Por Everton Rodrigues* com colaborações de Alexandre Vega e Julio Oliveira.
É comum ver ativistas da esquerda combaterem o monopólio da comunicação como se fosse algo distante das suas práticas políticas diárias. Podemos perceber distâncias entre teoria e prática. Vejamos algumas reflexões.
Muitos ativistas de esquerda, progressistas, pessoas que desejam uma outra sociedade, mais justa, acabam colaborando para criar, dar credibilidade e fortalecer o 4º poder no Brasil. A imprensa empresarial, criada como poder absoluto e sem qualquer fiscalização ou controle, pode fiscalizar pessoas, movimentos, partidos, criando manchetes e formar opiniões de acordo com os interesses que lhe for conveniente. O jornalismo, que deveria/prometeu ser uma força de fiscalização dos abusos dos três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) e tornar público os fatos dos acontecimentos da sociedade jamais cumpriu seu objetivo no Brasil, desde o início foi capturado pelas empresas de comunicação que formaram este ambiente cínico da imprensa empresarial e ao longo do tempo adquiriu a capacidade de inventar crises, eleger presidentes para garantir seus próprios interesses e manter privilégios da elite brasileira. O discurso dos donos da imprensa brasileira é a pluralidade do cinismo.
Esse enorme poder da imprensa impede inclusive a instalação do Conselho Nacional de Comunicação para fiscalizar os abusos da própria imprensa.
“A massa mantém a marca,
a marca mantém a mídia
e a mídia controla a massa.”
George Orwell
A cada compra de conteúdos, menção que se faz a um veículo, a um determinado conteúdo, click, acesso, leitura, divulgação de link, e até produção de conteúdo, se aumenta o alcance e fortalecem as marcas como um produto bom para seus investidores. O aumento do valor de anúncios no veículo é também o aumento do poder e alcance do veículo.
A informação é poder! A igreja católica é exemplo histórico: na idade média, ao perceber o poder da informação e do aprendizado, mandou queimar em praça pública livros considerados “hereges” e perseguiu os autores que criticavam seus dogmas. A imprensa empresarial segue a mesma linha, persegue todas as pessoas relevantes que criticam sua visão de mundo (e dos seus anunciantes mais importantes). E para conseguir seus objetivos é capaz de mentir, distorcer informações, ocultar fatos, ter acessos a documentos oficiais sem autorização. Os interesses da imprensa podem proteger governos que gastam milhões em publicidade nos seus veículos e tentar derrubar outros por interesses econômicos e políticos contrários ao seus.
Um dos exemplos mais recentes acontece em São Paulo. A imprensa protege o governador Geraldo Alckmin porque ele é o representante do status quo que garante a compra de milhões em publicidade. O governo do estado, na figura da sua PM, nos 5 atos contra o aumento da tarifa de transporte público, cercou manifestantes e em seguida os atacou com bombas e balas de borracha, atingindo manifestantes e até pessoas que não participavam dos atos. Nem crianças e mulheres grávidas foram poupadas, jovens foram massacrados por ordem criminosa do governo do estado diante de nossos olhos. Há vários vídeos, fotos e relatos que comprovam. A cada manifestação a imprensa repete que o protesto acabou “em confusão”. O que o governo do estado e a PM estão fazendo é crime, mas a imprensa empresarial diz que é confusão. Sugerimos a leitura dessa matéria: PM protagoniza carnificina durante manifestação em São Paulo.
Outro exemplo são as manifestações que defendem impeachment da presidenta Dilma. A imprensa empresarial divulgou, convocou e fez cobertura ao vivo em todas manifestações em rádio, TV, jornal impresso e redes socais. Assim ela mobilizou seu público, leitor fiel, como mostrado em pesquisa realizada durante ato desse tipo: O perfil é majoritariamente de brancos (73,6%), ricos (48% ganham acima de R$ 7,8 mil) e racistas (62% acham que negros não devem usar a cor da pele para conseguir ‘privilégios’ como cotas).”
Exemplos não faltam. Mas vamos ao principal objetivo deste texto.
“É o compromisso de uma vida! É o compromisso da existência. Então acredito que tem que se lutar pela criação de seres coletivos que representem essa ideia, e se juntar com os que pensam parecido e aprender a lidar com a diversidade de diferenças que existem. Porque é mentira que existiram grandes homens que mudem a história, é mentira! Existem grandes causas, sempre atrás tem que haver colunas coletivas que são as que dão força…” trecho da entrevista com José Mujica “Política como “compromisso de existência”
Mujica, uma referência para muitos de nós por ser a prova viva da diminuição da distância entre teoria e prática, fala brilhantemente sobre política como processo coletivo. E não existe um projeto coletivo político sem um projeto de comunicação. Contudo, a esquerda não conseguiu sequer produzir um debate coletivo qualificado sobre comunicação. A consequência é a não existência de um projeto de comunicação progressista, coletivo e verdadeiramente popular (não estatal) para o Brasil. Essa ausência de projeto coletivo de comunicação acaba levando ativistas a fortalecer a imprensa empresarial e facilita que alguns veículos progressistas repitam erros da imprensa empresarial para a nossa desgraça.
