Em informe à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), enviado no início dessa semana, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) pede ao órgão, vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), que acione o governo brasileiro a cumprir com as leis internas e tratados internacionais diante do assassinato de Semião Vilhalva Guarani e Kaiowá. No documento endereçado ao secretário executivo da CIDH, Emílio Alvarez Icasa, o Cimi pede ao organismo a utilização da Convenção Americana de Direitos Humanos para garantir proteção e justiça aos defensores de direitos humanos do povo Guarani e Kaiowá.
Semião foi morto a tiros no último dia 29 de agosto, durante ataque de fazendeiros à Terra Indígena Ñanderú Marangatú, homologada em 2005, no município de Antônio João, Mato Grosso do Sul. Semião procurava o filho, às margens do córrego estrelinha, quando foi alvejado no rosto. Conforme relata o informe à Comissão, o ataque envolveu cerca de 100 indivíduos armados e ocorreu após uma reunião na sede do Sindicato Rural de Antônio João.
A presidente do sindicato, Roseli Maria Ruiz, afirmou que iria ‘retomar’ a fazenda a qual afirma ser a proprietária, ocupada pelos Guarani e Kaiowá. Segundo reportagem da imprensa do estado (leia aqui), a presidente teria cravado: “Estou indo agora para as minhas propriedades para retomá-las”. A reunião contava com a presença de deputados federais, caso de Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) e Tereza Cristina (PSB-MS) e ao menos um senador, o parlamentar Waldemir Moka (PMDB-MS).
Nos dias que se seguiram ao ataque, as famílias Guarani e Kaiowá que continuaram nas áreas retomadas foram novamente atacadas por cerca de 60 indivíduos armados, que atiraram contra mulheres, crianças e idosos. O governo federal, porém, havia sido alertado sobre a iminência de ações violentas contra os indígenas. A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados enviou ofício ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, informado sobre a gravidade situação no dia 28 de agosto, por intermédio de ofício urgente.
Dias antes do ofício da Comissão de Direitos Humanos, servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) declararam que em Antônio João se concentravam fazendeiros da região com o discurso de retirar os Guarani e Kaiowá das áreas, trancando a rodovia que dá acesso à terra indígena como sinal.
“Não apenas os Guarani e Kaiowá, o Cimi e demais aliados diretos da causa indígena, mas a sociedade brasileira, que manifestou seu repúdio ao assassinato pelas redes sociais, exige que não haja conivência com mais uma morte, a partir da impunidade. Também é uma forma do governo brasileiro saber que está sendo observado em suas ações, ou a ausência delas”, explica Flávio Vicente Machado, do Cimi Regional Mato Grosso do Sul.
Ñanderú Marangatú
A reivindicação de Ñanderú Marangatú pelos Guarani e Kaiowá é antiga e seu procedimento de identificação e delimitação foi iniciado em abril de 1999 e concluído em 2001, reconhecendo 9.317 hectares tradicionalmente ocupados pelos indígenas. Entretanto, no mesmo ano, fazendeiros ingressaram com uma ação declaratória para que a terra fosse considerada como “de não ocupação tradicional indígena”. A ação encontra-se ainda em tramitação.
Os anos seguintes foram marcados por idas e vindas no processo demarcatório e a constante ingerência do Poder Judiciário na condução do procedimento demarcatório. Após o início da demarcação física dos limites da terra, em 2004, a Justiça Federal determinou a retirada compulsória dos indígenas de parte da Terra Indígena Ñanderú Marangatú – decisão que foi posteriormente suspendida. Em março de 2005, a terra teve seu Decreto de Homologação expedido pelo então presidente da república, Luís Inácio Lula da Silva.
Em julho do mesmo ano, foi impetrado mandado de segurança pelos fazendeiros da região contra o decreto. O então ministro Nelson Jobim do Supremo Tribunal Federal (STF) optou por suspender os efeitos da homologação da terra indígena. As consequências foram imediatas. Dorvalino Rocha, em 24 de dezembro de 2005, foi assassinado e duas crianças indígenas morreram em razão das péssimas condições de vida às margens da rodovia, em 2006. Desde então, a situação na região é tensa e a regularização da situação fundiária de Ñanderú Marangatú continua travada.
Foto: Reprodução/CIMI
Fonte: CIMI