Por Rodrigo Otávio.
A Comissão Nacional da Verdade entra em seu quarto mês de funcionamento com seus sete membros divididos em três frentes para acelerar os trabalhos. A comissão tem, em princípio, o prazo de dois anos para entregar um relatório sobre as violações aos direitos humanos cometidos pelos agentes do estado, e um dos objetivos é relatar caso a caso os cidadãos mortos e desaparecidos pela ditadura civil militar de 1964 até 1985.
“Pelo menos com relação à questão das mortes, dos desaparecimentos e das ocultações de cadáveres nós temos que fazer um dossiê caso a caso, de modo que depois do trabalho da Comissão da Verdade se possa, dependendo do momento em que a luta política estiver, ser utilizado também com a finalidade de justiça”, disse a advogada Rosa Cardoso, membro da comissão, durante a palestra “Comissão da Verdade: possibilidades e limites”, sexta-feira (24), no Rio de Janeiro. Segundo levantamento da comissão, o país teve cerca de 500 pessoas mortas e desaparecidas pelo regime militar.
“Não existe ainda a justiça no Brasil, se bem que a gente pode relativizar essa questão porque existe uma justiça civil que pode funcionar em favor das vítimas, como é o caso recente que nós tivemos uma ação que declarou o coronel Ustra como torturador, e outras ações desse tipo na esfera civil podem ser propostas”, afirmou Cardoso, diferenciando as esferas.
“Então o que não existe no Brasil, e é muito, é demais, e já caracteriza uma situação de impunidade, é a justiça criminal, é a justiça onde se ajuizariam processos para investigar, esclarecer e punir os crimes praticados por aqueles que perpetraram graves violações durante os governos militares”, completou.
Perseguições
Outro relatório que a comissão deve produzir é sobre demissões injustificadas e perseguições sofridas por trabalhadores durante os anos de chumbo. O trabalho será feito por uma das subcomissões a partir dos quase 70 mil depoimentos apresentados à Comissão de Anistia de 2001. Segundo Rosa Cardoso, “vamos ter ali um padrão de violação de direitos humanos, teremos um banco de estatísticas para criar padrões de que tipos de violações aconteceram durante a ditadura”.
A advogada vê a produção desse relatório como mais um exemplo da necessidade de permanente diálogo entre a comissão e a sociedade civil. “A comissão vai incorporar muitas das questões que forem trazidas. Por exemplo, o que for levantado do que aconteceu na USP (Universidade de São Paulo), mandando para a gente, vai fazer parte também desse acervo”, disse ela em relação ao levantamento que a universidade está fazendo sobre as perseguições internas ocorridas no período. Rosa adiantou que a comissão firmará um termo de cooperação com a Universidade de Brasília (UnB) e está aberta para uma parceria também com a USP.
Se com a sociedade civil Rosa prega a troca de informações, para órgãos menos solícitos a advogada lembra que a comissão “pode requisitar os documentos que entender necessários, sejam eles os mais sigilosos”. Ela afirmou que para a comissão “não tem grau de sigilo. O grau de sigilo que tem para a Lei de Acesso à Informação (LAI) não existe para a comissão nos termos em que a lei da Comissão da Verdade autoriza os comissários ou comissionados a pedir essa informação”.
Operação Condor
Entre os documentos “não conhecidos, nãos desvendados, que podem apresentar informações novas”, ela citou os arquivos do Itamaraty. “Os arquivos de um órgão que se chamou Ciecs (Centro Internacional de Estudos do Cone Sul), do Itamaraty, foram agora para o Arquivo Nacional. Isso vai nos dar uma visão muito importante sobre o que aconteceu no exílio com pessoas que saíram do país, eram perseguidas políticas e foram acompanhadas. Sobre mortes ocorridas no exílio também”.
A advogada é a responsável pelo subgrupo de trabalho sobre a Operação Condor. Segundo ela, uma das tarefas é, ao cruzar informações encontradas com outros arquivos, “caracterizar que tipo de participação o Brasil teve na operação”. O cruzamento deve ser feito sobretudo para se entender as raízes e os responsáveis pela cooperação entre civis e militares na região.
“Estudaremos os antecedentes, porque o país já tinha muitos acordos bilaterais antes desse ‘acordão’ com mais cinco países; Chile, Argentina, Uruguai, Bolívia e Paraguai. Foi inclusive um acordo que o Brasil participou sem querer muita visibilidade, nem assinou a formalização, mas participou intensamente. E essa operação Condor mostra de uma forma muito descarnada, muito clara, a questão do terrorismo de estado praticado pelo Brasil”, disse Rosa Cardoso.
Casa da morte
Em Petrópolis (RJ), a prefeitura declarou como imóvel de utilidade pública a Casa da Morte, residência nas imediações do Centro Histórico da cidade usada por agentes do Centro de Informações do Exército (CIE) como cativeiro, centro de torturas e local de assassinato de opositores do regime militar nos anos 70. Em seu livro Memórias de Uma Guerra Suja, o ex-agente do DOPS Claudio Guerra relata ter frequentado a casa e dali ter levado alguns cadáveres para serem incinerados nos fornos da usina Cambahyba, localizada em Campos dos Goytacazes, no Norte do estado do Rio de Janeiro.
A declaração como imóvel de utilidade pública atende a reivindicações feitas pelo Conselho de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis (CDDH) e é o primeiro passo para a desapropriação e transformação da Casa da Morte em um centro de memória.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/