Por Leonardo Cecchin, para Desacato.info.
[Este é o segundo de uma série de artigos escritos ao Portal Desacato, que pretendem esclarecer aos interessados como se deu o acontecimento mais importante da história do século XX, descrevendo-o a partir de uma ótica marxista.]
No primeiro texto dessa série [1], pudemos entender como a divisão da sociedade em classes, e a consequente exploração da classe trabalhadora pela burguesia, ocasionaram a primeira grande explosão social do século XX, com a primeira revolução russa de 1905. Apesar de sua férrea resistência, o movimento grevista de massas foi derrotado pelo desgaste e a traição da burguesia – que naquele momento, pelo caráter democrático da revolução, estava aliada ao proletariado – que ocasionou uma forte repressão do exército na cidade de Moscou.
Em 1905 haviam mais de 2.750.000 grevistas; em 1906 são 1.750.000; em 1907 diminuem para 750.000; 174.000 em 1908; em 1909 são 64.000; e em 1910, 50.000. A moral dos operários cai por terra e muitos militantes abandonam suas atividades. No POSDR (Partido Operário Social Democrata Russo), somente em Moscou durante a revolução os sociais-democratas são milhares, em 1908 caem para menos de 500, e em 1910 não existem mais [2]. Esse alto grau de decomposição do partido impede o surgimento de novas rupturas, e a unificação entre as frações surge como alternativa imediata para evitar a dissolução completa.
No campo da luta de classes, as derrotas precisam ser estudadas para extrair as lições do acontecimento, e como não errar novamente. Foi isso o que aconteceu. A forte reação que se instalou por toda a Rússia obrigou os revolucionários que ainda não estavam presos a se exilarem ou se esconderem da polícia czarista. Mesmo assim, a ideia de unificação não esconde as divergências: os mencheviques criticam duramente as ações violentas de 1905, defendem a necessidade de aliança com a burguesia para constituir uma oposição pacífica ao Czar. Já os bolcheviques, liderados por Lênin, defendem o movimento de massas de 1905 e para romper o atual isolamento dos revolucionários com a classe operária, reivindicam a participação do POSDR na Duma (Parlamento Russo), combinada a ações clandestinas de agitação – como impressão de jornais e organização de células nas fábricas. Como parece não existir alternativa, Lênin tolera a conciliação por determinado período, mas novas erupções não tardam a acontecer.
Em 1910, os estudantes foram os primeiros a voltar às manifestações. Com o fim da crise e a diminuição do desemprego, os operários também puderam se voltar à política novamente. Em 1911, 100.000 operários fazem greves parciais e este número aumenta para 400.000 no 1º de Maio. As más condições de trabalho nas minas de ouro russas na região do Rio Lena na Sibéria, levaram os trabalhadores a realizar uma série de protestos e greves espontâneas. Após a prisão de parte dos grevistas, os protestos aumentaram e a intensificação da repressão culminou num violento ataque da tropa local do exército, que terminou com 150 mortos e 250 feridos. Esse acontecimento marcou uma nova fase na luta operária.
Para Lênin, com o novo ascenso operário era preciso dar um giro radical. O Partido está mergulhado em confusão, ninguém respeita as decisões do Comitê Central de 1910, que em determinado momento já nem se reúne mais, e vários jornais com linhas diferentes circulam paralelamente. Ele diz que acontecimentos revolucionários se aproximam e somente um partido fortemente estruturado poderá encará-los. Em 1912 acontece uma conferência em Praga, onde estão representadas mais de 20 organizações clandestinas russas. Essa conferência declara que atua em nome de todo o partido, expulsa um grupo de mencheviques mais à direita (chamados de liquidadores) e delibera a criação de “núcleos social-democratas ilegais cercados por uma rede o mais extensa possível de associações operárias legais”.
