Por Ana Lúcia Nunes.
Quatro meses após a instalação da Comissão Nacional da “Verdade” (CNV) ainda não se pode afirmar que ela tenha representado algum avanço na luta pela memória das lutas contra o regime militar, já que justiça não é de sua alçada. A CNV parece perdida em sua atuação – talvez propositalmente -, enquanto os familiares de desaparecidos, ex-presos políticos e organizações civis continuam exigindo a punição aos torturadores do regime militar.
Até o fechamento dessa edição de AND, a atuação da CNV havia se resumido à realização de audiências públicas e reuniões em São Paulo, Goiás, Rio de Janeiro, Paraná, Alagoas, Pernambuco e Pará. Além do ex-delegado do DOPS, Cláudio Guerra, que foi ouvido a portas fechadas, nenhum depoimento oficial havia sido colhido pela Comissão.
A CNV tem sido criticada por várias entidades e pessoas envolvidas na luta pela punição dos torturadores. Aluizio Palmar, do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu e ex-militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), revela sua decepção:
— É triste constatar isso, mas está sendo uma CNV para dar satisfação às Comissões de Direitos Humanos da OEA e da ONU, que continuam cobrando a investigação sobre os desaparecimentos políticos forçados.
Palmar também critica a falta de compromisso de alguns membros com os trabalhos da Comissão:
— Os membros da CNV, com pequenas exceções, têm suas atividades particulares, profissionais, e não as abandonaram, ou seja, não estão se dedicando em tempo integral à CNV, como diz a lei.
Para ele, o modo de funcionamento da Comissão não contribui com o andamento das investigações. Ele revela que o fato das nomeações terem vindo diretamente da Presidência da República e, consequentemente, responderem a interesses políticos, acaba prejudicando o trabalho:
— Algumas concessões foram feitas na nomeação e muitas foram feitas nas nomeações dos assessores, que respondem a cotas dos partidos políticos que estão no governo hoje. A CNV funciona tal qual os ministérios, onde há nomeações políticas de pessoas que hoje estão mais envolvidas nas eleições do que na busca da verdade.
Não bastasse ser um engodo, a Comissão não faz o mínimo esforço para mostrar serviço. Ela já recebeu arquivos e informações de diversos organismos e pessoas que trabalharam por anos investigando independentemente do Estado. Segundo Palmar, essas informações foram entregues de bandeja à CNV e só caberia ao órgão convocar as testemunhas e encaminhar os casos, mas até agora nada foi feito. Aluizio Palmar investigou minuciosamente o caso de seis militantes da VPR que foram assassinados no Parque Nacional de Foz do Iguaçu em 1974. Toda essa documentação já foi entregue à Comissão, mas ele ainda não foi convidado a dar seu depoimento e nenhuma providência foi tomada.
Esperança no MP
No último dia 27, após pedido da família, a CNV solicitou formalmente que o atestado de óbito de Vladimir Herzog fosse modificado. O documento antigo atestava suicídio como causa mortis do jornalista. Agora deverá constar que a morte de Herzog decorreu de “lesões e maus tratos sofridos durante interrogatório em dependência do 2º Destacamento de Operações de Informações — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi)”. Mas essa ação não constitui a prática corrente da CNV.
— A CNV não é obrigada a encaminhar os nomes dos torturadores à justiça. Ela pode oficializar a investigação e o MP faz o resto, mas a primeira parte, que é o trabalho da CNV, não vem sendo feito. Hoje, o MP está atropelando a CNV e as entidades estão trabalhando no sentido de investigar e encaminhar os nomes dos responsáveis à justiça, quando isso era tarefa da CNV, que ainda está arrumando escritório, papelada, site…
No fim de agosto, as duas primeiras denúncias do MPF contra torturadores foram aceitas pela Justiça Federal da Comarca de Marabá (PA) (ver AND 95). O coronel Sebastião Rodrigues de Moura, o “Major Curió”, e o major Lício Maciel são acusados de sequestro qualificado de militantes que empreenderam a Guerrilha do Araguaia, no sul do estado.
Em São Paulo tramita a ação penal pelo crime de sequestro qualificado de Aluizio Palhano, ocorrido em 1971. Nesta ação, o ex-chefe do Doi-Codi, Carlos Alberto Brilhante Ustra, é acusado de ser o executor do crime. O MPF está recorrendo da primeira decisão da Justiça Paulista, que negou o acolhimento da ação. Recentemente ele foi considerado um torturador pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em ação movida pela família Teles (ver AND 84, 92 e 94).
Fonte: http://www.anovademocracia.com.br