se perguntando se eles são idiotas. Alguns, os que acreditam naquilo que falam, certamente. Mas outros sabem exatamente o que estão fazendo. Recomendo a leitura dos artigos de Delfim Neto no Valor Econômico e na Carta Capital desta semana. Explicitamente Delfim defende as contrarreformas de Temer dizendo que elas já eram necessárias desde o governo Sarney nos anos 80. A crise lhes deu a oportunidade. O desmonte da Constituição de 88, da seguridade social e da CLT bem como avançar com a privatização do estado são os objetivos. Não é por acaso que privatizar a Cedae, a Cemig e o Banrisul são “contrapartidas” exigidas por Meirelles para o auxílio federal ao Rio, Rio Grande e Minas. A PEC 55 que limita os gastos federais por 20 anos, a reforma previdenciária, as mudanças na CLT, nada disso tramitaria pacificamente sem uma crise econômica de enormes proporções que de um lado desse discurso para disputar o senso comum e de outro quebrasse a resistência das partes envolvidas.
“A chantagem contra os estados é explicita. Funcionários públicos sem salários desde novembro, levados ao desespero, acabarão por opor menor resistência às contrapartidas exigidas pelo governo federal” |
O desmonte da seguridade social empurrando a classe média para os planos privados e precarizando as aposentadorias e pensões das faixas de menor renda também enfrentarão menor resistência no ambiente de sinistrose que a crise provoca. Essa é a lógica em vigor, a crise é o meio a ser perseguido para atingir o objetivo estratégico que é a reforma conservadora do estado.
Na ausência de terremotos, tsunamis, peste negra ou bombardeios da OTAN, a crise é o desastre “natural” necessário para o desmonte do pouco que temos de estado de bem-estar social.
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