O debate do jornal do partido sempre foi um dos mais importantes para Lênin. Desde o Iskra em 1902, ele defende que uma ampla rede de colaboradores que se estenda por todas as fábricas do país, mandando relatos dos próprios operários sobre o cotidiano do trabalho, será a espinha dorsal do partido revolucionário. Depois de vários meses de campanha e um abaixo-assinado feito nas principais fábricas das grandes cidades, no final de abril/1912 aparece o primeiro número do Pravda (A Verdade). E apesar de ter alguns mencheviques em sua redação, se trata de uma publicação com a linha dos bolcheviques. O jornal logo é proibido pela polícia, e assim passa a atuar clandestinamente mudando de nome com frequência, mas o certo é que o que manteve o nome do partido conservado e sua atuação entre a classe operária foi a atuação dos bolcheviques. Como até mesmo um oficial da polícia declara em 1913:
“Na atualidade, existem células, círculos e organizações bolcheviques em quase todas as cidades. Estes estabeleceram correspondentes e contatos permanentes nos principais centros industriais (…) Não podemos, portanto, estranhar que o reagrupamento de todo o partido clandestino se dê ao redor das organizações bolcheviques e que estas últimas terminem de fato representando o partido social-democrata russo em sua totalidade”. [3]
Com o aprofundamento das discussões internas, a ideia de unificação aparece num horizonte distante. Discussões públicas acerca da Duma começam a ser feitas entre Lênin e alguns mencheviques, que agora passam a publicar seu próprio jornal, Luch (Raio de Luz). Exilado na Polônia Lênin dirige um giro na redação do Pravda, que acaba não dando certo, pois seus integrantes são presos em decorrência de um infiltrado no jornal, o policial Malinovski. Os bolcheviques tentam então organizar um congresso quando seus adversários, em sua campanha contra os “divisionistas”, apelam à Internacional. Em julho de 1914, o Secretariado da Internacional Socialista organiza uma mediação em Bruxelas, onde fica aprovado que a minoria deve se submeter às ideias da maioria. Mas novamente, qualquer plano em relação à isso é abortado pelo início da primeira guerra mundial.
Depois do início da guerra, milhares de militantes são recrutados para as fileiras do exército, os bolcheviques ficam por 16 meses sem direção alguma, e cada militante não será mais do que um indivíduo isolado. A reação havia voltado, e imperou por 2 anos. A partir de 1916, os operários começam a despertar novamente para a luta, a fração bolchevique conta com não mais que 5.000 militantes em uma organização que volta a se reconstituir após o grande baque sofrido pelo grande conflito.
A primeira guerra mundial marcou a traição da social-democracia alemã, o abandono desse nome e a falência da II Internacional Socialista. A bancada social-democrata do parlamento alemão votou toda à favor dos créditos da guerra mundial, com exceção de Karl Liebknecht, que se juntou à Rosa Luxemburgo para fundar a Liga Espartaquista, que defendia que os soldados abandonassem o front para fazer a revolução na Alemanha. Os russos se colocam como solidários aos dois alemães, e Lênin declara a falência da Internacional, quando essa apoia a disputa do mundo pelos imperialistas. Para ele, as potências capitalistas em disputa por novos territórios e colônias não viram outra alternativa senão partilhar o mundo pela guerra. Disse que era preciso que o proletariado convertesse a guerra mundial em guerra civil dentro de cada país, contra suas burguesias nacionais, e que era suicídio a classe trabalhadora matar a si mesma no campo de batalha pelos interesses da burguesia.
Os quadros militantes que Lênin agrupou em torno de si, que nos anos anteriores à guerra aprenderam a organizar e agrupar os operários, a dirigir suas lutas e a enganar as forças de repressão, constituem os elementos da vanguarda revolucionária que ele tratou de formar durante toda a difícil história do POSDR e de sua fração bolchevique, e que seriam fundamentais para o triunfo da classe operária nos grandes confrontos que estavam por vir em 1917.
Até o próximo, onde entenderemos um pouco mais sobre a segunda revolução russa, de fevereiro de 1917.
NOTAS
1- http://desacato.info/como-aconteceu-outubro-i-a-situacao-russa-e-a-revolucao-de-1905/.
2- Dados extraídos do livro O Partido Bolchevique, de Pierre Broué.
3- Citado por TROTSKI, Leon, Staline, op. cit., p. 250.