Existem alguns erros similares ao da imprensa tradicional nos veículos progressistas que estão em processo de desenvolvimento. Alguns veículos progressistas entram no jogo da corrida pela busca de cliques para também ampliar seus valores de anúncios e seus investimentos e muitas vezes podemos verificar que notícias são divulgadas sem uma verificação mais cuidadosa de fontes e de informações e mesmo algumas “liberdades estilísticas” para ajudar em temas considerados importantes para o campo progressista.
Acreditamos que um projeto de comunicação progressista precisa funcionar como uma rede, sem monopólios.
Como pessoas progressistas apoiam a ditadura da imprensa empresarial? São diversas questões a ser analisadas.
A imprensa empresarial é um negócio que atende a diversos interesses e neste tipo de empreendimento não existe interesse ou compromisso público. Existe interesse econômico. Em uma leitura crítica das publicações da mídia tradicional percebemos que a maioria das notícias veiculadas não atendem aos interesses da população pobre, maioria da população brasileira. A pequena parte que atenderia a esses interesses é garantida é garantido por um número reduzido de pessoas escolhidas a dedo pelos veículos para provar que dão voz a pluralidade de opiniões da sociedade, garantindo a ilusão de veículos com diversidade de pontos de vista.
Ou seja, os veículos da imprensa empresarial contratam algumas pessoas com pensamento progressista que garantem a produção de uma parte mínima de conteúdos de interesse público para venderem falsa ideia de diversidade e muitas pessoas da esquerda acreditam, o que fortalece a legitimidade dos veículos. Todas as pessoas que produzem conteúdos para qualquer veículo, querendo ou não, estão dando legitimidade para o contratante, porque produzir conteúdo não é igual produzir um sapato. Quem produz conteúdo para a imprensa está fortalecendo o ambiente cínico já constituído.
Quando uma pessoa assiste TV, escuta rádio ou lê jornal, poucas pessoas sabem que aquela pessoa consome conteúdos daquele determinado veículo. O único risco que pessoa corre é de, em um determinado tempo, de tanto consumir, acabar acreditando no que lê na imprensa empresarial. No meio digital você interage com os conteúdos dos veículos, e a depender da interatividade a pessoa poderá fortalecer o veículo mais ou menos, mas o fato é que toda a vez que se interage, fortalece-se aquele veículo.
Um veículo de comunicação para alcançar relevância precisa: 1) produzir conteúdos; 2) consumidores; 3) anunciantes; 4) no mundo digital precisa de cliques; 5) marca conhecida.
Todos os veículos da imprensa empresarial estão investindo no digital porque atinge de forma direta e é o único canal para quantificar acessos aos conteúdos.
No digital, quando a pessoa assina um site da grande imprensa corporativa mencionada neste texto, e paga para isso, está ajudando a manter a linha editorial, que sabemos ser ruim para a população pobre. Quando você clica em um link do veículo está colaborando para aumentar o número de acessos que determina os valores de anúncios. O maior número de acessos, aumenta o valor dos anúncios.
No digital ao pagar para ler uma mídia e a cada clique dado, você está fortalecendo duas vezes aquele veículo. Se compartilha um link do veículo está divulgando não só aquele conteúdo específico, mas está levando todas as pessoas que clicaram naquele link para um veículo que manipula a informação conforme seu interesse e ainda está fortalecendo a marca do veículo. Obviamente a consequência é que quanto mais a marca é vista, mais lembrada será!
Quando você 1) cria conteúdos; 2) assina; 3) clica nos links; 4) divulga noticias; 5) dá visibilidade para a marca e está também ampliando a capacidade do veículo atingir pessoas. Essa capacidade de atingir pessoas define o valor dos anúncios e também se os governos irão anunciar ou não naquele veículo. Geralmente os governos fazem anúncios em sites que possuem mais alcance. Quando um veículo demonstra ter um grande alcance (muitos leitores ou mesmo pessoas expostas ao seu conteúdo nos meios digitais) e também tem algum colaborador do campo progressista, os governos progressistas sentem-se na obrigação de anunciar naquele veículo sem se importar com o ambiente mentiroso e cínico que nossa imprensa criou. Mas este é outro debate.
Seria de grande importância os ativistas de esquerda repensarem suas práticas em relação a mídia corporativa para sair dessa bola de neve. Realizarem um amplo debate sobre comunicação no Brasil e desenvolver um projeto nacional para uma comunicação coletiva e livre. Assim, seria possível criar e fortalecer os veículos progressistas que praticam de fato uma outra comunicação com interesse público para diminuir o poder da imprensa que não serve aos interesses público e coletivo.
Quem topa?
*Everton Rodrigues, membro do Podemos Mais e ativista da comunicação e do conhecimento livre
* Alexandre Vega, é antropólogo e membro do coletivo Podemos Mais.
* Julio Oliveira, é jornalista e membro do Podemos Mais.
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Matéria publicada em Desacato, em 19 de fevereiro de 2016.
Fonte: Podemos Mais.
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